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Monkey Jhayam & Victor Rice decolam a nave Monk Tape

Monkey Jhayam & Victor Rice decolam a nave: Monk Tape, bote o capacete, aperte os cintos, pois a viagem com a dupla vai ser intensa!!

 

Um dos discos mais fortes que eu ouvi esse ano, vem da área grooventa do Reggae/Dancehall/Raggamuffin, e é responsabilidade da dupla Monkey Jhayam & Victor Rice. Uma dupla afiada que troca vibrações e muita experiência musical produzindo uma tabelinha daquelas clássicas, tipo Coutinho e Pelé. A Monk-Tape (2019) é jogo solto, nada de linhas compactadas, nada de bad de prensada, é viagem. E essa viagem para a qual nós somos conduzidos é produzida através de escalas diversificadas, mas que se unem e se tornam uma só pela força da música reggae.

Um disco tomando forma de jato supersônico, onde piloto e co-piloto nos conduzem por regiões do sentimento que são estadias e passagens tão fortes que nos remetem a pensar o tempo em que vivemos, as lutas que devemos travar e mais importante: para onde devemos direcionar o nosso amor. Um roteiro de viagem necessário para o agora, que se confunde com a passagem das faixas de modo a não lhe permitir mais distinguir o que é “trilha” sonora e o que é viagem.

Passei as últimas duas semanas ouvindo/viajando nesses sons e agora ao me deparar com a necessidade de escrever e convidar outros a embarcarem nessa nave, me ocorre uma questão. Um problema que na real sempre me coloco e que é simples até, mas como todas as questões simples, não encontram respostas fáceis: Porque um disco desse naipe não estourou? Onde estão as agências de viagens espaciais que não viram essa nave com excelente oferta? Enfim, convido-lhes a acompanhar a resenha de minha percepção dessa viagem, e se puderem me respondam ao final da leitura e da audição.

Não é a falta de qualidade do material o fator que poderia responder essa questão, sem querer cair em uma falácia de apelo a autoridade, estamos com dois pilotos extremamente experientes e premiados. O produtor nascido em Nova York Victor Rice, já possui largas milhagens em viagens as mais diversas, inclusive sendo premiado por duas vezes seguidas com o Grammy Latino, na categoria “Mix Engineer”. Uma vez com a Tulipa Ruiz em Dancê (2015)  e outra com a Mulher do Fim do Mundo (2016), trabalho seminal da deusa Elza Soares. Além de ter participado de três projetos maravilhosos onde discos e obras clássicas foram revisitados pelo reggae: “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Dub“, “Dub Side Of The Moon” e “RadioDread”, onde além de conduzir as linhas de baixo subversivas, mixou com primor.

Monkey Jhayam é cria da zona leste de SP e tem uma discografia brutal onde a sua qualidade como compositor e sua versatilidade vocal pode ser facilmente comprovada, veja aqui. Uma caminhada que o fez ser reconhecido por grandes nomes da cultura reggae mundial como Prince Fatty, Congo Natty, Mad Professor. Esses dados técnicos e históricos fazem a questão retornar: porque essa viagem não está superlotada, porque a nave não está fazendo viagens initerruptas? Esse registro bastante importante, é fruto do trabalho da dupla em 2018 e foi feito ao vivo no Copan Studio. 

Podemos constatar que estamos diante de duas figuras que possuem bastante controle dos manches, que são capazes de passar por quaisquer turbilhões e nuvens pesadas, e já que asseguramos para os leitores a qualidade dos condutores, oberservemos qual o trajeto proposto aqui. Pois os caras, também são mestres em nos guiar por caminhos insuspeitos, nos fazendo ver paisagens novas lá onde o olhar/ouvido viciado, a sensibilidade embotada não conseguia mais perceber beleza e força!

.Antes da decolagem ao invés daquela voz costumeira, a Total Running Time Airlines já coloca “Monkeyman” pra nos avisar que podemos nos sentir seguros durante todo o trajeto, pois o comandante Victor Rice nos levará com muito groove. E será preciso soltar todas as nossas amarras e tomar os espaços com alegria e força, qualquer agonia fora do comum, as máscaras de fumaça serão automaticamente acionadas.

E eis que a nave alça voo com “Eu Já Sei” e a escolha não poderia ter sido melhor para a abertura dos trabalhos, tomando o sagrado feminino como signo de criação, de respeito pela origem de toda a vida. O baixão e a escaleta servindo primorosamente, a música tem um que de chiclete e dificilmente você não recordará essa primeira paisagem musical depois de ter passado por ela.

O Copan Studio pode também se transformar numa máquina atualizadora do tempo, e “Preto” composição que toma o clássico de Gerônimo Santana, Eu Sou Negão, como inspiração, é exatamente isso. Força de uma negritude que cobra quem viajar na bad trip do racismo, que é tão presente em nosso cotidiano.

Os botões haxixados de Victor Rice produzem uma base que se funda numa percussão que nos remete a uma viajem não somente à Bahia dos anos 80, como a sua mãe África, e nos localiza agora no século XXI, dialogando com o discurso e com a música referida. Música que fará você identificar o batimento dos tambores com os seus batimentos cardíacos e se pá, tomar consciência da necessidade de afirmação da sua/nossa negritude.   

Aqui acima temos um registro feito pelo Coleta Filmes onde podemos ver o mano Jhayam dando a voz e os controles do Victor Rice sendo operados in live no Copan Studio. A incredulidade exposta por Monkey Jhayam sobre o quanto retrocedemos no tempo, é exatamente a máquina atualizadora da qual falávamos, em sua versão retrógrada.

O atual momento do mundo, e particularmente de nosso país, tem feito os racistas saírem das sombras de seus inconscientes podres, e tomado ruas e redes. Uma viagem que aumenta a nossa tensão mas que também nos serve de alento, ao percebermos o quanto o mano está em pé no combate ao nosso lado.

Dessa passagem pela “Roma Negra”, a nave dos caras atinge uma contradição rítmica/temporal, ao nos encaminhar para uma outra viagem, dessa vez ao reino mítico de Zion. O baixo colocado no jogo por Victor Rice, nos leva diretamente a promessa de adentrar reino de Mosiah, desde que limpemos nossos corações de toda a maldade que a Babilônia nos ensina. Uma das passagens mais fortes, “Zion-I”, onde a religiosidade, a ética e a política rasta dão as cartas. Uma acapela serve-nos para refletir sobre essa limpeza necessária: “Deixa Levar”.   

Segundo registro audiovisual feito pela Coleta Filmes, “O Mar” é daquelas canções que nos fortalece, se você tem o hábito de escutar música pelas ruas com fones de ouvido, perceberá o quanto nossa percepção existencial pode ser ampliada, chamada à atenção depois de ouvir isso aqui. Estamos já no miolo da força desse disco, e o discurso anti-capitalista está lá numa excelente faixa, pra meter a lança no dragão da Babilônia.

Esse núcleo nos faz pensar no quanto a cultura da reggae music está sempre na resistência, seja de que modo for. Em “Mete Dança” somos levados na parte da viagem: “Não fique panguando”! Vamos suar mexendo o corpinho e exorcizando esses demônios através da força que a boa diversão é capaz de nos transmitir. O consumo da planta sagrada, é o tema da viagem seguinte. Combatendo a criminalização da maconha, através de motivos hipocritas que só nos esconde a verdadeira motivação, controle e genocídio da população negra. Não compre, Plante!

A potência vocal do Monkey Jhayam alcança o topo de sua força e de sua vontade de justiça, em “Não Me Representa” isso fica evidente. Num país onde nós estamos mitologizando milicianos, onde elevamos outros cidadãos que ocupam cargos políticos a classe de heróis, essa viagem é mais do que atual e necessária!

Existe para aquelas pessoas que baixarem a mixtape pelo bandcamp – que foi o nosso caso – duas viagens a mais, duas escalas que não estão nos streamings. A versão de Breathe, clássico da banda inglesa Pink Floyd. Certamente um dos momentos mais lindos dessa obra, estará disponível apenas a quem baixar a mixtape e ou a quem conseguir esperar pra ver se os caras vão lançar essa pedrada. Você vai esperar?

E estamos chegando na última viagem do disco, com “Quero Ver” uma nova chamada de atenção à nossa visão de mundo, embotada em geral, pela correria do dia a dia, pelas distrações que chovem na nossa frente e nos alienam. Não soa como uma ameaça religiosa, mas como um aviso de algo que é inevitável se continuarmos no ritmo e na direção que estamos enquanto humanidade. A mixtape que Victor Rice e Monkey Jhayam nos entrega tem essa potência, como falamos lá no começo, de nos fazer repensar nossa vida, nossas ideias, e em qual direção nós iremos mirar o nosso amor. Espero que vocês tenham curtido a viagem…

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