Monal, banda mineira de Mariana, surgiu em 2024 e já lançou 3 singles até aqui. O som pesado e recheado de elementos ruidosos expressa bem as temáticas exploradas pela banda.
Monal é um duo mineiro da cidade de Mariana, composto por Junior Cica na batera e Leandro M nas cordas. Então, todo som ouvido por você nas faixas de cada um dos Eps lançados pela banda, que seja emitido por um instrumento de corda, quem tá tocando é o Leandro. Diga-se de passagem, como tem instrumento de cordas nessas faixas!
E a tônica de composição dos caras está pautado na liberdade em combinar o som e fazer uso de diferentes elementos sonoros. O resultado é um som múltiplo, completamente orientado por um método experimental. Ao menos é essa a aposta que faço após ouvir os discos e perceber que a sonoridade da banda dificulta sua categorização.
Outra característica interessante da Monal está na ausência de letra e melodias vocais nas músicas. Os caras se concentram em paredes sonoras volumosas e carregadas em distorção, preocupando-se em construir as faixas a partir de diferentes blocos temáticos.
Ecossistema Sintético
Tanto Junior Cica quanto Leandro M. são de Mariana. A cidade vivenciou em 2015 um desastre ambiental de grandes proporções graças ao rompimento de uma barragem da Samarco, mineradora controlada através de uma joint-venture entre a Vale S.A e a anglo-australiana BHP Biliton.
Por terem sentido e ainda estarem sentido na pele, as mudanças na dinâmica social da cidade desde o rompimento da barragem em 20015, abordar o tema se apresentou quase como uma necessidade pros caras.
A arte de capa mostra os escombros deixados para trás pelo rio de dejetos de mineração formado quando se deu o rompimento da barragem. Comunidades inteiras deixaram de existir, bem como muitos ecossistemas ambientais.
A faixa que abre o Ep e lhe empresta o nome, Ecossistema Sintético, aborda as consequências do lançamento de todos esses dejetos químicos na natureza. Transformando a paisagem natural, numa paisagem totalmente artificial e tóxica. Muitos lugares se transformaram em um cenário plastificado.
O endurecimento do material químico criou estruturas plásticas, completamente endurecidas. O início da música simula batidas de coração marcadas por aqueles aparelhos hospitalários de monitoramento cardíaco. Apenas a guitarra faz essa parte, até a entrada da bateria num ritmo constante, o que marca o contraste como riff executado pela guitarra que se mantem o mesmo da introdução.
A música passa por variações, porém sempre mantendo esse clima de tensão. Essa sensação de quem está diante de um acontecimento impactante, de difícil assimilação dada sua natureza inusitada. Me faz pensar o que foi estar diante dessa natureza artificial, substituta do natural.
Próxima faixa, Tijolo, começa tensa. Riff pesado e cortante desde o início, as linhas de baixo bem graves e volumosas, assim como as paredes sonoras criadas pela guitarra, com bastante distorção. Somos remetidos aos destroços, aos fragmentos das vidas e da ordem social e natural existentes antes das torrentes de detritos tóxicos que passaram destroçando tudo em seu caminho.
Na minha interpretação, o tijolo representa as vidas despedaçadas, os fragmentos do que existia nos lugares por onde a enxurrada química passou. Fragmentos de natureza, de sociedade, de famílias e comunidades. O tijolo da casa da família que vivia do que produzia em seu sítio, da cabeça da boneca, evidência de que crianças viviam ali.
Futuro Analógico
Este single aborda outro tema que nos é caro. O aprofundamento cada vez maior no virtual e o uso constante das tecnologias digitais dentro das relações sociais.
O uso indiscriminado dos ambientes virtuais e dos dispositivos digitais tem nos levado ao adoecimento psíquico e emocional. Isso porque impõem à nossa psique e às nossas emoções, uma velocidade de funcionamento e desenvolvimentos que são incompatíveis com seu funcionamento natural.
O título do single, Futuro Analógico, analisado em conjunto com a arte de capa, aponta um questionamento acerca do que está porvir. Será a solução o retorno ao analógico afim de nos desacelerar, de nos colocar novamente no ritmo da vida biológica?
Temos na retomada da procura por aparelhos toca discos e os Lp´s e o K7, uma forma de retornar a uma forma analógica de se ouvir música. Mesmo que sirva ao interesses do capitalismo tardio, na medida em que cria um novo veio de mercado, ao mesmo tempo permite a apreciação musical num ritmo mais próximo àquele o qual nossa cognição e percepção podem acompanhar de forma tranquila.
Por falar e velocidade, encontramos nesta faixa um andamento mais rápido logo no primeiro tempo de sua execução. De acordo com meu entendimento sobre a música e seu tema, representa esses dois polos, o do analógico e o do digital/ virtual.
Esse início de andamento rápido reflete a alta velocidade que a vida parece se desdobrar quando estamos imersos no mundo virtual e usando os dispositivos digitais. Este andamento vai caindo ao longo da música, a meu ver indicando a desaceleração possível da vida ao se voltar na direção do analógico.
Stereoscópio
Chegamos ao terceiro lançamento da Monal em 2024. Sterioscópio, além da faixa que dá título ao single, possui uma segunda, Perdigoto.
O início de Sterioscópio é alucinante! Imediatamente, ao apertar o play, veio a imagem de uma perseguição. Ocorrendo num cenário futurista.
Quem sabe se trata da percepção adulterada por alguma substância pesada, fazendo a pessoa enxergar de forma distorcida o cenário no qual está inserida.
Nesse sentido seu início é angustiante, e perturbador. O ritmo frenético se mantém durante mais da metade da execução da faixa. Ele é suspenso quando entra uma espécie de interlúdio no qual o andamento cai vertiginosamente e há um momento de paz.
Contudo, essa paz dura pouco tempo e a paz é definitivamente engolida pela angústia!
Nosso passeio pelos lançamentos da Monal em 2024 se encerra com Perdigoto. Depois de sermos lançados numa espiral de angústia perturbadora, agora ganhamos um pouco mais de condições de respirar. Perdigoto tem andamento mais cadenciado.
Cadenciado não quer dizer menos pesado. Essa característica é a mesma da primeira à última faixa. Aqui temos riffs de guitarra mais acelerados e solos pontuais. Por isso mesmo, embora a música seja mais cadenciada, ela não deixa de ser mais agitada, Justamente por esses riffs de guitarra frenéticos e os solos pontuais.
Taí nosso role pelos lançamentos da Monal até aqui. Lembrando que a banda ainda não tem uma ano de vida. Eu, particularmente, fico imensamente feliz quando aparece uma banda interessada em fazer um rock barulhento e instrumental. Vida longa à Monal.