Feita com a sensibilidade à flor da pele, a música composta durante o período de nascimento de sua filha, cinco anos atrás, só agora foi registrada e lançada. Essa primeira informação poderia nos levar a pensar ou perceber alguma marca datada na composição, o que não é o caso. O fato é que em seu primeiro single, Mobiu parece nos propor a audiência de um período onde o artista passa a repensar os seus caminhos num processo de práxis e reflexão muito profunda.
Reflexão e práxis que se colocam longe daquela lenga-lenga de auto afirmação forçada e batida. O que nos foi entregue foge e muito desta pegada. Os dois exercícios são plenos de honestidade – momento complementar de virada – que tanto pode surgir como fruto do nascimento de uma filha, quanto de um artista realmente engajado com sua arte e que busca evoluir. Não é novidade alguma que o hip hop brasileiro segue num momento de expansão vertiginosa e dentro desse movimento, decidir e se posicionar dentro do jogo é importantíssimo. Essa postura, com certeza definirá daqui pra frente quem está falando sério, fluindo ou quem está sendo levado pela correnteza, meramente surfando a onda.
Colocar-se realmente em dúvida como um método de pensamento (Cartesiano?) é tradição dos espíritos questionadores e dentro do jogo é algo raro. O mercado e muitos que dele fazem parte preferem cultivar o seu sacrossanto egocentrismo. Somente os espíritos fortes conseguem suportar esse ar rarefeito que as alturas do pensamento nos proporcionam, nos colocando à prova. Depois de tantos anos militando em qualquer área que seja, buscar o exercício de auto critica é fundamental para resgatar as práticas que produzem “lucro” (obviamente não como mais-valia), mas com um acréscimo de potência, de força para continuar. E eliminar as ideias e praticas que nos enfraquecem (Dívidas), buscando perspectivas mais vitais.
Afinal nossas condutas podem nos levar, sem a devida reflexão acerca dos encontros, a perder essa mesma potência de vida (Dívidas), fazendo com que o caminho seja de perdas, de enfraquecimento. Acreditamos que é nessa relação que a escrita de Mobiu se coloca. Buscando avaliar quais os valores que valem a pena serem conservados, regados, necessitando também avaliar as próprias fraquezas e combatendo-as antes de seguir. Contando com o auxilio luxuoso da rapper – Bruta Flor – Cintia Savoli, que surpreendentemente aparece aqui apenas em seu lado FlOwR , emprestando a sua capacidade e versatilidade vocal, num refrão melodiosamente lindo. Na produção Doga Love mantem a harmonia e qualidade entre o som e as ideias.
Apesar da seriedade do tema, musicalmente o resultado é de uma leveza ímpar. A cara de mal, o corpo avantajado e o timbre vocal rouco encontram o seu Outro de si mesmo, na beleza e leveza da poesia. Talvez essa rouquidão seja justamente obra da dificuldade em fazer esse lado mais leve alcançar a luz do dia, ou talvez a melancólica constatação da mudança necessária e das dores que devem ser suportadas para que elas (as mudanças) se efetuem. A transmutação de rinoceronte à passarinho que neste novo momento alça voo e aponta novas direções. Necessidade de afastar-se dos lados mais sombrios que a vivência das ruas aproxima de nós. Certamente exercício hercúleo, extremamente bem capturado pelas lentes sensíveis de Fernando Gomes no ensaio fotográfico que imprime a identidade visual deste trabalho.
Primeiro lançamento do selo Afreeka Music, esperamos que seja o abre alas de muitos…
Ficha técnica
Letra e Voz: Mobiu
Vocal: Cintia Savoli
Produção, Mixagem e Direção Musical: Doga Love no Estudio Pela Orla Beats
Baixo: R. Braz
Masterização: Álvaro Réu no Estudio Colé De Merma
Fotografia: Fernando Gomes
Produção Executiva: Afreeka Music