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Discos, Resenha

Mixtape: Estilo Laz Vegazh (2015) – Vandal

“É precVandal 2iso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela cintilante”. (Friedrich Nietzsche)

Vandal dispensa introdução. Mas pra quem tá moscando é só ouvir Salve que vai entender perfeitamente em seus 1:36, tudo que precisa. Esse rapper de Salvador conseguiu em um pouco mais de 35 minutos com 15 músicas, fazer a melhor mixtape do ano no rap nacional. Sim, se emocionou foi? Bote a cabeça no lugar e coloque as fichas na mão, porque o jogo aqui é solto.

E se você não prestou atenção e não notou a relação entre a quantidade de músicas e o tempo do disco, você com certeza recebeu toda a força, toda a potência que Vandal consegue comprimir em tão pouco tempo. Mas o disco é de rap? Notou que algo está estranho? Sim, é rap mas a pegada é hardcore, pequenas canções com uma urgência absurda, confusão e discórdia.

É sim, de verdade. E depois do download, deveríamos nos preparar com calma e tranquilidade para entender de onde vem essa rapidez e clareza. Pra escrever sobre esse poeta deveria ser proibido produzir frases compridas. Mas é difícil. Buenos Aires, Paris, essa neve e essa frieza acentuada na verdade remete-nos aos cantos mais obscuros de Salcity. Uma pista, talvez o Mc ao se colocar geograficamente nesses locais improváveis, esteja nos dando de presente, uma visão de nossa alma. Uma cartografia subjetiva, caótica, bonita, do lixo ao luxo. Afinal quem não quer curtir os luxos da vida?

Melancólico, disposto a qualquer coisa, é só passar a peça e o cabra termina a missão, tipo Killa. Coisa de quem escreve pequenos ensaios céticos como Montaigne, pronto pra morrer. Pessimista numa chave niilista, ativamente buscando seus espaços no jogo. Talvez não seja absurdo algum dizer que estamos de frente a um kamikaze… Porém, o suicídio dito em forma de música, seja do intelecto que tentar o perceber carregado de preconceitos. Esse tipo de soldado só explode se você não entrar na vibe dele e nos chamamentos que compõem de certa forma suas letras. O riso cínico só aparece ao final. Para lhe desarmar.

O que nos parece importante para compreendermos essa força da natureza que chega como um desastre para os ouvidos menos preparados ou firmemente politizados sob dogmas. É entender que aqui não tem cartilha pronta pra ninguém, não tem conselhos de como viver feliz. A beleza e a discórdia que essa coleção Tipo Laz Vezghas nos apresenta, vem da capacidade de poetizar sentimentos pouco sublimes, de se mostrar por inteiro, do pior ao melhor. Coisa que pouca gente tem coragem. É preciso estar muito livre para colocar pra fora toda a raiva e dizer realmente a que veio, em se tratando de arte a liberdade deve sempre vir primeiro.

Com essa obra a discórdia está na casa e espere apenas bagaça, pois aqui não tem espaço pra bom mocismo de meia tigela. A mixtape busca criar raps em cima de vários beats que fogem do rap tradicional, dialogando com o arrocha, com o eletrônico e com o pagodão. Musicalmente e poeticamente é das cosias mais prenhes de possibilidades que nossa música produziu esse ano. Por trazer um estilo poético novo: “Neve no coração/eu não tenho religião / minha droga minha medicina/ enquanto a puta segura minha mão”. Esse exemplo é ínfimo diante da potência do disco, mas talvez sirva de exemplo que possa dar conta de mostrar o quanto esse disco é muito diferente de tudo que vocês já escutaram.

Vandal não está interessado em agradar as boas almas. Ele é o Caos carregado de possibilidades e Tipo Laz Veghaz é a sua primeira estrela cintilante. Enquanto homem, não o conhecemos para apresentarmos dados, mas acreditamos que suas palavras bastam, enquanto produtoras de arte. Sabe aquele fundo de ônibus lotado de pivete, batucando músicas obscenas e que ninguém dentro do coletivo consegue calar? Essa é a primeira imagem que ouvindo o disco desse soldado do rap me vem à mente. Porque o mano Vandal traz em sua música um série de questões que dizem respeito ao guetos de verdade. Para o bem e para o mal. As imagens que recorrem à violência explícita para dar conta de problemas sociais. Inescrupuloso e talentoso demais pra se prender em auto censura.

Pessimista e talvez agnóstico, machista, cachorro, apaixonado e emocionado, sim algumas pessoas precisam carregar dentro de si mesmas o caos que percorre o conjunto inteiro da sociedade para conseguir dar conta de tudo que as afligem. Talvez a grande diferença seja que o artista aqui em questão deixa isso muito claro e a psicanálise diz que é importante falarmos sobre os nossos preconceitos. No caso dos artistas, isso dá em geral o melhor da arte. Contradição, paradoxo, é daí que vem o melhor da arte ou pelo menos o mais forte.

Vandal chega sem apresentação e dispensando também qualquer consideração que não venha da arte do seu flow. Isso com certeza deve causar certo ressentimento em quem tem um discurso lindo mas não consegue rimar na mesma potência. O poeta segue na pegada: Bala e fogo, blindado e se alguém caminhar pra cima vai chupar. Sim, vai se dar mal, porque se tem alguma coisa com a qual ele não está preocupado é com elogios ou detração. A mixtape tem 15 músicas e a rapidez de uma peça cuspindo o pente pra fora, contra a foto mal tirada do covarde, como o alvo onde se treina. Mas quem é o inimigo?

Como falávamos antes, a primeira música deixa claro, o inimigo é o mesmo de sempre: o sistema. E a seguinte já começa a demonstrar a atitude do rapper: “Eu não valho nada, Eu sigo o mundo nos embalos, mas quero uma parte do bolo também. Se eu não conseguir alguém vai alguém vai se fuder” Avisar não dói e faz parte da ficção!

Certamente toda crença tem um viés, e não depende dos crentes o sucesso do pivete, que tá na correria mostrando que sua visão de mundo já abriu diversos palcos para ele mandar seus recados. Deixando claro que tudo se resume à roleta de cassino, no sentido em que não encontramos sentidos prontos, temos que produzi-los ou o produzem pra gente. Sexo pegajoso, dinheiro na mão, calcinha no chão. Trap do melhor e o melhor de tudo, atualizado pra Salvador, colocado no nosso contexto. 

O mero reconhecimento de que o conjunto da sociedade é escroto, filho da puta. Querendo cada um a sua mão boa no jogo para fechar a banca, não coloca a persona de Vandal  como o pessimista maior, é mero realismo. Na verdade, a mensagem da mixtape é de que se jogue o jogo, cada qual com sua mão, sem atrasar o lado de ninguém – confusamente construindo suas possibilidades – e seguir sem uma regra clara, criando com a qualidade de sua mão (ideias e flow) na mesa de black jack!

Disto isso, de nossa parte cabe assistir e aplaudir toda iniciativa que chegue com tamanha força. Também brindo todo dia, mas agora é pra comemorar e desejar sucesso. Porque reconheço nunca estar bom. Mas com a chegada de algo assim, alivia e dá pra respirar um pouco. E cada um siga seu caminho com as cartas que a vida lhe apresentar ou com a capacidade de criar suas possibilidades no jogo. Apenas um ponto em meio ao caos já é muito. Sim, esse cara tinha me consumido e muito. Faz alguns meses que aguardamos a chegada de sua mixtape. Até então nos contentávamos com os shows de Vandal (que em cima do palco é incontrolável) transformando tudo isso numa forma de espetáculo. De forma que já ganhou a playboizaida e os favela que tiveram contato com sua música aqui em Salvador. Só falta agora ele dar conta do resto do nosso país.  

Com certeza, essa mixtape vai leva-lo mais longe, quem tiver ouvidos capazes que ouça. Algumas das músicas já são cantadas em uníssono em seus shows e algumas outras possuem a forte capacidade de se transformarem em hits no verão brasileiro. O disco pode ser baixado diretamente de seu site, cê vai perder tempo?

Nota: 

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