Oganpazan
Discos, Resenha

Matiiilha – M.A.R.R.A. (2015)

M.A.R.R.A. (2015) – MatiiilhaO disco de estreia do Matiiilha preconiza uma revolução racional ajustada pela poesia de rua, visando uma construção coletiva ética e assertivamente revolucionária.

A sorte foi lançada algumas semanas atrás, mas com certeza essa estreia em disco cheio do coletivo Matiiilha não foi feito com sorte. Muito trabalho e talento são pelo menos as primeiras impressões que são possíveis detectar já na primeira audição do álbum.

M.A.R.R.A. (Método Assertivo de Revolução Racional Articulada) estreia com consistência e com formas musicais muito interessantes. Contando com uma produção caprichada, temas importantes abordados com uma intrincada poesia, beats que não são óbvios e flows singulares. Mas um lançamento de peso pra marcar esse ano de altas produções no cenário rap de Salvador para o mundo. Com quatro anos de estrada os vira latas seguem fazendo da rua uma simples extensão de suas casas.

Saho, Mahatman, Alpha e Dj Sly formam esse coletivo que são outros tantos guerreiros da música que não se curvam diante dos problemas e das laranjadas que nos cercam, buscando uma metodologia racional para se colocar de forma plenamente assertiva (como o título do disco ressalta). Ao longo das 13 faixas vamos percebendo que o clichê de mensagens positivas é subvertido pelos caras, que ao emanar positive vibrations fogem do óbvio mandando junto muita malandragem e posições políticas fortes, tudo isso recheado de muita musicalidade.

A revolução que os caras propõem é racional, mas não de uma razão meramente instrumental. Antes como uma faculdade capaz de dimensionar de forma adequada as intuições que as ruas e nosso contexto social suscitam nessa matilha que busca conquistar as ruas. Equilibrando muito bem os beats e a poesia, essa estreia se coloca assertivamente no cenário nacional com sequências musicais que pretendem romper certa repetição vazia que às vezes percebemos em discos de rap. Sujeitos surgidos da sarjeta, moleques que surgem das periferias baianas com música de mensagem e uma postura forte diante da cena atual.

Desde a Intro é fácil perceber que o cruzamento de significações está dado, visando uma construção comum e revolucionária. Eles são tudo o que o dicionário diz, menos vadios sem ocupação, ou antes o foram. Um grupo que na boa “vadiagem” encontrou sua ocupação e se tornou a Matiiilha: um coletivo de rap. Testemunho do Rap contextualiza a ideia de estar consciente que antes de ser um homem se é um mundo. Consciência cósmica de ser com todos os outros, mostrando uma visão de coletividade que não se resume aos iguais, abarcando a diferença. E percebemos como as rimas podem ser armas contra aqueles que querem destruir os valores mais importantes para uma conduta ética que valorize a vida. E isso é o Rap.

Vertigem, faixa com produção de VBeats, traz uma clareza do flow numa dicção didática que impressiona. Na música questiona-se quem se esquece de sua própria história e vende-se, perdendo assim a construção e virando banquete. Os beats seguindo incansavelmente pra frente e floreado por samplers de flautas e violão casam perfeitamente ao flow dos Mc’s. Surgir para resistir como o contrário de aparecer para esquecer, “olhando pra trás evitamos danos”Cabeça de Fosforo é uma daquelas do disco que possuem muito potencial para virar hino. Os mafiosos inventaram uma maneira de construir uma da boa. Rompendo os cadeados da mente e buscando o esforço com desejo para conseguir se firmar na cena fazendo-se reconhecer pela quebra de novas tendências que não inovam. Àqueles que obedecem o zeitgeist sem questionar, a Matiiilha ensina: é preciso inventar as próprias maneiras.

Como dissemos no começo Alea Jacta Est, porém não buscando apenas a sorte, lançaram também o talento e a vontade de vencer pela arte. Dj Akani, uma das cabeças caras da Familia BTB (Back To Back), está na produção dessa bomba, com a qualidade já conhecida. A confusão das impressões que a vida nos causa é embaralhada aqui para propor uma outra atitude para aqueles que pensam o tempo como o lugar no qual somos dados. A necessidade de valorizar as ações, a atividade que busca imprimir seu valores e não estabelecer qual o seu valor no mercado. Busca a iluminação mesmo diante das provações que a vida nos inflige; menos nicas sim. Saber que o dinheiro é importante para ter dignidade, mas saber também que ele deve estar nas mãos daqueles que fizeram um trabalho digno pra consegui-lo.

A revolução racional assertiva, tem um método que é diminuir o Ego, buscar o impessoal a intuição, capaz de diminuir esse inimigo que quando é supervalorizado diminui a coletividade. Corrente (prod. Peevah Beats) expressa essa ideia com precisão: “Eu só queria saber, o que os outros não sabem, o enigma da paz para que as tretas acabem, eu só queria saber pra ver se não é tarde, onde houver mais um já é a coletividade”. Inclusive buscando os deuses como outras forças capazes de romper o egoísmo e ensinar a finitude, como o maior aprendizado humano.

Os moleques mandam sempre a real e de forma refletida, o que nos faz sentir em todos os momentos o trabalho primoroso em todas as esferas. Por isso não percebemos aquela postura ansiosa que por vezes nos leva à territórios ambíguos nas ideias que são propagadas. A conversa dos cabras é de evolução, sem separação entre orla e favela, e no entanto sem deixar de perceber a luta de classes. Ou seja, não adianta evoluir por um lado e degradar-se por outro. Degraus vai nessa linha mostrando como M.A.R.R.A. busca desembolar determinados enganos que parecem constantes. Se a vida é uma escada, não adianta subir um degrau e descer dois. Sendo assim, o método racional propõem que apenas a reflexão sobre nossa conduta faça com que saiamos dos perrengues do trampo e consigamos alcançar a vitória.

A aposta é séria e por isso não é a sorte quem governa o destino dos lobos da Matiiilha. Boom é uma boa composição que não arrega aos nossos descalabros da política oficial. Os manos fogem da alienação descortinando como todos os nossos problemas sociais são frutos de uma quadrilha oficial daqueles que recebem votos para continuar o processo de desmantelamento do estado. Propagando a ignorância, alimentando políticas genocidas e nos entregando à invisibilidade. Acordar para fazer tremer o céu é uma missão que não pode ficar pra amanhã. Afinal, os ratos roem cotidianamente nosso real e é preciso explodir essas leis que nos tratam como marionetes. Foda-se Rui Costa e seus centroavantes!

O coletivo segue na 11º faixa se posicionando com a faixa Tysson, como aqueles que não se deixam enfraquecer. Buscando o clich quando estão recebendo golpes muito fortes, mas que em geral nocauteiam com uma produção muito forte. De certa forma é uma metáfora muito bem elaborada sobre como se deve portar diante das dificuldades que enfrentam. Como Mike Tyson viveu sobre os ringues, os cachorros loucos da matilha botam o som pra tocar alto e com uma boa qualidade musical e poética. Cada vez mais intenso, vade mecum para os que vierem em seguida terem uma boa referência. E a referência é a luta, “faça o que puder fazer, expor o que ousar, o que pensar dizer”, desde que venha com a potência de renascimento de si e dos outros! Não é outra a mensagem do hip-hop.

Cinegética é uma das melhores músicas do disco! Pertinho do fim ela ajuda a não sentirmos o final. Sly produziu com qualidade essa música que coloca os beats como meros condutores, tendo alguns efeitos a colorir as letras e o flow num tom reflexivo. Podemos ver como a Matiiilha consegue, ao longo de 12 faixas (de um jeito ou de outro) colocar seu Pseudo Psico Pensar (Método Racional?) numa forma artística que durará. Colocando muitos sonhos em jogo, artistas que conseguem produzir mesmo tendo tudo contra si e numa qualidade muito bacana. Farejando com propriedade a possibilidade de construir um outro porvir para si e servindo de inspiração para aqueles que como eles conseguem pensar o que é perder e o que é ganhar. 

A música que fecha o disco é a Firma que já tinha sido lançado como single antes. Com uma pegada chapada fecha em alto estilo o disco com uma perspectiva de se livrar dos problemas gigantes que nos assola e que muitas vezes precisam encontrar um impulso para fundarmos nossa própria firma e conseguirmos desopilar a vida de robô em que tentam nos colocar. “Não me ensinaram a ganhar dinheiro, me disseram vai, mas o caminho eu pude aprender”.

Uma boa estreia, mesclando a qualidade dos rappers a uma produção de beats que acompanham com identidade uma visão musical unitária, metodologia de rua, filtrada por mentes racionais que estão atentos à missão. Assertivamente esses soldados buscam articular a re-evolução no hip-hop. Bem assessorados por uma produção de qualidade de gente que vem também construindo nome dentro da cena. Como num romance do Jack London, o trenó da música é incansavelmente puxado por uma matilha de lobos selvagens. Com uma forte potência discursiva sobre a coletividade, na noite no rap brasileiro e diante da lua cheia baiana que ilumina a todos aqueles que estão trabalhando com força, desejo de mudança e verdade, a Matiiilha se apresenta para uivar com força em agradecimento ao poder de calcular e poetizar para conquistar seus sonhos de mudança.

Padrão amarelo e preto e preto e amarelo rapaz, tá ligado qual é a marca não é?

É Matiiilha Porra! Baixe aqui.

Matiiilha – M.A.R.R.A. (Método Assertivo de Revolução Racional Articulada) 2015

Nota: 

Todas as faixas foram gravadas, mixadas e masterizadas por SLy. na KAN!L Records. 

Arte do disco por Erisson Pedreira (4KBÇA).
Apoio Back to Back.

M.A.R.R.A. – Matiiilha.

Matérias Relacionadas

Teagacê lançou o melhor disco do ano no rap nacional? Um potiguar no topo!

Danilo
5 anos ago

“Shakespeare do Gueto” é o primeiro clipe solo de Ravi Lobo. “Puxando a matilha”

Danilo
3 anos ago

Jambu não está tão distante assim

Carlim
2 anos ago
Sair da versão mobile