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Matéria Prima: cidade x sanidade em Rascunhos de um Momento Conturbado

Com uma mixtape lançada recentemente, Matéria Prima conversou com a Gabriela Santos sobre carreira, cidade e sanidade, mercado e muito mais!

Tem muita coisa rolando em Belo Horizonte quando o assunto é hip hop. A cidade que sempre foi conhecida por ser palco do Duelos de MC’s, é uma fábrica de talentos, muitas vezes inexplorados (ainda bem!) pela indústria cultural do eixo sudeste. 

É impossível estar em BH e não se apaixonar pelas ruas, picos, pontos turísticos, praças e parques. Entre grafites, pixações, manifestações e influências artísticas variadas, o hip hop floresce cada dia mais. Cria desse caos, o MC Matéria Prima, lançou mais um álbum recentemente: Rascunhos de Um Momento Conturbado (2019). Como a própria capa do álbum grita, ele afirma ser só mais uma cor pra poder pintar a cena de uma forma mais divertida e mais viva. Para ele, BH ajuda por ser um poço de criatividade e atrapalha por ser provinciana. 

“Às vezes parece um balde de caranguejo, entende? Um caranguejo não deixa o outro subir e vai puxando o outro pra baixo. Mas o mais legal de BH é ver essa construção de uma cena que nem imagina ter uma voz tão forte dentro da arte, inclusive dentro do rap. O álbum tem perspectivas de momentos diferentes, específicos e eu acho que tô aí contribuindo para ampliar a percepção do que o rap pode ser. Alguns estilos de rap se convertem em venda de um estilo de vida né. Por exemplo, se o trap vende os kits, vende goró, o boombap já vende um outro olhar: um olhar para si mesmo ou pras outras coisas. É necessário a gente pousar o olhar sobre isso, sobre o que cada conteúdo sugere” explica.

Nesse olhar, por exemplo, enxergamos a discussão sobre saúde mental ganhando espaço no rap nacional. Thiago deixa explícito no álbum que o cotidiano nos exige uma certa hiperatividade que uma hora ou outra, se transforma num gatilho para sofrimentos mentais eclodirem. 

“Acho que sou hiperativo, mas posso ser vítima de um bombardeio da indústria farmacêutica que inventa sintomas de uma pessoa que pensa diferente só pra vender ritalina hahaha. Acredito que todo mundo hoje em dia tem algum sofrimento mental, alguma coisa não diagnosticada e não sabe lidar bem com isso. Eu vejo isso sendo abordado já há algum tempo no rap gringo. O Pharoahe Monch fez um disco falando só disso há 2 anos atrás, falando sobre como a questão de saúde mental não é discutida nas periferias. Eu acho que transformei num olhar bem focado nesse sentimento que rouba a brisa de todo mundo hoje em dia” desabafa. 

A faixa BTF, por exemplo, remete ao cotidiano do trabalhador que busca incessantemente uma melhoria fruto de seu esforço e não perde a fé. O verso “sentado na cadeira, olho pela janela do busão lotado, rindo das treta que rola, com o fiscal folgado…” já diz tudo. Matéria Prima explica que o som é um olhar sereno e realista sobre o cotidiano. 

“A rotina me massacra, mas pra algumas pessoas é bom. Felizmente eu consigo ter uma dinâmica de trabalho que não me faz cair na rotina, porque eu faço um tanto de coisa” afirma o MC. 

Matéria Prima também é ex-integrante do extinto coletivo Quinto Andar, um dos mais importantes expoentes do rap brasileiro na última década. Com o término do grupo, os MC’s Shawlin, Pai Lua, Xará, Gato Congelado, Lumbriga, Kamau e DJ Mako formaram o Subsolo e lançaram um disco em 2009, que rendeu diversas apresentações pelo Brasil, como o Festival Indie Hip Hop em São Paulo, no qual abriram o show de nomes como Talib Kweli e Jurassic 5. Junto do coletivo de DJ’s Black Brother, fez a abertura do show da Lauryn Hill em Belo Horizonte. Além desses momentos, ele também considera ter feito um disco solo, o 2 Atos, com Gui Amabis,os maiores momentos de sua carreira. 

“Foi o que de fato me trouxe a confirmação de uma musicalidade madura, e vindo do rap, tido como um gênero tão não-musical, isso serve pra mostrar pra quem desacredita da gente que existe muita música ali sim” afirma. 

Sobre a cena atual do rap, o MC foi certeiro: são tantos nomes! E como ele mesmo diz, ainda bem que são tantos nomes. Tá tudo rumando para uma construção forte de identidade para que a gente atravesse esse momento conturbado, que são os que fazem a gente criar com mais força.

“Eu até me esqueço de citar alguns nome, hahaha. A cena atual tá bem diversa, tem muitos artistas despontando, muita gente que tinha parado e ta voltando, gente que nunca parou e continua, que nem eu, hahaha. Pô, tem mina pra caralho rimando. Tem a Kainná Tawa daqui de BH que eu sempre falo que é um exemplo de como as mina estão tendo identidade dentro de um gênero que é tão machista sem precisar se masculinizar para se expressar (como muitas artistas faziam antigamente). Pra mim ela é um exemplo de elegância na performance, presença e conteúdo que eu admiro muito. A Ohana HoHo também é daqui e tem uma performance que deixa a gente confortável. A gente se sente bem quando vê, sabe? Pelo Brasil tem tantas outras né. A 1LUM3 que canta com o Baco Exu do Blues, lançou um disco espetacular que faz parte do hip hop com uma textura diferente. Enfim…” conta o MC.

O próprio Thiago afirma que existem inúmeras possibilidades de inspirações no cotidiano que o ajudam a construir seus sons. Particularmente, acredito que a própria capital mineira já é um poço de inspiração das mais diversas possíveis. Os olhos que passeiam entre a arquitetura, as cores e a vida local encontram sem dificuldade beleza, caos, cotidiano e desordem harmonizados num ritmo acelerado. 

“Eu gosto muito de fotografia. Pode ser que eu me inspire por uma cena, por um recorte que eu vejo, uma música, um filme… Enquanto MC, tem o Mano Will que eu grado pra caralho da Sound Food Gang, tanto como artista quanto como pessoa. Tem o Pharoahe Monch que é um cara que sempre me surpreende pela coragem ousadia que ele tem em usar as palavras e ser extremamente poético mesmo sabendo durante anos que esse bagulho não tem tanta atenção e reconhecimento.. o Quelle Chris é outro cara que tá nesse lugar de explorar todas as possibilidades de poesia e temas. Esses bagui sempre me pega hahahaha. Enfim, é uma porrada de gente, de situações que podem inspirar” explica.

Rascunhos de um momento conturbado (2019) deixa transparecer de forma simples as particularidades de uma mente ansiosa. Um verdadeiro cartão de visitas para quem ouve entrar no próprio inconsciente e entender a relação cidade versus sanidade. É comum ver comentários na internet sobre Thiago não ter o merecido reconhecimento. Entretanto, ele mesmo parece nem se incomodar muito com isso, na real. 

“Sei lá, a gente tem noções distorcidas de sucesso e reconhecimento. O que é sucesso? O que é reconhecimento? É ganhar dinheiro, viver disso? Eu acredito que seria muito divertido poder viver do que eu gosto de fazer, mas infelizmente não consigo. Então tenho que fazer com isso seja minimamente divertido de fazer, um exercício de criatividade, de teste” conta.

Cada vez que ouço o álbum, me lembro de pequenas coisas que eu me sinto grata. Em conversa, Thiago ainda me disse que a música foi a arma que escolheu para se posicionar diante de tudo isso que tá rolando atualmente (que com certeza, já estamos todos cansados de discutir!). 

“De alguma forma, tô jogando isso pro universo, entrando em algumas consciências e alterando o movimento de alguns corpos para se alinharem com a causa… é isso.” 

Pedi pra deixar uma mensagem pra quem tá lendo e ele foi bem prático: 

“Toma muita água, gente”.

Rascunhos de um momento conturbado é um convite a se sentir vivo. Ouve aí:

-Matéria Prima: cidade x sanidade em Rascunhos de um Momento Conturbado

Por Gabriela Santos

 

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