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Master of Reality: 50 anos de uma obra seminal!

Em 2021 Master of Reality, o álbum que consolidou a forma sabbathiana de se fazer música, completou 50 anos. Vamos celebrar! 

Por Dalton Sanches

A icônica capa de Master of Reality.

É irresistível não iniciar as linhas desta breve resenha sem que se evoque o velho clichê segundo o qual certos discos envelhecem bem. É esse o caso – talvez unânime no vasto e heterogêneo universo do metal – de Master of Reality, terceiro disco de estúdio do lendário Black Sabbath, que completou os seus 50 anos nesse 21 de julho último.

Embora trate especificamente de livros, podemos dizer, com o crítico italiano Italo Calvino, que um clássico é aquele cuja reapreciação – reaudição, no nosso caso – é sempre uma audição de descoberta como a primeira, pois uma obra assim aquilatada nunca termina de dizer aquilo que tinha para dizer.(1 referência ao final do texto)

Partes menos conspícuas de cada faixa, considerando o nosso objeto de análise, podem conter elementos constituintes que, adensando, temperando ou mesmo tensionando a estrutura geral da composição – por exemplo, mediante efeitos latentes em camadas e paredes sonoras, ou inserção de instrumentos menos convencionais –, nos despertarão, talvez, para a sua função indispensável ao conjunto da obra somente a partir de muitas outras leituras/audições ulteriores.

Numa perspectiva mais ampla, essas partes menos perceptíveis ou centrais poderão mesmo ser relidas, anos ou décadas depois, a partir de novas apropriações, dando ensejo ao desenvolvimento de múltiplos subgêneros. Foi esse, sem sombra de dúvida, o caso de Master of Reality, que, a partir dos arrastados e sombrios riffs de Tony Iommi, o qual teve a perspicácia de abaixar a afinação das cordas para um tom e meio abaixo do usual, concorrendo assim para carregar algumas toneladas a mais no petardo, dá as chaves dos castelos – ou dos mausoléus – onde habitariam mais tarde algumas das imponentes ramificações do metal.

Capa de Nativity in Black, tributo definitivo do Black Sabbath. Ainda saíram outros dois registros em tributo à banda com este mesmo nome.

Do chamado doom metal, de pioneiras como Cathedral e Candlemass, por exemplo, mas, também, daquelas que flertam com o gótico, como o grande expoente Type o Negative, até o bastante frequentado stoner, cujo um dos iniciadores foi o insuspeito Corrosion of Conformity, a partir daquele que é, na minha modesta opinião, um dos melhores e mais pesados discos dos anos 90, Deliverance, pode-se derivar o lastro assumidamente tributário da banda de Osbourne, Iommi, Butler e Ward. A propósito, não será por acaso que o Corrosion, com o cover demasiado fiel de “Lord of this world”, sexta faixa de Master of Reality, figurará em Nativity in Black, tributo norte-americano ao Sabbath, lançado em 1994.

Não menos importante nessas considerações é o denominado sludge metal, leitura, também, de inspiração “masterofrealitiana”, mas que, além de um andamento mais veloz em algumas composições, incorpora mais elementos noisy e saturações em suas guitarras de tons extremamente baixos, amplificadores valvulados – que às vezes aparentam ter os seus autofalantes rasgados –, bem como um tipo de vocal que pende para um gutural mais estridente, diferenciando- se do grindcore. Para essa ramificação podemos citar a pesada, impolida e lamacenta Eyehategod.

Ora, se os clássicos, para falarmos novamente com Calvino, são aqueles que “chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram”, (2 conferir referência ao final do texto) podemos dizer que os ecos de Master of Reality extrapolam os domínios do metal e se dão a ver, ainda, em searas das mais improváveis.

Por exemplo, quando ouvimos os quatro poderosos e zombeteiros acordes da faixa de abertura do disco, “Sweet leaf”, se insinuando irônica e provocativamente em intertexto nas frases finais do hit “Give it away”, do Red Hot Chili Peppers, cuja letra aborda o mesmo tema da que a inspirou, isto é, uma verdadeira ode à cannabis. De Los Angeles para Nova York, temos aquele mesmo riff compondo o maquinário dos samples e scratches de Rhymin & Stealin”, faixa que, sobre o sample da distinta bateria de John Bonham, abre o consagrado disco do grupo Beastie Boys, Licensed to Ill.

Ainda em Nova York, podemos ouvir o impacto do terceiro disco da banda de Birmingham ressoando nas quebradas do Brooklin, mais especificamente com a banda de crossover Biohazard. “After Forever”, cujo tema trata das cruentas guerras religiosas entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte, na década de 60, recebe, também em Nativity in Black, uma releitura que traz, logo na abertura, a combinação do maciço groove da banda com a atmosfera noturna e turbulenta daquela cidade da parte leste dos EUA.

Do extremo oeste, e já numa outra vertente que, embora flerte com o metal, não se pode classificá-la estritamente como tal, temos, da fria e chuvosa Seattle, o Soundgarden executando, no EP Satanoscillatemymetallicsonatas, de 1992, “Into the void”, faixa que encerra o disco que imprimiu, de uma vez por todas, a marca “Black Sabbath” no próprio criador e nas criaturas subsequentes, bem como nas criaturas das criaturas que vieram a surgir décadas depois, algumas delas aqui brevemente evocadas.

Uma das características inequívocas dessa marca é, entre outras, claro, o método de composição adotado pela banda, o qual consagrou e consolidou a forma sabbathiana de se fazer música: a combinação de tons e meios tons que balizam os cadenciados, dissonantes e pesados riffs os quais, não raro, configuram o denominado diabolus in musica, termo em latim que designa um modo de composição em trítono proibido pela Igreja na Idade Média, uma vez que a instituição a considerava maligna e desarmônica.

Diz-se do infeliz que porventura insistisse em tocá-lo poderia parar nas chamas das santas fogueiras da Inquisição. “Naquela época, a música tinha que ter um ideal de pureza. Como o trítono era muito dissonante, acabou sendo chamado de [diabo na música], pois iria contra a lei de Deus, que é a lei da harmonia”. (3 conferir referência ao final do texto) Tal técnica, diga-se de passagem, pode ser vislumbrada na apocalíptica “Children of the grave”, faixa de número quatro do álbum, mais ou menos em seu ponto mediano, extremamente adensado, sombrio e ralentado.

A despeito de o amadurecimento conceitual e desse traço específico da identidade do Black Sabbath serem plenamente alcançados, a meu ver, com o disco objeto desta resenha, deve-se lembrar, no entanto, e para concluirmos, que o pacto entre a “figure in black” materializada na tal maligna progressão harmônica – que já nos espreita desde a clássica capa – e a banda fora selado ainda no seu disco de estreia, com o sinistro riff da faixa homônima.

A assustadora introdução, com os sons de chuva e trovões a frustrar os horizontes de expectativas dos ouvintes que porventura esperariam mais uma banda a tematizar as coisas boas do mundo, ao gosto flower power, dá, também, os primeiros sinais com os sinos que dobravam para um mundo que nunca mais seria o mesmo após a estrondosa aparição dos quatro mal-encarados cavalheiros do bairro operário daquela cinzenta e industrial cidade inglesa.

Sobre o autor:

Dalton Sanches é historiador, professor e músico.

Notas:

1 CALVINO, 1993, p. 11.
2 CALVINO, 1993, p. 11.
3 LOUBEH apud VASCONCELOS, 2009.

Referências:

CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos. Trad. Nilson Moulin. – São Paulo:
Companhia das Letras, 1993.

VASCONCELOS, Yuri. “O que é o ‘som do diabo’?”. In: Superinteressante, 2009.
Disponível em: <https://mundoestranho.abril.com.br/materia/o-que-e-o-som-do-
diabo>. Acesso em: 26 jul. 2021.

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