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Marcola lança um buquê de rap com Lírios

Marcola lança um buquê de rap: Lírios (2019), seu primeiro disco solo solto no começo desse ano, nos mostra um artista maduro e experimental

O rapper soteropolitano Marcola aka Marcos Morcegão não é apenas esse rostinho bonito acima, e não é também apenas o talentoso mc que já possui uma bonita trajetória na cena local. Ele é um homem negro, consciente dos imensos problemas que ele enfrenta apenas por existir tal como é, e sobretudo, ciente do seu papel de artista. Consciência política e racial que o levou a tranformar essa gama de problemas em música, capaz de lhe posicionar com excelência tanto junto aos seus, como em prol da coletividade.

É possível dizer que em Lírios (2019) seu primeiro disco, existe ao longo das seis faixas que o compôe, uma coesão que ele traçou tão bem nas linhas – tão bem estruturadas – que só entendará os ascpectos raciais e politicos do álbum quem for capaz de ler o subtexto. Há todo um background que atravessa o disco de ponta a ponta, seja na lírica seja nas escolhas dos beats, e também no fato de que ele agora também arrisca cantando.

O disco tem um frescor pop que já é um outro atrativo e uma abertura para outros públicos que podem ouvir as músicas por esse aspecto. Em “Loteria Latina”, o rapper anuncia que cansou de profundidade, mas só se for aquela profundidade mais sisuda, mais cifrada nas referências, mas conservadora nos beats. Porque como dissemos acima, em Lírios (2019) o mais profundo é a pele!

Pós Turma do Bairro, onde junto aos companheiros de grupo Marcola lançou o maravilhoso Stanley na Cidade do Underground (2015), disco extremamente importante da safra recente do rap baiano, ele saiu em carreira solo. Seguiu-se o lançamento de uma mixtape solo que alcançou uma boa repercussão nacional Marcola & Trem Bala do Litoral – Ouro De Tudo (2016).

Mas sabemos que, se é dificil para um jovem negro arranjar um emprego, permanecer são, ou meramente vivo, como artista os obstáculos são ainda maiores, pois agrega-se a todos esses um fator fundamental: dinheiro. Dentro de um estado explicitamente racista e genocida como o nosso estado brasileiro, as dificuldades que a indústria cultural impoe a um jovem artista negro se amplificam de modo ensurdecedor. O que – pelos motivos aqui apresentados e pelos ainda por vir – não abalaram em nada os corres do Marcola.

Esse excelente artista da terra, nascido e criado em Itapuã, esse bairro mítico da cidade de Salvador e tão importante para a música brasileira, começou o ano com uma série de clipes preparando terreno para o lançamento de Lírios (2019). Dessa leva, ganharam as ruas os clipes de Golias (2019) e Semop (2019), dois singles que já anunciavam a maturidade que artista vem conquistando, em duas excelentes produções em audiovisual com produção pela AquaHertz.

Todo esse processo acima mencionado é fundamental para o entendimento dos resultados nesse disco recém lançado. As escolhas musicais aplicadas no disco todo produzido pela já parceira AquaHertz, com beats que fogem às léguas do convencional, do que se está acostumado a ouvir no cenário nacional. As letras que numa primeira camada poderiam ser entendidas pelas técnicas empregadas, alguns bragaddocios, punchlines, beats incomuns, precisam como avisado nas linhas acima de um pouco mais de esforço.

As repetidas audições que fizemos de Lírios (2019) nos deu a percepção de que quanto mais acentuou experimentações em termos de canto e de beats, o disco solo do Marcola vai escurecendo com muita qualidade a nossa percepção de tudo quanto canta. A solidão de uma corrida por uma arte que dentro da industria cultural é subvalorizada nos mais diversos cenários nacionais. A luta por sobrevivência e por dignidade é talvez a pauta mais urgente da cultura hip hop, num momento em que algumas figuras da cena alcançam o mainstream.

Estrelas, poucas estrelas a brilhar numa constelação imensa, de talentos que muitas vezes são deixadas para morrer a míngua. Pois, jovens negros precisam de um esforço digno de heróis afim de se manter entre o sonho de viver dos seus talentos, e fugir das centenas de armadilhas que o racismo estrutural lhes prepara. “Jovem Demais” é um exemplo muito bonito de como esses jovens – e esse jovem em especial – são levados a amadurecer o mais rápido possível para continuar vivos. Se lá era para viver um amor, em “Oceanos” a coisa fica mais escura ainda, escute e tire suas conclusões.

A correria é solitária mas possui aliados, e a “Turma do Bairro” é representada como esse bando de ovelhas negras, que estão juntos para jantar os lobos. Aliás, o grupo voltou e estão firmes. em breve já vão soltar um disco, hoje formado pelo Vagabundo Prodígio, Marcola e a Mari Buente, chegaram com o single Promessa é Dívida (2019).

A música que inicia o disco, nos parece é a melhor forma de terminar esse texto. Em “Lírios” podemos extrair o perfume que emana o disco e que para nós está muito bem representada nessa música que também nomeia o disco. O teclado marroto de reggae, a leveza da melodia, contrastam com o peso que a música nos transmite, pois enfrentar toda essa conjuntura histórica, dentro de um cenário desanimador, aliar o canto pelo e para o amor à necessidade de dinheiro é para poucos.

“Ovelhas Negras” de verdade fazem arte, cheia de verdade, com uma qualidade muito boa, e seguem na resistência, adentrem o jardim que de onde esses Lírios foram extraídos e aprendam, curtam e apoiem!

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