Marcola vem camnhando muito bem nos últimos tempos, e esse esforço o levou a dar um salto a frente do nosso tempo, basta ouvir YÀ’T (2019)!!
Salvador é uma das cenas mais originais do rap brasileiro e esse fato já faz um tempo, é uma certeza para quem se permite abrir mão dos costumes e dos gostos criados pela tradição que remete-nos todos a perceber apenas o que é feito no eixo Rio-São Paulo. Marcola (Turma do Bairro), é um dos artistas miúdos que tem ao longo de seu trabalho solo elevado o nível do rap baiano desde 2016. Sua caminhada solo é um dos espelhos da cena soteropolitana a refletir toda a grandiosidade do contexto no qual se insere e do seu próprio impulso artístico.
Lá atrás, o mc soltou a mixtape Ouro de Tudo (2016) e já apresentava um nível fantástico, porém nesse esmerar um estilo próprio a coisa ficava mais para as linhas do que pra sonoridade. Um artista, seja de que estilo ou campo da arte a que pertença, quando realmente merece esse nome, segue buscando desenvolver seus meios de expressão. Quando se trata de artistas independentes a correria é louca: atender, cozinhar e servir, é um processo extenuante e sobre tudo caro.
Enfrentando todas essas dificuldades a busca por aliados é fundamental, e talvez nesse contexto onde o rap é mera mercadoria nas prateleiras do mercado cultural, fechar uma firma é uma importante decisão. Um jogo perigoso, entre o alicerce da cultura hip hop e a industria cultural e suas artimanhas, é o que vivemos hoje. Entre as aparências de um lado e a essência do outro, se equilibrar nessa corda bamba parece ter sido o exercício a que Marcola se dedicou nos últimos anos.
Nos três anos que separam sua primeira mixtape do lançamento de Lírios (2019), um salto foi dado, uma importante aliança para essa decolagem ou descolamento estilístico é o fechamento com a AquaHertz Produções. É flagrante o frescor que as novas produções presentes em Lírios possuem. Assim como nos audiovisuais apresentados, é toda uma estética nova com uma unidade bastante coesa. E o ano de 2019 tem sido bonito de observar no tangente a força e qualidade de produção do mano Marcola.
Como se não fosse suficiente o jardim de poesia e batidas que foi o primeiro lançamento pesado do ano, ele agora chega com o fabuloso YÁ’T (2019). Num trabalho que se encaixa no que podemos chamar de conceitual, porém que não é apenas a venda de um conceito. Hoje é bastante comum, trabalhos se venderem como conceituais, algo onde é mais fácil encontrar a vacuidade de ideias do que a força dos afetos. E nesse sentido YÁ’T(2019) possui muito a ensinar, e talvez seja aí mesmo que ele dá o salto a que nos referimos.
Avanço que como chamamos atenção, é fruto de alianças, e do fechamento de uma firma, o mano MDN Beatz parceiro de longa data do artista, tá no fechamento de vários beats desse novo trabalho. Ao longo das oito faixas somos levados por uma narrativa nova, e por uma sonoridade ímpar, que caminha a anos luz dos clichês bastante comuns no cenário nacional hoje.
O clipe de “O Joio e o Trigo“, é a terceira faixa do disco, tem a participação do Mirow e é um belo exemplo do quanto o rapper tem bastante ciência do que está se propondo. “Arapuca” difícil de se esquivar, o muro branco que barra aspeles pretas, é pacientemente perfurado pela arte desse mano, com muita expertise. Um dos melhores traps do ano, sem sombra dúvidas. Muitas vezes, os detritos do muro branco sendo perfurado, são armas para detratores ou desavidos (mal informados de modo geral), mas o mano Marcola está muito atento, e a esquiva está afiada.
“Golias” é o símbolo do que quanto o mc está atento às armadilhas que o jogo profidencia e deixa de prontidão. Estar grande por dentro é inequivacamente mais importante do que a falsa grandeza que a indústria muitas vezes produz e que muitos compram pra si e para o outros. “NikeBoyz (Prod. NeoBeats)” traz dois outros atores bacanas, Pirez (fechamento antigo) e Chester (um novo valor do cenário baiano). A música trabalha numa chave que cai um pouco pro R&B, mas se mantém em pé no boom bap.
A força de narrativas novas que as linhas do Morcegão – como era antes conhecido – imprime é fácilmente reconhecida em faixas como “Apóstolos“, que traz outro excelente nome do rap nacional Isaac de Salú. Há um humor interessante, ao questionar a força dos artistas independetes, que realmente tem consciência da força de sua arte, ao mesmo tempo, que enfrentam os mesmos problemas que o resto dos meros mortais. Algo muito bem plasmado no audio visual de “Semop“, outra das pedradas presentes em YÁ’T (2019).
Assim como no ínicio em “On Amaterasu“, onde o mano marca com ferro e fogo, em uma sonoridade bem nova – cortesia AquaHertz – a última faixa “Maré de Março” encerra o disco com o mesmo instrumento em brasa. Uma ovelha negra que não se conforma, e que corre como um camelô inventivo da música, atrás do amor da garota de gêmeos. No fim das contas, a simplicidade é algo evidente na conceitualização presente no disco do Marcola.
A capa é uma parceria entre a belissíma fotografia do Rafael Rodrigues, e o Well Santiago que produziu a releitura em homenagem ao clássico Realce (2019) é exatamente isso, aquele sorriso lindo do Gil, retrabalhado 40 anos depois em uma criança preta e signo do trabalho de um outro jovem preto. É somente o que nós queremos, pretos a frente do tempo, conscientes de sua grandeza. Estar a frente do tempo aqui não tem qualquer sinal de um falso vanguardismo, é antes o ultrapassamento de um tempo onde o genocidio e a humilhação do nosso povo é politica de estado, há mais 500 anos.
“Não se incomode
O que a gente pode, pode
O que a gente não pode, explodirá
A força é bruta
E a fonte da força é neutra
E de repente a gente poderá”
-Marcola é um jovem a frente do tempo! E eu posso provar….
Por Danilo Cruz