Oganpazan
Destaque, Lançamentos, Lançamentos do Rap Nordeste, Música, Rap Nordeste, Resenha

Marcola Bituca entrega um Cavalo de Troia (2021) ao Rap Nacional

Marcola Bituca

O artista baiano Marcola Bituca lançou o EP Cavalo de Troia (2021) junto com o curta metragem: “Sob a Poeira a Água Emerge”!

“Me desculpe, eu não sou MC”

Não é difícil perceber que um artista alcançou um patamar de desenvolvimento estético singular, que o mesmo conseguiu desenvolver um estilo todo próprio. Alguns já iniciam dessa forma, outros demonstram uma qualidade que ao longo de sua caminhada vão refinando. Marcola Bituca se encontra numa fase de sua careira artística e musical onde não parece haver limites para que ele siga nos surpreendendo. Quanto mais ele caminha para o que o mesmo chamou de não-ser, mais a poesia e a música emanam dele com maior ímpeto.  

Quando nos aproximamos do Marcola, ele era ainda o Marcos Morcegão e com certeza a morte dessa persona é um marco existencial na trajetória do artista. Outra coisa emergiu, outro devir-arte veio a luz e de lá pra cá a ascensão de uma música pungente, bonita, assertiva e “groovante” nos foi dado de presente. Há que se mencionar que essa nova arte tem também no casamento do Marcola Bituca com a Aquahertz produções um ultrapassamento nas fronteiras usuais. Todos os trabalhos do Marcola Bituca nesse novo despertar foram de avanço referente ao anterior. 

A utilização das células rítmicas do pagodão não tem sido usada como fetiche, sendo repetidas à exaustão, antes se tornou uma ferramenta a mais no kit da Aquahertz. Àquilo que o eixo vê como exotismo, incapaz de compreender a riqueza, Marcola Bituca tem tratado com a propriedade dos grandes criadores. Estamos falando de um artista que em  espaço de tempo de dois anos, lançou excelentes trabalhos, são dois discos Yat (2019) e Os Últimos Filhos de Sião (2020) e agora com Cavalo de Troia (2021), três EP’s. 

Porém agora, este Cavalo de Troia (2021) é apresentado ao rap nacional como uma obra audiovisual, um curta metragem: “Sob a poeira a água emerge”; E não estamos falando aqui de uma mera ilustração em vídeo do que está presente no EP, como tudo que Marcola tem nos apresentado, o trabalho tem diversas camadas de signos passíveis de correlação e interpretação. Um trabalho delicado e sensível que contou com a produção e roteiro da Cafuá do Morcego. e com a fotografia do Matheus Leite.   

Neste novo trabalho, os beats são todos fruto do Mouseíon Beats e são um caso a parte na qualidade desse Cavalo de Troia. O beatmaker cria beats onde os climas sobrepoem a cadência, com paredes firmes de sintetizadores, plugins e timbres muito bem sacados, esse procedimento nos remete há uma espécie de “visualidade” musical presente nas faixas dado por esse espaço sonoro no qual o canto e as rimas de Marcola paseiam. A direção musical é de Yan Santana e a engenharia da master da Aquahertz. O trabalho traz uma música já conhecida do público, lançada no ano passado: “Quadro em Branco” .

“Nem toda escolha à pena vale, olhei pro céu e disse amém, quando tudo se cala eu escuto tão bem”

O trabalho apresenta um tom profético e apresenta em sua construção uma ideia diretiva assentada na nova era astrológica de Aquarius. De algum modo, dialogando com a necessidade de transformação nos modos de ser, em um período histórico de extrema violência, banalização da vida humana e recrudescimento da ignorância. “Guerra Santa”, faixa que abre o EP se utiliza de uma analogia fabulatória para nos falar dessa necessidade de se ausentar de espaços controlados. Da busca por silêncio e introspecção, de entender o que é de fato a realidade, para além dos simulacros ideológicos, tecnológicos e por que não econômicos. A presença de uma perspectiva metafísica velada nos últimos trabalhos do Marcola é um aspecto forte, porém nunca sectário e ou pregador. O que temos em geral é um chamamento para a reflexão poético,musical.

Na medida que avançamos na obra do Marcola Bituca, vemos que a negação do “sistema” vigente, sua completa indiferença aos mecanismos de auto promoção e visibilidade comuns na internet é sempre, a demonstração de que para ele é a música e saua mensagem o que importa. Sendo assim, é a produção de um rito diante da arte o que tem lhe interessado, e a consequente cristalização desse amor em forma de arte pode ser sentido com facilidade. “Asas de Ícarus” caminha nesse sentido em alusão ao mito grego, revelando o amor por voar com a arte,porém dada a referência, sem medo de cair ou da morte. 

Esses voos do artista baiano, é bom que se diga que estão completamente assentados numa visão muito clara dos problemas de origem social, política e mercadológica. “Fio de Prata” traz a participação do manauara Victor Xamã e problematiza exatamente essa contabilidade do sucesso forjada como sucesso e ou qualidade.Há uma urgência nos dois MCs provida no dois casos do compromisso que eles possuem com sua arte. Em tempos de egos explodindo ao vivo nas timelines e reality shows da vida, é muito bom ver dois artistas do hip-hop.              

O curta “Sob a poeira a água emerge” que acompanha o EP no youtube, se configura como a primeira experiência do Marcola Bituca na direção e no roteiro e a fotografia do Matheus Leite emprestou muita beleza ao projeto. Percorrendo as trÊs primeiras faixas do trabalho, o curta aborda o processo de morte e reencarnação, dentro das mitológicas  areias e aguas da Lagoa do Abaeté. 

Cheia de signos visuais muito bonitos, o clipe dialoga ao mesmo tempo com a concepção de reencarnação mas também com a ideia de ancestralidade. E também pode ser remetido a noção de incorporação do legado de uma cultura, de um modo de ser e fazer coisas sobre certo recorte racial, local. Ou ainda podemos pensar exatamente na ideia de transformação pessoal tal como apontameos acima na morte do Marcos Morcegão e no nascimento do Marcola Bituca. 

Tudo isso filmado com muita sensibilidade, sem os cortes por segundo tão comuns nos vídeos musicais hoje, há uma escolha por planos abertos e ou fechados passando numa velocidade mais lenta. Enquadramentos que possibilitam a reflexão e fruição mais demorada do que quer ser mostrado. Um trabalho onde o Belo tem lugar se faz visível e nos dá muito a pensar, algo não muito cultuado hoje no rap nacional. Esse é o Cavalo de Troia que Marcola Bituca entrega ao Rap Nacional.  

Nota: Enquanto fechávamos a construção dessa matéria fomos surpreendidos com a notícia da indicação de Marcola Bituca ao Prêmio Caymmi de Música. Ficamos felizes e desde já felicitamos o artista e toda sua produção por essa conquista. Parabéns!  

-Marcola Bituca entrega um Cavalo de Troia (2021) ao Rap Nacional 

Por Danilo Cruz 

Matérias Relacionadas

WestBordo – Mixtape Montanha Russa (2018) Roraima na cena com muita qualidade!

Danilo
7 anos ago

Spanish Town All Stars – Old Road We Come From Vol. 1 & 2 (2018) Grandioso

Danilo
6 anos ago

Dia de Preto do Cazasuja dura muito mais que 24 horas

Danilo
4 anos ago
Sair da versão mobile