No Dia Internacional do Rock, Marcelão entra pro seleto grupo de roqueiros tiozões negacionistas. Grupo integrado por Eric Clapton, Van Morrison, Morrissey, Johnny Rotten dentre outros roqueiros que jogam por terra a tese de que envelhecer é adquirir sabedoria.
No dia Mundial do rock, 13 de junho, tivemos mais uma prova de que devemos repensar a ideia há muito disseminada de que o rock representa a vanguarda em termos de pensamento e comportamento. Marcelo Nova, um dos fundadores da lendária banda punk baiana Camisa de Vênus, também famoso pela parceria com Raul Seixas, protagonizou um episódio do mais puro negacionismo olavista e raivoso das redes zapzapianas do bolsonarismo puro sangue.
O teor do discurso foi de tamanho alinhamento com o “pensamento” olavista-bolsonariano-terraplanista que levou a deputada Carla Zambeli, aquela mesmo, mais bolsonarista que o próprio Bolsonaro, a compartilhar o vídeo com a declaração de Marcelo Nova em sua conta no Instagram.
Claro, sendo bolsonarista e inimiga da “Globo Lixo”, aproveitou para ironizar o fato da TV Bahia, afiliada da Rede Globo, ter “cometido o erro” de não ter combinado com o convidado uma resposta que em tese agradaria aos figurões da emissora carioca. Vejam abaixo o post e a legenda escrita pela deputada bolsonarista:
Zambeli encerra a postagem dizendo que se trata de um “discurso ÉPICO”. Sem dúvida, o discurso de Marcelo Nova cumpre bem a função de reverberar as ideias propagadas pelos membros do governo federal e seus apoiadores desde o início da pandemia. Certamente o vídeo está viralizado nas redes bolsonaristas, cumprindo a função de dar lastro aos pseudo argumentos dos tiozões bolsonaristas de zap, que vão dizer que até mesmo um roqueiro, geralmente uma figura que, ao menos no imaginário popular, se coloca do lado de pautas libertárias, acolhe e fomenta ideias reacionárias e conservadoras. “Querem prova maior de que o Mito está certo ao combater o isolamento social como forma de conter o avanço da pandemia?” , dirão os rebanhos inflamados pelo discurso de Nova.
Em uma parte do vídeo Marcelo Nova diz o seguinte:
“Para um sujeito como eu, prestes a fazer 70 anos de idade, e com 40 anos de carreira, isso não serve para mim. Eu fiz minhas regras, eu faço meu caminho, eu não deixo nem que prefeitos, nem governadores, nem presidentes … ninguém manda em Marcelão! Rá, Rá, Rá!”
Antes de continuarmos vamos ouvir o discurso negacionista proferido por Marcelo Nova. Ao ser perguntado pelo apresentador do Jornal da Manhã da TV Bahia a respeito do que tem produzido durante este tempo de quarentena e isolamento social, Marcelão responde o seguinte:
Vamos analisar por partes essa fala do Marcelão. Ele começa lançando mão da carta do roqueiro rebelde. Evoca a persona do rebelde sem causa, que se coloca contra tudo e contra todos, “contra tudo isso que tá aí”, pra usar a versão dos tempos bolsonaristas. Essa postura casa bem com bandas de rock nas quais os membros saíram a pouco da puberdade. Isso é aceitável quando vem de adolescentes. Este tipo de pensamento e comportamento está de acordo com essa fase da vida.
Contudo, esse tipo de posição, remete a um tipo social que todos nós conhecemos. Trata-se do adolescente adulto, muito bem retratado pelo canal Embrulha Pra Vagem. Assistam o vídeo aqui. Eles criaram um personagem chamado Adolescente de 40 Anos. E boa parte dos roqueiros se metamorfoseiam na fase adulta, no Tiozão do Rock, que de certa maneira, jamais deixa a fase adolescente no que diz respeito à personalidade. Claro, existem exceções a essa regra.
Isso acontece, porque existe a ideia de que pra ser roqueiro é preciso preservar determinadas características, sem as quais você deixaria de sê-lo. Pois como a geração roqueira acima dos quarenta costuma dizer: “O rock não é pra qualquer um!” Pelo jeito o rock é só para aqueles que preservam o espírito teen!
Entre as características que fazem de alguém um roqueiro, esse ser que quer garantir seu status de exclusividade, pois “gostar de rock não é pra qualquer um”, a mais importante seria essa postura de desprezo pela sociedade e suas regras. Bem como o desprezo a tudo que de alguma forma represente a opressão. Claro, entenda-se opressão nesse caso, a partir do ponto de vista de um homem branco da terceira idade e de classe média. Ou seja, você precisa se comportar como uma criança mimada!
Assim o roqueiro vai cultivando a adolescência ao longo da sua vida adulta. Foi adolescente de 20 anos, depois adolescente de 30 anos, e assim sucessivamente. Da mesma forma, Marcelão, neta parte de sua fala pra TV Bahia, se coloca como um adolescente prestes a completar 70 anos. Taí a evidência que refuta de forma inconteste a tese de que ter muito tempo de vida é sinônimo de sabedoria e maturidade.
Nesse início também vem à tona o comportamento de criança mimada. Mostra-se a personalidade da criança superprotegida, criada pela vovó, sob a proteção dos muros dos condomínios, aquela criança que nunca ouviu um não na vida. A partir do momento que a vontade dela encontra uma barreira, passa a emanar uma torrente de reclamações, que formam a famosa pirraça. Tem coisa mais chata que uma criança pirracenta!!??
Ainda nessa parte tem a falsa defesa da liberdade individual. A pessoa diz não se submeter aos ditames do estado e das figuras que o representam, porque é livre pra fazer o que bem entender, vai fazer o que bem entender porque como ele mesmo diz no vídeo “Ninguém manda em Marcelão!”.
Segundo Kant, pra ficarmos com uma noção de liberdade, realmente “Ninguém Manda em Marcelão!” a não ser o próprio Marcelão. Contudo, Marcelão, por sua vez, só manda em si mesmo, assim como cada sujeito partícipe da esfera pública, também só manda em si mesmo. Isso significa, que nenhuma vontade ou liberdade particular pode se impor sobre a outra. Contudo, a escolha livre, obedece a determinações racionais, que visam a leis universais, portanto, leis que promovam o bem comum e não o bem particular. Nesse sentido, uma escolha livre é aquela que segue determinações racionais que visam atingir a universalidade.
Assim, uma vez que Marcelão quer desobedecer uma regra ou lei, simplesmente porque ele considera que isso contraria sua vontade, e isso é suficiente para ele se sentir reprimido, ele não age de acordo com determinações racionais, portanto não age livremente.
Ou vocês vão dizer pra mim que a razão determinaria que durante uma pandemia devemos deixar de seguir protocolos de combate a um vírus que vem contaminando, matando e deixando sequelas em pessoas ao redor do mundo e que ainda não foi controlado? E mais, protocolos esses elaborados tomando por base resultados de pesquisas científicas.
Qualquer pessoa que use da racionalidade, como recomenda Kant, irá optar por seguir os protocolos de combate ao covid 19. Na medida que vamos fazendo uso da razão, vamos chegando à conclusão que devemos optar por evitar aglomerações, usar máscara quando sairmos de casa, usar álcool em gel, porque quando não optamos pelo uso desses procedimentos, estamos nos colocando em perigo, ao mesmo tempo que colocamos em perigo as outras pessoas. Neste caso, estamos indo contra as determinações da razão.
E se continuarmos a usar a razão chegaremos a conclusões ainda mais fortes no que diz respeito ao dever de optar por seguir as regras sanitárias. Porque, uma vez que não a seguimos, estamos potencialmente contribuindo para o aumento das contaminações, que leva ao aumento do número de pessoas necessitadas por leitos hospitalares, o que vai levar à sobrecarga dos hospitais, à falta de leitos que afetará até mesmo as pessoas que não foram contaminadas pelo covid, mas que precisam de leitos, profissionais da saúde e equipamentos hospitalares para tratar outras doenças.
Assim como chegaremos à conclusão de que isso vai gerar um aumento do número de mortes e ao colapso do sistema funerário. E se continuarmos seguindo as orientações da razão, chegaremos à constatação de que o Genocida e seus apoiadores são contrários a seguir as normas sanitárias de combate ao covid, que pra mim é a evidência mais forte de que devemos seguir todos os protocolos determinados pelas autoridades sanitárias.
Nesse sentido, Marcelão, recusa-se a seguir as determinações da razão, quando na verdade acredita estar deixando de seguir as recomendações do governador de São Paulo João Dória. O que desperta nele a sensação de estar sendo extremamente subversivo e contestador. Pega a visão Marcelão!!
Acho que agora podemos passar para o argumento fatalista e determinista acerca da inevitabilidade da morte. Esse é outro argumento apresentado pelo gado bolsonarista e pela linha de frente do governo federal no Congresso Nacional, bem como governadores, prefeitos e vereadores alinhados com o excrementísssimo Brasil afora.
Segundo Marcelão, a morte é inevitável, caso não se morra pelo covid, estamos sempre sujeitos a morrer por outro motivo. Provavelmente bateu um dejavú aí né? Pois bem, esse dejavú se deve ao fato do Excrementíssimo Genocida da República ter se manifestado amplamente propagando esse tipo de tese. Além claro, das redes sociais e grupos bolsonzristas de estarem qualhados de vídeos de apoiadores do Mito proferirem essa mesma ideia.
O Bozo defendeu essa ‘”tese” repetidas vezes para criticar governadores e prefeitos que seguiam as determinações das entidade sanitaristas de combate a pandemia, em especial as determinações de distanciamento e confinamento social.
Segundo esse argumento determinista/ fatalista, não precisamos cuidar da nossa saúde, não precisamos tomar precauções ao sair à rua, não precisamos tomar qualquer medida que vise preservar nossa vida. Isso porque, todos vamos morrer um dia e se é assim devemos viver, de forma literal, como se cada dia fosse o último.
É o mesmo juízo que aquela nossa vovó, que aquele nosso vovô, titia ou titio emite, quando numa conversa sobre as mortes por covid soltam a seguinte assertiva “Quem tiver que pegar essa doença vai pegar, não tem o que fazer né meu filho?” assim como: “Quem morreu de covid é porque tinha que morrer mesmo, né não meu filho? Num tem jeito não!”
Pois é Marcelão, realmente podemos morrer de qualquer uma das causas apontadas por você, pois se há algo certo é que “Para morrer, basta estar vivo!”, mas acho, me corrija se eu estiver errado, que aumentamos a probabilidade de morrer de covid caso não busquemos meios de nos proteger do contágio da doença.
Assim como aumentamos a probabilidade de morrermos atropelados caso tentemos atravessar uma rodovia de alta velocidade sem nos preocuparmos em sermos atingidos por um dos carros que passam por ela. Da mesma forma que aumentaremos a chance de sermos assassinados caso tentemos dar uma de Chuck Norris e reajamos a uma tentativa de assalto. Então, acho prudente continuarmos tomando medidas para diminuir a possibilidade de morrermos de qualquer que seja a causa possível das nossas mortes.
O mais estranho é Marcelão, logo após dizer que estamos fadados à morte e que portanto, não faz diferença se morrermos de covid, assassinados, de câncer ou atropelados, dizer que deveríamos amar a vida. Bom, aí eu vou recorrer à racionalidade mais uma vez. Acho que demonstramos amar a vida quando buscamos meios de preservá-la para que possamos continuar vivendo. Bom, só acho mesmo.
Ele diz que respirar não é viver. Nisso Marcelão está corretíssimo! Deixa eu dar uma de Otto Alencar de ocasião. Isso porque respirar é um processo físico que leva o ar para os nossos pulmões (isso se chama inspiração) e depois o leva para fora dos pulmões (isso se chama expiração). Bom, certamente há detalhes, pois se trata de um processo mais complexo, mas basicamente a respiração consiste em levar e retirar o ar dos pulmões. Para mais detalhes recorram ao Google.
Embora a respiração não seja a vida, como nos lembrou Marcelão, consiste em uma atividade de extrema importância para que um organismo aeróbico se mantenha vivo. Por isso mesmo, o covid 19 é tão fatal. Uma vez que ele ataca os pulmões e dificulta a respiração, pode levar as pessoas a morrerem asfixiadas, ou seja, por falta de ar, ou seja por não conseguirem respirar. Prova fatual de que embora respirar não equivalha a viver, não é possível viver sem respirar e não é possível viver bem se vivemos com algum tipo de dificuldade respiratória. Dessa forma, a vida moral e cultural depende diretamente da vida orgânica.
Bom, acho que fica difícil ter prazer na vida caso não consigamos respirar bem. Mais uma vez, seguindo as recomendações da racionalidade, parece que a conclusão óbvia aqui é evitar correr riscos de contágio do covid 19, pois podemos morrer por não conseguirmos respirar, caso contraíamos a vertente mais forte do vírus. Ou podemos ainda nos curar e contrair alguma doença por conta da infecção do covid 19. Há muitas pessoas que ficaram com sequelas graves por conta da infecção.
Marcelão defende que viver é buscar aquilo que gostamos, é assumir os nossos compromissos e poder honrá-los. Certamente é difícil buscar o que gostamos e conseguir honrar nossos compromissos se não tivermos saúde para isso ou se tivermos uma saúde muito debilitada.
Porém, Marcelão falou sobre fazer o que gostamos e honrar os compromissos que assumimos para introduzir a próxima etapa da sua fala. O fato das medidas de restrição social interferirem na possibilidade dele fazer o que gosta, compor e fazer shows (é o que eu acho que Marcelão gosta de fazer, e acho que isso ele faz muito bem), assim como assumir e honrar compromissos, acredito que esteja se referindo ao trabalho.
Penso que neste ponto, talvez possamos levar em consideração a fala de Marcelão. E aí vemos que há a necessidade do estado oferecer condições para que as pessoas possam fazer o isolamento social, possam cumprir a quarentena, sem que deixem de pagar suas contas e satisfazer suas necessidades básicas de subsistência. Ou seja, que as pessoas possam viver, pois podem honrar seus compromissos.
O estado deveria criar programas sociais que visassem suprir essa demanda, tanto dos artistas quanto de outras categorias. Bom, vou dar a mão a palmatória e dizer que não fiz uma pesquisa mais aprofundada para saber quantos e quais são os projetos criados pelos governos federal, estaduais e municipais voltados para essa finalidade.
Lembro que a Lei Aldir Blanc foi criada com o propósito de atender essas demandas da classe artística e cultural, que foi diretamente afetada por conta da pandemia. Bom, nesse caso vou dar um voto de confiança ao Marcelão, mesmo que a contragosto.
Outra coisa que ainda dá pra levar em consideração na fala de Marcelão se refere à viagem que o Dória fez pra Miami no final de 2020, quando a pandemia ganhava mais força no Brasil. Bom, mas esperar o que de João Dória?
Isso pode ter indignado muita gente, e com razão, não pode ser diferente, mas vocês hão de convir que é de se esperar. Ou alguém acha que João Dória, o cara que sugeriu que se alimentasse as pessoas em situação de vulnerabilidade social com uma espécie de ração humana, que jogou água gelada em moradores de rua, está realmente preocupado com o bem estar das pessoas ao tratar com alguma seriedade a questão da pandemia no seu estado?
Bom, com seriedade até a página 2, uma vez que fez de tudo para flexibilizar o funcionamento do comércio, voltar às aulas da rede estadual, dentre outras tantas coisas. Mas não dá pra negar que tratou a pandemia com seriedade, ao menos dentro dos padrões brasileiros, principalmente no que diz respeito à vacinação. Mesmo que o tenha feito visando apenas a possibilidade de se eleger presidente em 2022 ou se reeleger govenador nesta mesma eleição.
Confesso a vocês que não me surpreendi nem um pouco com as declarações de Marcelão. Não por eu já ter provas anteriores de que ele pensa assim. Na verdade não tinha nenhuma. Não me lembro do Marcelão se envolvendo em nenhuma polêmica dessa natureza.
Lembro sim de uma entrevista dele dizendo da importância que foi ele ter tido um programa de rádio em Salvador, se não me engano, que jogava na programação bandas e músicas que a galera não tinha acesso. Lembro do Marcelão substituindo o João Gordo no Gordo On Ice da MTV. Cara, a condução do programa pelo Marcelão era tão foda que eu esperava que ele assumisse o programa definitivamente. Sem falar da atuação do Marcelão junto ao Camisa de Vênus e sua importância para o rock baiano e brasileiro.
Não me surpreendo com as declarações de Marcelão, pelo fato de já ter aprendido ao longo do tempo que a habilidade de uma pessoa em fazer bem alguma coisa ao ponto de a admirarmos, não faz com que ela seja boa em outras coisas. Do mesmo modo que não faz com que ela consiga refletir de forma racional em toda e qualquer situação, que tenha posicionamentos políticos claros e que reflitam seu modo de enxergar as relações sociais. Não faz com que ela não possa ser dessa ou daquela forma, pensar dessa ou daquela maneira.
Isso me faz pensar no modo como somos afetados pelas obras de arte, pelos artistas e como redirecionamos para eles nossas expectativas, nossa frustrações, nossos desejos, nossas esperanças, ao modo como na antiguidade os povos criavam seus mitos, deusas e deuses esperando que estes pudessem de alguma forma olhar para a humanidade e ajuda-la a melhorar.
A diferença é que estes povos criavam estes mitos e seres à imagem da própria humanidade. Ou seja, como ela própria, cheios de erros e fraquezas. Nós criamos nossos mitos, deuses (as) , heróis e heroínas, como se fossem perfeitos, talvez por serem contaminados pela ideia cristã de divindade. Precisamos desmistificar os mitos que nós próprios criamos.