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Máfia do Dendê (2020) Independente e sem extrativismo!

A compilação Máfia do Dendê (2020) reúne Dj’s e produtores da Bahia pensando e produzindo misturas entre os ritmos locais e globais

“ O declínio do império americano e as invasões bárbaras”

A música negra na Bahia é a sua expressão mais original e rica, porém apesar das centenas de manifestações. a visão que em geral se tem é homogênea e empobrecedora. Com o advento da Axé Music suprimiu-se a riqueza de sonoridades presentes mesmo dentro dos diferentes blocos afro, através de um processo de extrativismo pernicioso. Essa prática de apropriação cultural produziu uma imagem homogênea da música baiana. A força dos tambores, a herança do frevo modificado em terras baianas, as influências da música caribenha, tudo isso virou um caldo aguado ao passar pela máquina de moer da Axé Music. 

Pilotada pelos ricos e brancos da Bahia, a indústria do Axé viu o seu império cair expressando decadência, fruto de sua incapacidade de renovação. O extrativismo tem dessas, uma hora a fonte seca e nesse caso, é hora de procurar um novo nicho. O pagode baiano que nessas duas primeiras décadas passou por imensas transformações, não foi domado pela Axé music, apesar de alguns nomes atuarem no mainstream. O que se viu nos últimos anos, foi o avanço de um cenário underground que cada dia mais se torna um mercado independente, com circuito próprio, sem gourmetização, e desenvolvendo cada vez mais a sua linguagem. Ao mesmo tempo em que se coliga com outras expressões periféricas como o funk carioca, como o arrocha e o rap.    

Outra expressão periférica surgida no interior da Bahia, mas especificamente em Madre de Deus, e que não passou pela apropriação cultural foi o Arrocha. Inclusive, tendo se desenvolvido e na virada da primeira década do séc. XX incorporado elementos de percussão do pagodão e em geral se apresentando com banda. O gênero que começou com vocalistas e programações de teclados, se desenvolveu também no diálogo com outras sonoridades como o funk carioca por exemplo, tomou conta do estado inteiro e do nordeste brasileiro.     

O desenvolvimento das linguagens da música eletrônica global na Bahia tem sido um ponto de inflexão dos mais originais da música baiana neste início de milénio, aja vista o rico movimento do Bahia Bass. O rap e a música eletrônica, desde meados dos anos 90, o ragga e o dancehall com os sistemas de sons, o trap, o grime e outros gêneros permanecem no underground da música baiana do séc. 21. Porém, um diálogo produtivo começa a operar entre os mais diversos gêneros acima citados, e nesse ponto devemos citar o pioneirismo de MC Calibre que a mais de 10 anos promoveu uma conversa entre o rap e os tambores dos blocos afro e entre o trap e o pagodão. Também é importante ressaltar o pioneirismo do Som Peba, que também está na caminhada de produzir eletronicamente o pagodão há mais de dez anos!   

“Quando o azeite de dendê não recebe água, é Cosa Nostra”

Essa contextualização é fundamental para se entender minimamente a nova música preta da Bahia. Muitas vezes vendida por mercadores que tentam repetir as mesmas fórmulas da Axé Music (leia-se selecionar alguns poucos artistas e forjar uma cara palatável para o consumo da classe média branca), a nova música baiana é preta, periférica e independente. Passa pelo rock, pelo punk, pelo afrobeat e por todos os gêneros acima mencionados, não cabe numa selfie e é impossível de ser sintetizada. Sendo produzida em todo o estado, com expressões as mais diversas, ela não foi incorporada ao mercado lucrativo dos editais de cartas marcadas e segue indomada.       

Dito isso, a Máfia do Dendê (2020) é uma compilação de Dj’s e produtores baianos de diversas cidades, que visa valorizar a música regional produzindo uma ligação direta entre as pistas de dança e os paredões. Uma linha evolutiva e ressignificada do Bahia Bass, que puxa o bonde para uma maior comunicação criativa, independente e não extrativista de nossas expressões pretas e periféricas. São 13 faixas produzidas pelo mel do melhor do que possuímos hoje em termos globais e locais. Os artistas envolvidos conseguem formular uma alternativa “glocal”, onde a valorização das sonoridades locais não se rende ou não se esvaziam no diálogo com o global. 

Há uma superação dos preconceitos que parecem vir embutidos sempre que assumimos uma cultura estrangeira, através do processo de globalização. Iniciativa do trio Lucio K, DJ Werson e Lord Breu, reúne produções de vários outros produtores contemplando diversas das regiões do estado e dando-nos a conhecer produtores distantes para os não iniciados. produções aqui caminham pelo Pagodão, Trap, Arrocha, Afrohouse, Funk, Sambarregae e Axé, com um resultado novo que demonstra o frescor e as imensas possibilidades diante das quais estamos.    

A bolacha que está liberada para o freedownload no bandcamp e que só está disponível por lá e no soundcloud, afirma nessa escolha também um posicionamento político firme diante da exploração dos veículos de streaming. Os brabos presentes nas faixas são Lord Breu, Telefunksoul, Salamanka, Ubunto, Zamba, Lucio K e Som Peba (Salvador), Don Maths, Bruno Vicci, Lerry e Roça Sound (Feira de Santana), Marve BigHead (Candeias), Rodrigo Freire e Patrick Matos (Vitória da conquista), ZeH Du Bass (Jequié), DJ Werson (Juazeiro) e Noize Men (Paulo Afonso). Está imensa variedade de produtores, poderia insejar um disco como uma colcha de retalhos mal feita. Mas pelo contrário, nenhuma produção está abaixo, os sabores são os mais diversos e tão ricos como a culinária que fazemos com azeite de dendê. 

“As mil e umas possibilidade do azeite de Dendê da Máfia”

Com excelência sonora, os produtores também aplicam vocais em algumas faixas abordando diversas perspectivas de visão da nossa sociedade e dos problemas que nos circundam. O produtor Marve BigHead convoca Lip para mandar rimas festivas e sensuais numa produça pesada onde mescla arrocha, trap e pagodão! Os feirenses Lerry e Roça Sound mandam um arrochinha todo gostosinho no dendê, onde com o feat de Don Maths, há uma valorização de relações mais saudáveis e igualitárias entre as pessoas e seus relacionamentos amorosos, flertes e afins.

Lúcio K abre os trabalhos com a pesadona “Toda Massa”, junto com o DJ Werson, seguido na cola com a faixa “Bom Boka”, um pagodão nervoso do Noize Men. As misturas de arrocha e pagodão e outros beats como afrobeat e o pagodão são literalmente irresistíveis, e o Lord Breu esculhamba em “Afronte”, acrecentando umas congas estilo uipitipiti (Les Anglons), só lambadeiro veio conhece. Ubunto manda um “Careta Remix”, pesado com funk carioca, samba-reggae, guitarra baiana e muito groove, onde o careta passa como uma carreta!

Hoje, o paredão é a mídia fundamental para o pagodão e para as arrochadeira, nossa adaptação para os soundsystem’s jamaicanos, Zeh Du Bass promove ao seu modo essa comunicação com o seu “Paredão Style”. Diretamente de Vitória da Conquista, Rodrigo Freire & Patrick Matos promovem e resgatam a insurgência política, e a necessidade de mesmo no baile não esquecermos a macro e a micro política em “Canalhas”. A dupla mete o sample do ex-deputado federal e atualmente auto exilado Jean Willys, de falas contundentes e em especial o seu pronunciamento durante a votação para o golpe da ex-presidente Dilma Roussef! Brunno Vicci chega com a seduzente “Tá Carente”. 

O grande Lucio K volta com o DJ Werson na faixa “Vai Dançar” que conta com o Don Maths nos vocais tipo um toaster do arrocha, safado todo como outrora em sua parceria com o Lord Breu. Um outro prato pesado está em “Feijão com Fato”, produção da dupla Mauro TelefunkSoul e Salmanka que traz elementos de arrocha, afro-house e pitadas de pagode. O Som Peba, um dos pioneiros que falamos acima, nesse diálogo entre o eletrônico e o pagodão chegam com “Corpo Humano”. Um jovem produtor que tem feitos excelentes trabalhos e entrado em nosso radar, Zamba que faz parte da Bonke Music, encerra com um clima delicioso, no trap e no pagodão com timbragens bonitas e sensuais na deliciosa “Calafrio”. 

É um outro sabor o que a Máfia do Dendê nos entrega, longe dos sabores aguados e ou hypados que a branquitude quer empurrar em geral como aquilo que é novo e que deve ser entendido como importante da nova música baiana! Longe dos procedimentos hipsterizados, essa coletânea e o trabalho dos seus produtores apresenta-nos um caminho que precisa ser compreendido: colaboração coletiva, independência e valorização do que nos é mais próprio. Sem necessitar de caciques, de conchavos ou de aprovação de quem nada produz de significativo. 

Escutem!  

-Máfia do Dendê (2020) Independente e sem extrativismo!

Por Danilo Cruz 

https://soundcloud.com/mafiadodende/sets/mafia-do-dende

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