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Maconha é Diversão: Jazz, Contracultura, Reggae e Rap

Baseado em Fatos Raciais é um documentário que “esclarece” a proibição da maconha num passeio através do Jazz, da Contracultura, Reggae e Rap

O documentário Grass is Greener (2019) produção original da Netflix que entrou recentemente em sua programação é um excelente filme para todos aqueles interessados em música, contracultura e relações étnico raciais nas sociedades ocidentais no século XX.

Partindo surpreendentemente do universo riquíssimo do jazz, capitaneado por Fab Five Freddy, afilhado do grande baterista Max Roach, o filme começa por demonstrar a importância do uso da maconha entre os grandes gênios do estilo. Num relato pessoal do próprio Fab Five, o pai dele recebia os amigos em casa onde fumando maconha, os presentes discutiam questões filosóficas. E é de algum modo, a partir dessa lembrança assim como da recente onda de legalização da maconha nos EUA. que o documentário se desenrola.

Mostrando como figuras da estatura de um Louis Armstrong, de um grandioso Fats Waller e de um Duke Ellington faziam uso da planta e como esta estava no começo do século XX intrinsecamente ligada à cultura negra e latina nos EUA, do Harlem á Nova Orleans. O documentário dirigido pelo próprio Fab Five Freedy, vai traçando sua linha narrativa mostrando a importância da maconha para a construção da cultura negra americana assim como as medidas crueis e ignorantes, racistas pelas quais a proibição se efetuou.

Traduzido no Brasil com o excelente título de “Baseado em Fatos Raciais”, o filme vai nos mostrando a complexa trama política enredada por políticos americanos. Ao mentir e forjar falsas provas com a justificativa de proteger a população dos infundados maléficios que a planta traria, na verdade criou um dos maiores e mais bem sucedidos planos de controle de minorias (encarceramento em massa e genocidio). De reportagens em jornais e intervalos dos filmes no cinema que afirmavam que a maconha enlouquecia e levavam a assassinatos brutais, até o terror dos brancos americanos em ver suas jovens se relacionar com negros e latinos, o plano de proibição sempre se construiu através de mentiras.

Contando com uma direção segura, uma montagem que vai nos conduzindo a detalhes interessantes, primeiro da relação dos músicos e da comunidade negra com a ganja, mas depois com as tensas – mas nem sempre – relações interaciais, o filme é uma peça essencial para todos que se interessam por esses temas. Se por um lado o intuito principal da campanha de proibição da marijuana tinha como alvo a criminalizacao racial, por outro lado, parte da propaganda anti-maconha visava barrar as misturas étnicas que ocorriam nos bares de jazz.

O nome de Mezz Mezzrow, músico do jazz e fornecedor de maconha aos grandes nomes daquela música no Harlem, é importante ser mencionado pois é uma importante figura nessas relações interaciais que se davam na música e que criaram um modelo. 

É aqui que encontramos uma bifurcação histórica bem interessante com a relação entre brancos e negros em NY: o surgimento dos beatniks. O movimento beat tinha dentro de suas prerrogativas o reconhecimento do jazz e da cultura negra como elemento dentre suas enormes influências artísticas! A literatura e o movimento beat bebia bastante da literatura universal, dos russos e franceses mais notadamente, além de nomes da literatura americana como Walt Withman, passando pelo zen budismo. Mas não é exagero algum afirmar que era do jazz, o ritmo do qual absorviam a melodia essencial, recolheram dessa punjente primeira forma de arte especificamente americana a “tragada” que impulsionou sua arte.

Se é notadamente Jack Kerouac e sua prosódia bop quem melhor incorporou o jazz a sua literatura, não é também possível separar o jazz dos versos livros que eram cultuados pelos poetas beat e as formas de suas apresentações e leituras. No entanto, é Allen Ginsberg que fará a transição desse costume para a geração hippie. É o poeta de origem judaíca que no filme faz a ponte entre a cultura da ganja nos hábitos de consumo entre os jazzista e a jovem classe média branca americana que foi de onde surgiu o movimento hippie.

Junte-se a isso o surgimento de drogas lisérgicas, o consumo de maconha por grandes astros brancos do rock, então trilha sonora de toda uma geração. Enquanto isso, as autoridades competentes aumentavam o combate a maconha, que nessa altura mesmo com o amplo consumo por uma parte da classe média branca, criminalizava e encarcerava a população negra americana. O filme é amplamente cotejado por farta documentação que vai do relatório produzido pelo notório racista La Guardia até o combate explicitamente racista por parte de Nixon. O grande combatente moral da maconha que caiu depois do famoso caso Watergate rejeitou veementemente um estudo encomendado a três prestigiados cientistas que diante das evidências irrefutaveis de suas pesquisas concluiam que a maconha não deveria ser proibida.

É um soco no estômago notarmos como a politica de guerra às drogas foi minuciosamente construída com o único e absoluto intuito de encarcerar e matar negros e latinos, seja lá nos EUA. seja aqui e em outros países da América Latina. Afinal, essa mesma política de guerra às drogas foi exportada para o mundo inteiro, diante da hegemonia que o governo americano adquiriu depois da segunda guerra. Algo interessante de se chamar a atenção é o fato mencionado no filme, de que os jazzistas utilizavam a maconha como um elemento através do qual sua percepção do tempo era desacelerada e por isso permitia as brilhantes improvisações.

Se isso não é regra tácita, é porém um excelente indicio que pode-se e deve-se estar ligado ao fato do imenso consumo e da morte e sofrimento de grandes de nomes do jazz que recorriam a heroína. Se durante muitas décadas vinculou-se a mentira de que a maconha era a porta de entrada para drogas mais pesadas, esqueceu-se no entanto, de deixar “claro” que o combate a marijuana esse sim, possibilitava o acesso a drogas sintéticas mais pesadas.

Há uma bonita menção a força da reggae music e da cultura rastafari que emerge nos anos 70 de modo a mostrar como o uso espiritual da planta, trazia não apenas a popularização de grandes nomes da arte. Bunny Wailer, Peter Tosh e o clássico Legalize It, e obviamente do mestre Bob Marley, também a demonstravam a força politica que essas culturas interligadas demonstravam.

Se a maconha entre os jazzistas servia de elemento de sociabilidade e como vetor criativo, entre os rastas, e a música reggae ia além e jogava luz aos elementos mediciais que a planta porta, e que hoje já são amplamente conhecidos. Ao mesmo tempo, o reggae e o sucesso mundial de Bob Marley, trazia alto estima e força politica para uma Jamaica que naquele momento precisava começar a se reconstruir dos séculos de colonização britânica. 

A Nova Iorque de La Guardia, encontraria no governo de Ronald Reagan e do seu espantalho marital Nacy Reagan, um combate mais severo ainda, utilizando as mesmas falácias de 30 anos antes sobre a maconha. Num governo que durou 8 anos e acirrou o combate às drogas, uma Nova Iorque depauperada via surgir a força do hip hop, uma cultura, que transformou o caos comunitário em que negros e latinos se encontravam em uma forma de arte e pensamento. Formas essas que enfrentaram a criminalização da pobreza, a retirada do ensino de música das escolas públicas, a destruição de seus bairros em Nova Iorque na forma de arte mais escutada e consumida hoje no século XXI.

A figura de Brandon, comerciante de maconha na cidade de Nova Iorque foi imortalizada por nomes como Wu Tang Clan e Notorius BIG por exemplo, seguindo de algum modo o mesmo procedimento que o Mezz Mezzrow exercia entre os músicos de jazz dos anos 50. O hip hop e o rap recebendo a influência dos anos anteriores entendiam que a maconha era uma droga pra consumo recreativo e como vetor importante para a criação artística. 

Aqui são convocados nomes fundamentais dessa arte como Snoop Dog Dog, B-Real e Sean Dog (Cypress Hill) para deporem sobre como a maconha foi utilizada em suas vidas e através de sua arte, para politizar mais ainda uma questão fundamental de saúde pública.

O documentário é rico e farto em fatos importantes para a história e desenvolvimento da arte e cultura negra no século XX, mas o que nos chama atenção é a que custo isso se deu. Além da relação entre maconha e heroína que ressaltamnos acima e que sem dúvida alguma é uma correlação que se deu pela politica anti drogas, a coisa certamente transborda para a vida cotidiana das pessoas comuns.

Se ao tomarmos o caso de artistas e famosos nomes da música podemos perceber o estrago feito por tal politica, quando assentamos esses casos no cotidiano, podemos não apenas supor mas sobretudo constatar quantas vidas foram tiradas e ou destruídas por conta dessa politica anti-drogas tratada de modo criminal.

E nesse ponto também o documentário acerta a mão, mostrando como a recente política de legalização da maconha exclui uma população inteira que retém o know-how adquirido por anos de perseguição, encarceramento e morte. Ao mostrar como são os mesmos brancos quem hoje criam seus startups de produtos frutos da maconha.

É importante dizer que essa narrativa histórica e critica é fruto de uma direção negra, de pensadores e ativistas negros, com alguns brancos no caminho, mas não é possível pensar que esse escurecimento da questão fosse possível de outro modo. É um filme fascinante, um documentário necessário, para balizarmos corretamente o debate sobre  a legalização das drogas. É necessário começar a se pensar na reparação à população negra, pois isso é uma necessidade.

Mas sobretudo é importante assistir a esse filme antes de levantar qualquer palavra de ordem a favor da legalização. Para o playboy brasileiro/americano que curte sua ganja gourmet, é muito mais simples gritar Legaliza já, obviamente que uma legalização imediata colocaria algumas coisas nos trilhos, mas não é uma solução simples. É preciso incorporar as pessoas que estão hoje na ilegalidade, ou pelo menos, pensar como inserir essas pessoas também. Enfim, é um filme que nos leva a pensar em questões que estão bem além da simples legalização!

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