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Lukush (1050 Mobb) e uma arte/pensamento onde “Yurugu” não mexe!

Lukush

Lukush, MC sergipano integrante da 1050 Mobb, lançou o seu primeiro clipe solo com a faixa Yurugu, reflexão que se faz necessária!

Apesar de buscar acompanhar o cenário sergipano e de fazê-lo desde 2016, certamente esse clipe do Lukush não chegaria até mim, não fosse o trabalho do nosso colaborador Marcos Roberto, que escreveu uma resenha sobre o trabalho da 1050 Mobb. Tanto o trabalho da Mobb, quanto as produções solo de seus integrantes me surpreenderam e agradaram por fugirem do discurso neo-liberal de “vitória”, reprodução de clichês meritocráticos, de uma lírica paranóica preenchida por inimigos imaginários. 

Tanto o trabalho coletivo da 1050 Mobb quanto de seus integrantes, notadamente o “DDE (Diamantes das Esquinas)”, apresentam produções que não se envergonham de suas origens e condições, e também não projetam fantasias. Antes disso, lutam incorporando sua realidade na arte, conferindo-lhes com isso, autenticidade. Algo, diga-se de passagem, muito em falta no cenário nacional do Trap, já engolfado de produções genéricas, em sua reprodução industrial de cópias de cópias. 

-Leia no site o artigo 1050 Mobb, Os Diamantes do 079 cantam o cotidiano no EP “DDE”

A absorção de influências não refletidas, produz uma gigantesca leva de MC’s descartáveis reproduzindo formas de fazer que escapam dos problemas reais que os próprios vivenciam e produzem um arte medíocre. Meros fantoches de uma visão de mundo completamente alienada, produzindo músicas que serão esquecidas 2 minutos após o fim do play. Mas, todo gênero musical possui elementos que se destacam ao se diferenciarem comunicando vivências e ideias que foram devidamente cozinhadas por um intelecto crítico. 

Buscando saber um pouco mais sobre as origens de Lukush e da 1050 Mobb, troquei uma ideia com ele por telefone e é nessa hora que as intuições presentes na audição das músicas e dos clipes, se confirmam. Nada é por acaso, não se faz uma música e um audiovisual como “Yurugu”, por sorte. O cozinheiro/chefe de confeitaria Lukush, une em seu espírito criativo, a herança de uma sólida formação como ouvinte de clássicos do rap nacional como: “Para Além do Capital” da dupla Sarksmo e Choko e da dupla curitibana InTheFinityVoz (Dow Raiz e Threstow). 

Junta-se a essa influência musical sui generis, a vivência diária onde o “artista” se reconhece de fato como um trabalhador, como proletário que vende sua força de trabalho no mercado e o entendimento da importância do trabalho coletivo com a sua Mobb. Esses são alguns aspectos formativos, que em nossa conversa com o Lukush, começaram a nos explicar como um MC de Trap pode não falar groselha, ou assumir uma postura de estrela de “Atlanta no Bugio”. Apesar da internet dizer o contrário, o estudo e a reflexão, aliados a uma real vivência, ainda são elementos necessários para não se tornar uma mera caricatura.

Tendo começado na música através de sua participação nos cultos de igreja, local de formação musical importante na história do nosso país, assim como no berço da cultura Hip-Hop nos EUA, Lukush saiu de casa cedo, buscando sua independência. Antes mesmo da vida adulta, o MC já estava lutando pelo seu sustento, e se mantendo através do seu CLT. Nos parece que, este tipo de experiência também é importante em sua constituição como homem, que não cai no conto de fadas do sucesso, pois quem possui dois neurônios, sabe que o trabalho não enriquece ninguém, e em geral mais humilha e oprime do que dignifica. 

Enquanto homem preto, em sua caminhada Lukush também entendeu a importância da valorização de suas origens, e ao exaltar essa ancestralidade para além de uma mera palavra de ordem que está muito na moda, ele foi certeiro. Se você, caro leitor pesquisar no youtube a palavra Yurugu, vai perceber que não se faz arte com marketing de fórmulas prontas, mas com pensamento que deve emergir de um corpo consciente de seu lugar e papel no mundo. E é exatamente isso que o Lukush faz com o seu primeiro video-clipe solo, cozinhado por “longos” 4 anos. 

Marimba Ani

A palavra Yurugu de origem na mitologia do povo Dogon, é um conceito amplamente utilizado pelo pensamento Panafricanista, e tem origem na obra da filósofa Marimba Ani, em seu livro: “Yurugu: Uma Crítica Afrocentrada aos modos culturais e mentalidade europeia”. Um marco do pensamento panafricanista, a obra produz a demolição crítica da filosofia europeia e foi bastante frutífero para o desenvolvimento ao longo dos anos após o seu lançamento, de outras epistemes que tomem o berço civilizatório africano como ponto de partida de uma práxis revolucionária e libertadora. 

Com uma “receita” bastante bem condimentada e muito bem localizada, a música e o audiovisual de “Yurugu” se apresenta como um rompimento muito bem vindo, com os pressupostos incorporados por centenas de “trap lords” todos iguais. Pressupostos estes embranquecidos, e que  estão longe de possuírem real valor para a cultura hip-hop, enquanto manipulados pela indústria cultural supremacista branca, como bombas de dispersão cognitiva que possuem o objetivo de fragmentar e destruir as subjetividades negras e periféricas. 

Em um cenário onde todos buscam “virar” na música, sem o mínimo de visão crítica de como funciona a indústria cultural alimentada por suntuosas quantias de capital, proveniente de investidores brancos, Lukush e sua faixa “Yurugu” é um bálsamo. Importante mencionar também, o trabalho do produtor Teko Shawty, que também é MC e que tem capitaneado os beats nos trampos da 1050 Mobb. Sendo por isso mesmo, a construção rítmica dos trabalhos desenvolvidos dentro da musicalidade do Trap. 

A locação escolhida para a gravação do clipe da faixa “Yurugu” foi a cidade histórica de São Cristóvão, primeira capital de Sergipe e uma das cidades mais antigas do país. O projeto que teve o apoio da Lei Paulo Gustavo, contou com a direção do experiente Lucas Cachalote que imprimiu um olhar onde a modernidade sonora e lírica da música entrou em confluência com a geografia histórica e a natureza “ancestral” da cidade. Sem esquecer da importância da produção executiva e geral assinada por uma mulher preta na pessoa de Rita Avelar da empresa Tumbí Produz. 

Um começo de carreira solo, bastante auspicioso e por que não impactante, Lukush com toda a certeza seguirá produzindo sua arte, com o cuidado e o conhecimento de um verdadeiro Chef de Cozinha, que nos alimenta, nutre e impulsiona nessa guerrilha constante que é a vida negra em diáspora. E de preferência longe das influências nefastas dos Yurugus!

-Lukush (1050 Mobb) e uma arte/pensamento onde “Yurugu” não mexe!

Por Danilo Cruz 

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