O baiano Lukas Kintê lançou a sua DemoSexTape (2020), com três faixas refletindo a vida a dois e a pandemia viral, confira aqui algumas observações
Dentro desse conturbado ano, muitos casais foram confinados ou condenados a viver as 24 horas do dia dentro do mesmo espaço. Diante desse caos e dessa mudança diversas reflexões surgiram, desde os otimistas que previram uma espécie de aprendizado que tomaria conta da humanidade de agora em diante, até aqueles que acertadamente entenderam que essa é a primeira de diversas crises naturais globais, que nós vamos enfrentar nos próximos anos.
O rapper baiano Lukas Kintê, em meio a esse movimento focou nas relações pessoais e em específico nas relações amorosas/sexuais em seu novo trabalho: DemoSextape (2020). Composto por três faixas, o trabalho que conta com a produção visual do artista Patek (aka Robson Finho), entrega de cara a perspectiva das faixas: Afrodengo. As produções ficaram a cargo dos beatmakers Herick Soul & Márcio Mu e contribuem com balanço e “pegada” para as ozadias de Kintê. Ora, o foco nos aspectos mínimos que nos rodeia em nossos microcosmos, são tão fundamentais quanto todos os grandes problemas que nos trazem ao momento histórico que vivemos.
Dessa forma, Djavu, 40Tena e Lockdown, são três faixas que ao seu modo – com leveza, alegria, ironia, humor e swing – refletem aspectos importantes de nossas vidas neste momento. Não se trata apenas de encontrar um corpo para descarregar a tensão, o tesão e o desespero, mas antes, construir uma companhia saudável, talvez para observar o fim do mundo. Uma troca no mínimo mais saudável do que os esperneios e falsas militâncias nas redes sociais. Ao mesmo tempo, estamos diante de um lado mais descontraído, da perda progressiva da marra de gangsta do velho Lukas Kintê, que em seus últimos trabalhos vem abordando outras sonoridades e temáticas.
Em Djavu, as linhas de Lukas Kintê canta as repetições gostosas de momentos que são cultivados a dois, que podem construir relações duradouras e saudáveis. A aceitação das diferenças entre dois, primeiro movimento na intenção de se compreender o outro, a prática do elogio às nossas pretas, no sentido de reconhecê-las como as rainhas que são. Está tudo aqui, os mimos importantes, a consciência de ser amado e respeitado, longe das paranóias do machismo. Tudo isso numa produção do Herick Soul: leve, descontraída, naturalmente balançada como deve ser nossa postura enquanto homens… aulas!
As pesquisas mostram que houve um aumento no número de casos de violência doméstica durante a quarentena, o que é certamente um reflexo do misógino machista que atualmente segura a faixa presidencial. Não tenho absolutamente nada contra sexsong, desde que elas não reflitam uma noção do desejo como mera descarga, como expressão de vacuidade e ou violência. E obviamente, sabemos o quanto muitos homens utilizam esse discurso para disfarçar o seu ódio e o seu desprezo às mulheres, quando não uma visão infantil ou construída através de infinitas horas de pornografia.
Neste sentido, 40Tena é reflexo de saúde afinal, se você tá trancado com tempo com sua preta ou com o seu preto, em alguns momentos- ou em vários – o pega pega, o esconde esconde, vai rolar. Márcio MU mescla o beat com andamentos diferentes, do boombap ao trap nos oferecendo o equivalente musical da “variação de ritmos” que podemos ter em mãos diante das “atividades” e das posições que escolhermos. Por fim, mas não menos importante temos Lockdown fechando essa tríade de cuidado, saúde e amor.
Mas um beat do Márcio MU, e essa faixa final em chave trap é o espírito daquilo que nos tocou mais profundamente – se é que vocês me entendem – nessa Demosextape (2020) do mano Lukas Kintê. Falamos acima de microcosmo, e em Lockdown vemos o eu lírico refletindo sobre a angústia de estar preso em casa, refletindo sobre o futuro familiar, pensando em estabelecer uma rotina saudável, cuidando da casa e em dias com a divisão das tarefas domésticas. Pode parecer bobagem, pode parecer pouco, mas é um caminho capaz de quem sabe nos tornar homens melhores.
Se tivéssemos uma crítica a fazer sobre esse último trabalho de Lukas Kintê seria sobre o título que deveria incorporar a palavra amor junto a sexo, pois sabemos que uma existe sem o outro, e inclusive funcionam em separado. Porém, aqui neste trabalho Lukas Kintê dá um passo à frente e demonstra como uma coisa pode derivar de modo pleno da outra, diziam os mais subversivos: “o amor é uma doença sexualmente transmissível”, aí talvez encontremos uma nova saúde em meio a um pandemia e na era do antropoceno.
-Lukas Kintê e a sua Demosextape(2020), observações
Por Danilo Cruz