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Lucas Boombeat em uma estréia mostrando que Nem Tudo é Close (2020)

Lucas Boombeat em uma estréia mostrando que Nem Tudo é Close (2020), junto com Vibox, Bivolt Mc, Glória Groove,  e muito mais, pretenção!!

 

A hipocrisia que domina o mercado do rap, que alcança parte da mídia e do público do rap nacional é muitas vezes fruto da ignorância. Manifesta-se histericamente com certos lançamentos e joga alguns outros no ostracismo. Elencam-se trabalhos ao estrelato imediato e viram-se as costas para outros tantos. Quem nos lê sabe que combatemos veementemente as listas de melhores, as votações de fim de ano, pois não somos sazonais, não fazemos proselitismo e sobretudo passamos o ano todo ouvindo música, e na medida do possível produzindo fortuna crítica para diversos trabalhos. 

As estreias que estamos acompanhado esse ano, em discos, foram até agora os melhores lançamentos que conseguimos ouvir até aqui… Lucas Boombeat é uma dessas estréias que nos impressionaram, em um disco com excelente produção, letras contundentes, variações temáticas, beats pesados, flow diversificado e um bom canto. Quem acompanhou o tufão chamado Quebrada Queer sabe que todos ali se mostram excelentes mcs e o disco deles ajudou a nos mostrar essa qualidade. Nos parece que desde a escolha da capa até o conteúdo do disco Lucas Boombeat fez uma acertada escolha estética que coaduna muito bem o título do disco: Nem Tudo é Close (2020).

A capa em preto em branco em pose característica joga nossa atenção para o conteúdo lírico, para a “postura” e nos encaminha para a devida atenção do “eu” do artista. E esse eu é imediatamente coletivo, sua postura é a de combater e revelar. Revelando-nos um ser humano complexo, fugindo de estereótipos, transparecendo serenidade, carinho, luta, num disco louvável e que nos arremessa na direção de um entendimento mais transcendental de algumas questões. 

A produção do mano Vibox mais uma vez nos surpreende e o peso governa esse disco, mesmo em momentos mais calmos. Tá aqui um produtor que ficará conhecido pelas “camas de guerra” que constrói para mcs prontos para guerrear. Sçao beats desenvolvidos com um cuidado e com elementos muito bem pensados, algo percebido em diversos momentos do disco. Essa qualidade já tinha sido percebido por nós no último disco do Rap Plus Size, e agora se reafirma aqui de modo exemplar. Se os beats são uma aula, o magistral – ou seja – a metade seguinte do RAP apresentado em Nem Tudo é Close (2020) fica por conta do Lucas Boombeat. 

Mesclando ativismo, sentimentos e algumas pitadas de deboche, a lírica do disco é uma aula de humanidade, no conjunto uma espécie de poema épico sobre a existência, a diversidade e a combatividade da existência LGBTQI+. O poeta é a antena da raça, e o wifi de Lucas Boombeat recolhe toda a emergência da necessidade de narrativas que humanizem – na cabeça do socius – a existência das pessoas LGBT que dentro do rap nacional tem produzido trabalhos que no futuro serão vistos como o supra sumo do momento em que vivemos. Guerreiros e guerreiras que travam no seio do hip-hop uma luta de vida e morte, dentro de uma cena homofóbica que muitas vezes tem orgulho de reproduzir os aspectos mais abjetos do social dentro de uma cultura que luta – deveria lutar – pela existência digna de todos. 

Tecnicamente irrepreensível, Lucas respira poesia, luta e humanidade de um modo seu, nesse disco de estréia nos apresentando o seu estilo, algo que teremos o prazer de acompanhar o desenvolvimento ao longo dos próximos anos. O disco abre com pedrada e assim segue até o fim, independente do clima, do ritmo e do estilo das batidas. Abrindo a caixa de ferramenta o disco abre os trabalhos com “Boombeat” seu sobrenome artístico e onde assim como no Trap ele bagaça sem dó. Aqui a coisa já começa com uma flipada sinistra sobre sua persona, já nervoso, mostrando pra que veio, bragadoccios cuspidos com boa dicção e que já posiciona o ouvinte para as verdades em profusão que viram a seguir, 

Em “Guerreiras e Guerreiros”, real hip hop de luta e resgate, palavras esquecidas muitas vezes hoje são trazidas à baila por Lucas Boombeat com muita força ao abordar as vidas LGBTQI+ e sua persistência em resistir para existir. Fechando essa trinca inicial, “Ser Quem Eu Sou”, obrigado Lucas por reafirmar a força de re-ligação que a música possui. Essa é uma daquelas faixas que possuem a força transcendental a qual fizemos alusão lá em cima, a liberdade é um conceito que engloba todos os seres humanos, independente de raça, credo ou sexualidade/gênero. E aqui vemos, somos socados pelos beats e pela letra, somos forçados a perceber o quanto a busca por esse direito básico é fruto de muita luta pelas pessoas LGBTQI+. É uma trinca inicial muito pesada, pensem bem depois de ouvir e percebam a urgência dela!        

Adoro ouvir mulheres, viados, travas, sapatas, desculpem usar essas formas de nomear pessoas mas aqui é necessário… Ao ouvi-las me educo e vou além do que a forma pejorativa dessas palavras quer reduzir. Em “Nave Cor de Rosa”, Boombeat e Glória Groove botam geral da cena pra mamar, com uma tranquilidade que é assustadora, com uma qualidade que deve ser aterrorizante para os machohop da cena ao perceberem o nível disso aqui. A referência a Pantera Cor de Rosa presente no beat é para sacanear né Vibox? Trap com funk nervoso e só os flows fuderoso. “bichas fuck in the hell”  Lucas escalpela – como dissemos por aqui – e quando Glória Groove aparece, minha preta chorou e gritou, eu voltei correndo do banheiro, momento impactante em nossa família!

Mas não podia faltar o “Deboche” e junto com Murillo Zyess o artista manda geral de hipócritas se fuder. O mandar vem verso e prosa deitando no beat com refrão “good vibe” reggae. O responsável pela excelente mix/master do disco que ficou fino, Ecologik participa de “Prettygosa”, um bonito retrato de um feminino de luta, superação e liberdade. Em “Não é Love Song” é um aviso, uma advertência, sobre os autocuidados tomados pelo autor, antes de entrar numa paixão, e mesmo diante da constatação do bem que determinado encontro faz, a necessidade de autopreservação é maior. É uma lovesong, mas ainda assim, eleva o pensamento para além do sentimento. 

Na contramão e de algum modo reafirmando a necessidade de pensar em si primeiro, vem “Melhor Assim”, curtinha, mas complementa muito bem a faixa anterior. Aqui vemos que Lucas Boombeat também consegue cantar um R&B com bastante qualidade. O amor e suas variantes seguem sendo a tônica em “Relações” e aqui vem a participação da grande Bivolt. com aquela sua característica voz ela nos informa na primeira linha uma idéia que muito nos agrada: “Gosto muito da ideia de Amar!”. 

Fechando o disco, a faixa homônima ao disco, vai na direção de uma reflexão curiosa para o momento em que vivemos. Em meio a ignorância, crueldade e fascismo que o atual presidente isola, muitos de nós angustiados com o isolamento e as noticias que recebemos constantemente, pensemos numa questão que o disco e a música do Lucas Boombeat levanta. Lançado no dia 20 de março, certamente Lucas Boombeat não tinha bola de cristal para prever a Pandemia do Covid19 e suas consequências aqui em nosso país. A faixa “Nem Tudo é Close”, mostra bem como boas músicas são de aplicação extra cronológica, pois mesmo falando sobre um momento seu, mas também sobre estados que artistas que muitas vezes vivem também da aparência passam, consegue dialogar bem com o que estamos vivendo. 

Agora que estão em quarentena podemos ver a necessidade da maturidade espiritual que se faz urgente agora, o quanto as mentiras e as falsas posturas nos leva para um caos, que é também passível de ser aproveitado. E parte de uma revolução necessária em nossas vidas passa por esse exercício de alteridade que temos todos que atualizar. Nem Tudo é Close (2020) apresenta-nos muitas questões para repensar nossa relação com as pessoas LGBTQI+ e como precisamos reavaliar o fato de termos colocado tal governo no poder. Entender a humanidade dessas pessoas e defendê-la é mais imperativo a cada dia, e aqui sim, a cada marcação do relógio estamos perdendo tempo ao não entender isso. 

Escutem o Lucas Boombeat e seu excelente disco de estréia!

 

-Lucas Boombeat em uma estréia mostrando que Nem Tudo é Close (2020)

Por Danilo Cruz

 

 

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