Lua Negra é um rapper Queer, Afro Amazônida e Periférico que traz forte em seu trabalho toda a potência do Hip-Hop em seus aspectos mais combativos!
A delícia de pesquisar e consumir o rap feito nos rincões desvalorizados e invisibilizados da música em geral e do rap em específico no nosso país é descobrir novos artistas. Quem gosta de arte certamente carrega a prática e o prazer de descobrir novos sons, novas sonoridades, sotaques e perspectivas musicais. Lua Negra foi incluído há algum tempo atrás na playlist do Oganpazan Rap LGBTQIA+. De lá pra cá, o artista manauara vem lançando trabalhos cada vez mais elaborados.
A dificuldade de produção para artistas independentes é uma constante em diversos gêneros musicais, sendo queer, afro amazônida, periférico e fazendo rap é um pouco mais. Apesar da riqueza e diversidade do rap feito no norte do país, a ausência de visibilidade por parte do mercado e da mídia nacional é gritante. No entanto, em sua caminhada Lua Negra tenta reverter, transformando esse e outros obstáculos em arte, e consegue.
Ainda sem um disco lançado, Lua Negra vem soltando singles que se inserem na cultura Hip-Hop em seu viés crítico e combativo. Privilegiando até então mais o boombap e o trap como vertentes sonoras, e carregando suas linhas com o enfrentamento de questões urgentes para o enfrentamento de pautas como machismo, homofobia, racismo e misoginia. Encontrando no rap uma veia de expressão e no hip-hop a base necessária para se alimentar e seguir na militância pela sua e por outras vidas, Lua Negra soltou em dezembro do ano passado uma faixa que é uma excelente introdução a sua arte e a suas perspectivas políticas:
A faixa “Tem Bicha no Gueto” é um manifesto de auto afirmação ao mesmo tempo que serve como uma busca de aliados e agenciamentos. A luta pela quebra de preconceitos que atravessam de modo interseccional sexualidade, classe e raça, nos mostra o quanto a lírica de Lua Negra está atenta aos problemas que transpassam os corpos dissidentes nas nossas periferias e na sociedade de modo geral. A faixa traz rimas inteligentes e militantes e um beat do Wkilla (produtor de todas as faixas do Lua Negra) que nos convida a bater cabeça cantando o refrão junto.
Com o advento da pandemia o corre de arte no Brasi foi o mais atingido. O Mercado Cultural certamente foi o mais prejudicado e dentro de um governo negacionista fascista e que odeia a arte, a coisa ganhou traços surreais. No entanto, graças ao poder legislativo a lei Aldir Blanc possibilitou que alguns fossem contemplados, e Lua Negra foi um deles em seu estado através do edital Feliciano Lana de incentivo à cultura. Deste processo resultaram dois audiovisuaia das faixas “Put*” e “Mais Dinheiro”, com o trampo da produtora Colmeia Lab que ficou responsável pela arte e técnica do videoclipe, confira:
A diretora Graziela Praia – que dirige os dois clipes – fez um trabalho muito bacana no clipe de “Put*” ao apontar a câmera para corpos diversos com o roteiro da Colmeia Lab e Lua Negra. O alvo do trabalho é o machismo e a misoginia, algo muito forte e comum no cenário do rap nacional, pois é fruto de nossa sociedade patriarcal. Lua Negra como bom rapper, parte da etimologia da palavra puta para demolir a significação tradicional, mostrando que é a insegurança machista que atribui a liberdade feminina o adjetivo de modo pejorativo. Um trabalho muito interessante e que dialoga com o atual debate sobre as profissionais do sexo por exemplo que buscam resignificar positivamente o termo Puta. Por fim, é essencial mencionar que o Wkilla meteu um mix de funk e trap que contribui muito para a obra!
A crítica é ácida em tempos onde parece ser norma no rap nacional mainstream se ajoelhar diante do capital, confundindo dignidade como servidão, esquecendo-se o preço pago pelo coletivo da cultura diante da Indústria cultural e do capitalismo de modo geral. Certamente, Lua Negra não faz aqui nenhum tipo de apologia à precariedade, mas antes reflete – e muito bem – sobre os preços a se pagar por um se vender que muitas vezes coloca artistas como meros empregados. Meros reprodutores de uma mercadoria feita para consumo imediato ao invés de agentes ativos no mercado.
Para saber mais sobre a caminhada e as vivências de um rapper Queer em solo manauara trocamos uma ideia com Lua Negra, confira:
Oganpazan – Quando e como se deu seu primeiro contato com o rap?
Lua Negra – Desde sempre, sempre tive a cultura negra muito presente na minha vida, meu pai sempre curtiu rap hip Hop r&b então mesmo sem entender muito eu já escutava, mas minha paixão por esses gêneros veio nos anos 2000 com 50 Cent, Snoop Dog, Ja Rule, Jay Z, B.I.G, Pharrell e muitos artistas que embalaram os anos 2000 então desde daí eu já sonhava com aquilo como muitas pessoas né, inspiração ver aqueles negões ganhando dinheiro e etc
Oganpazan – Como e porque você começou a fazer rap?
Lua Negra – Eu comecei o rap com o sonho de ganhar dinheiro, e ao longo dos anos comecei a ver mais como expressão artística, expressão das vivências, ocupação de espaços, e a presença de gays em um gênero que sempre foi dominado por homens heteros cis, como sempre existiu pouca referência de lgbtqia+ no cenário do rap, eu quis ser essa referência e quero na verdade, pois ainda é muito pouca a presença de lgbtqia+ nesse cenário ..
Lua Negra – Sempre fui muito bem recebido, quando comecei, foi com rap em inglês, bem genérico sabe, com letras genéricas sobre festas, então tive uma boa aceitação porque os ritmos eram legais consegui fazer bem meu nome, que antes era Leyomi Blanco e eu fazia parte de um trio, ao longo dos anos quando comecei a me descobrir melhor como artista e como usar minhas composições, digamos que me consolidei na cena, então sempre estive muito presente em festivais, eventos, programas de tv, sempre fui muito bem aceito e bem acolhido na cena, porque aqui a gente sabe que só temos nós mesmos pra consumir nossa música, então a cena é evoluída o bastante pra entender que o preconceito não tem espaço e só diminui a cena.
Eu nunca sofri nenhum tipo de preconceito, pelo contrário, as pessoas sempre se surpreendem comigo, por conta de acharem que eu por ser assumidamente um rapper gay, acham que minha música é parecida com música do cenário lgbtqia+ com letras genéricas e de sair e rebolar a raba, ao verem meu show, a potência da minha voz e performance, as pessoas sempre ficam impressionadas e sou muito ovacionado e admirado na cena, por trazer força e suavidade em vocais, além da dramatização que trago nas performances.
Conheço geral do rap, já cantei com muitos em palcos da vida, faço colaborações e participações em projetos, o que me limita crescer mais é a falta de recursos, sou de origem humilde e não tenho dinheiro pra produzir sempre, então uma hora meu repertório fica repetitivo e as pessoas perdem o interesse em me contratar por conta de não conseguir produzir trabalhos novos, mas sempre fui muito bem aceito e acolhido, gostar ou não é um direito de todos, mas o respeito é fundamental e sempre fui respeitado.
Oganpazan – Quais são os planos para 2022? O que podemos esperar de lançamentos, projetos e trabalhos? Vem disco da Lua Negra por aí?
Lua Negra – Próximo mês eu vou lançar meu EP o TRAPKWEEN que traz referências bem trapstar sabe, flows de trap, melodias autotunadas, tive que engavetar meu álbum o “Verdade Nua” por conta da falta de recursos, porém o álbum tá prontinho. O EP vai sair mais barato então vai dar pra lançar, em breve um videoclipe da música Bicha Bad, que eu já havia feito, mas está sendo refeito por conta da pessoa com que fiz feat, ter largado a carreira musical.
O clipe de “Tem Bicha no Gueto” também tá no gatilho, e o que não falta é criatividade e composições o que falta mesmo é a grana, então estou procurando mais visibilidade pra ver se consigo recursos pra produzir, mas estou cheio de planos e como o ano apenas começou, pode ser que saia uns editais da hora pra meter trampos novos.
Curtiu Oganauta? Então é o seguinte, Lua Negra está no corre para terminar de gravar o EP, se você gostou e quer contribuir com qualquer valor, joga uma moeda aqui no pix dela: luablaq@gmail.com , se vocÊ não pode contribuir com grana, taca-lhe stream, compartilhe o material e mostre aos amigos!
-Lua Negra: Queer, Afro Amazônida, Periférico e com muito Hip-Hop nas veias!
Por Danilo Cruz