Lombramorfose, álbum de estréia da Augustine Azul, crava definitivamente a bandeira do stoner rock no Nordeste brasileiro.
A topografia californiana é irregular, permeada por uma fauna exótica, ao menos para nós leigos em biologia e geografia, acostumados a associar fauna a florestas e savanas. Os desertos californianos são habitados por animais preparados para viver em condições extremas, tendo que lidar com vegetação rasteira, por vezes áspera e agressiva. Essa descrição te faz lembrar algo semelhante em terras brasileiras? A primeira parte de Os Sertões do Euclides da Cunha poderia, aos olhos de um estadunidense, ser a descrição dos desertos da Califórnia.
Das areias escaldantes do oeste estadunidense surgiu um subgênero do rock de riffs arrastados, distorções vibrantes e expansivas, vocais à moda Ozzy Osbourne, temperada com psicodelia e viagens sonoras abstratas. Não a toa o stoner rock se adaptou ao clima e geografia do Nordeste brasileiro. As bandas nordestinas dessa vertente rocker nada devem às bandas do Sudeste, tampouco às gringas. Os potiguares da Far From Alasca ganha seu espaço nos palcos da América do Norte e da Europa, enquanto os pernambucanos do Quarto Astral e os paraibanos da Augustine Azul vão pavimentando seu caminho lançando excelentes materiais.
Em 2015 lá da ponta do Nordeste o Ep (2015) da Augustine Azul fez-se ouvir por todo país. Foram notados pelos inquietos pesquisadores, amantes e demais grupos sociais que curtem a diversidade do sotaque do rock brasileiro dessa década que ainda está em sua metade. Nesta terça feira, 09 de agosto, a banda lançou seu primeiro álbum, que leva o sugestivo título Lombramorfose.
Todo mundo já sentiu uma lombra da pesada, essa sensação deliciosa de estar entre o relaxamento e quase ter vontade de fazer algo. A palavra morfose é um pouco mais chata de saber o significado, ainda mais se você estiver lombrado, pois exige o esforço de abrir o dicionário para conhecer o que significa. Morfose quer dizer dar forma a algo, ou seja, lombramorfose é dar forma à lombra.
Por mais estranho que possa parecer o significado dessa nova palavra, foi isso que o power trio paraibano fez acontecer em seu álbum de estreia. Deram forma sonora à massa abstrata que flutuava em suas mentes. Contudo, vale ressaltar, essa abstração de forma alguma se concretiza por completo, ela está em constante mudança, assumindo diferentes formas de acordo com as necessidades presentes em cada música.
Embora tenhamos usado o termo stoner rock para definir o som da Augustine Azul, e realmente ele ajuda a defini-lo, precisamos ressaltar o uso de estruturas rítmicas e sonoras próprias do rock nordestino para compor a estética sonora da banda. O power trio usou bem a matéria prima existente na sonoridade de seus conterrâneos para dar forma a algo novo, de modo a percebermos suavemente sua presença, como o sabor daquele ingrediente difícil de identificar no tempero de um prato, mas que deixa marcada sua presença. Essa capacidade da banda em resignificar sua sonoridade, fazendo um stoner rock de textura agressiva como as plantas da caatinga, rompendo, assim, com a matriz original californiana, dá ao álbum, e consequentemente à própria Augustine Azul, a originalidade que lhe é particular.
O forte teor psicodélico presente nas músicas vem nos relembrar de como esse elemento esteve presente no rock nordestino no final dos anos 60 e durante os 70. A definição psicodelia nordestina foi usada para definir o nicho roqueiro desta região do Brasil cujos representantes vão de Lula Cortes, Zé Ramalho, Alceu Valença até Marconi Notaro, Ave Sangria, Flaviola e O Bando do Sol. Temos uma nova onda psicodélica sendo surfada pelo Nordeste e Augustine Azul a manobra com qualidade, resultando em uma sonoridade vigorosa, alucinante e explosiva.
Amônia abre o álbum. Interessante a combinação feita entre graves e agudos nesta faixa. Quando apertamos o play entra uma linha de baixo solitária composta por notas de altura média que, veremos, será o suporte para a sequencia de notas, também médias, da guitarra que em seu movimento de idas e vindas nos intervalos, termina nos colocando num início moderado de tensão. A bateria nesta parte inicial dá sua tônica nos contratempos, tornando a movimentação da musica compassada. O desfecho vem no som sujo da guitarra que dá uma dimensão abstrata à música. Até seu final, Amônia,vai seguindo por formas distintas, assumindo diferentes composições, sempre lançando o ouvinte em diferentes regiões. O chão sob nossos pés nunca é o mesmo ao longo dessa faixa.
Gil e Ben já haviam cantado sobre os benefícios da Jurubeba, aliás, segundo a dupla, uma planta nobre do sertão. Nada mais representativo para o desert rock nordestino que essa planta. A faixa Jurubeba tem menos variações que sua antecessora, porém tem graves mais acentuados, fazendo-nos sentir as vibrações sonoras bater nos peito com furor. Riffs diretos, com temperos distorcivos mais cometidos, resultando numa sonoridade enxuta, conduzida por andamento bem cadenciado. Há rompantes de aceleração, quando são introduzidos riffs incisivos e rápidos.
Como não poderia deixar de ser Cogumelo vem carregada de efeitos bem usados pelo guitarrista (acrescentar o nome do cara) criando uma atmosfera alucinógena, dissolvendo as formas sonoras, transformando-as em uma massa abstrata, que aos poucos vai ganhando novas formas, porém, em constante variação. Essa sensação é também provocada em quem ouve a música, temos nossa percepção acompanhando essa transição pela qual a música passa. Sua intensificação ocorre quando, ao final, a inserção do que parece ser um sintetizador, reverbera de modo contundente seu riff, fazendo-nos sentir ainda mais latente a viagem psicodélica via cogumelo.
Em Mamatica os caras vem numa pegada blueseira, construindo uma linha de fuga para novas estâncias. Fogem um pouco da tônica stoner para explorar as possibilidades inspirativas do feeling blues metamorfoseado-se em situações de hardrock híbrido. Pixo retoma por completo a pegada stoner servindo-se de um grande número de recursos melódicos e rítmicos levando a uma catarse quase convulsiva quando os solos de guitarra tomam a cena. Intera encerra a viagem lombrosa a qual fomos levados pela Augustine Azul. Muito grave pra impactar, purgar de sua alma por meio de som e suor a impurezas perceptivas e sensórias que a porra do cotidiano lhe impõem diretamente. É a música que tem os riffs mais sujos, os efeitos mais distorcidos e impuros do álbum. Lombromorfose termina num caos sonoro que embaralha seus sentidos, te jogando pra fora de si, num desejo alucinado de não mais voltar.
Lombramorfose vem para engrossar o caldo do rock nordestino, que já faz algum tempo, está sendo derramado por todo país e seus respingos se fazem sentir na gringa. A Augustine Azul pavimenta alguns quilômetros mais em sua estrada, que certamente, irá levá-los, com todos nós na carona, a destinos grandiosos.
Ouça Lombramorfose clicando aqui.
Siga Augutine Azul nas redes sociais: Soundcloud, Bandcamp, Facebook e Youtoube
Ficha Técnica:
Captação / Recording: Estúdio Peixe Boi
Mixagem / Mixing: Augustine Azul & Estúdio Peixe Boi
Masterização / Mastering: Estúdio Peixe Boi & Augustine Azul
Projeto Gráfico / Artwork: Crowl Estúdio Criativo – Inácio Eugênio
Produção / Musical Production: Augustine Azul & Estúdio Peixe Boi