O som das águas ecoa nas rimas de Lívia Puri, correntezas selvagens, que arrastam para longe as impurezas geradas pela ganância predatória.
Desde seu primeiro suspiro o hip hop se apresenta como instrumento de conscientização política e social. Isso porque surgido entre os oprimidos, permitiu a estes perceberem que sua voz era calada e seus direitos cerceados. A cultura gestada na periferia foi estigmatizada, usada para estereotipar seus moradores e assim facilitar o discurso que legitima a violência a eles direcionada. O processo de dominação imposto pela elite dominante pode se desenvolver, porém, não sem encontrar resistência.
O domínio e a exploração impostos aos habitats mais remotos da selva de pedra, ocorrem também entre os limites da natureza, vista apenas como fonte de matéria prima, fomento para manter nutrido o corpo econômico, produzindo as cifras que engordam os exploradores ávidos pelo lucro.
Essa exploração precisa ser legitimada, entra em ação a fomentação de discursos legitimadores baseados na valoração negativa dos povos que habitam a floresta, a redução de sua sabedoria e cultura a meras crendices desprovidas de qualquer valor potencializador.
Todo extermínio de um povo começa pela destruição de sua cultura, assim os europeus iniciaram a colonização dos povos ameríndios. Reprimiram sua espiritualidade, obrigando-os a adotar aquela trazida do Velho Mundo. Toda uma multiplicidade espiritual, social, cultural e artísticas reduzidas a mero artigo de consumo turístico.
A diversidade de povos aqui existentes foi sintetizada na persona estereotipada do índio ingênuo, pacífico e submisso. Salvo das garras da ignorância e danação eterna graças à racionalidade e ao cristianismo trazidos pelos seus conquistadores. Os mesmos que ainda hoje ao se olharem no espelho veem o reflexo de libertadores, não de conquistadores.
Em O Som das Águas, a rapper fluminense Lívia Puri, faz do rap seu instrumento de luta, usado para desconstruir o envólucro estereotipador que des-potencializou toda cultura/sabedoria dos povos originários do que veio a se tornar o Novo Mundo. Os elementos naturais, a flora e a fauna, sua sacralidade, ganham contornos vivos, realçando seu valor cultural/espiritual.
Lívia Puri busca na cultura Tupi Guarani, principalmente em sua mitologia, os elementos necessários ao re encantamento da natureza promovido pelos seus versos. Através desse prisma podemos acessar uma realidade fulgurante, onde a dinâmica da vida natural mostra entrelaçamentos harmoniosos entre o ser humano e o mundo que o cerca. Essa abordagem permite a vinculação identitária com nossas raízes Tupi Guarani, levando ao reconhecimento dessa base étnica em nossa formação sociocultural.
Para dar o devido amparo aos versos e rimas de Lívia Puri, um beat swingueiro, criado pela galera da BeatBass HighTech, fortificado por batidas ancestrais, marcação intensa e o movimento orientador da melodia dramática saída do carinho do arco nas cordas do cello. Notem a variação existentes ao longo do beat, ao que parece, intencionando pontuar sentimentos em partes especificas da música.
A linha melódica do cello, fio condutor do single, mantem o clima de tensão, suspenso quando o som do instrumento fica em off durante os dois momentos em que o refrão é tocado. Ao final de cada uma das vezes que o refrão é tocado entra um interlúdio que rompe a tensão e gera um clima ameno, beirando a suavidade.
Montada a “armadilha”, ouvinte envolvido por essa nova atmosfera, eis que irrompe novamente a erupção. Despertado de seu êxtase momentâneo, o ouvinte se vê novamente enredado pela tensão do beat e urgência da ideia dada pelos próximos versos de Lívia.
Ao fim da execução de O Som das Águas, inevitavelmente, surgem as dúvida sobre os próximos passos de Lívia Puri na construção de seu trabalho. Serão lançados novos single? Ou quem sabe venha logo seu primeiro álbum! Certamente, seja lá o que vier terá a parceria da BeatBass HighTech, garantia de sonoridade pulsante e beats intensos para dar sustentação às rimas de Lívia.
Nesse ínterim façamos votos de que os próximos anos possuam a voz pulsante, de versos afiados e certeiros, protagonizando a cena hip hop nacional, fazendo ressoar temas ligados à nossa ancestralidade Tupi Guarani. Preparados ou não, Lívia Puri já está por aí, entre as águas turvas do rap nacional!
Ficha Técnica:
Data de Lançamento: março de 2018
Beat, Mix e Master: BeatBass HighTech
Identidade Visual: Luiz Felipe Moriggi
Animação: Diogo Carvalho [Calmob]
Divulgação: Circulô Comunicação