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Lillian Lessa em Utopia (2018) Excelente disco de estreia da artista alagoana!

Lillian Lessa em Utopia (2018) Excelente disco de estreia da artista alagoana, que busca construir musicalmente esse lugar novo e possível!!

 

Integrante de duas das bandas fundamentais do rock autoral e de franca influência nos sons setentistas aqui no Brasil Ano 2000, a baixista, compositora e cantora Lillian Lessa, lançou seu primeiro disco solo, o excelente Utopia (2018). Com excelentes trabalhos junto aos seus parceiros na Messias Elétrico e na grande Necro, ela já tinha soltado um EP, Expresso (2015), que nós resenhamos naquela altura.

Em seu trabalho solo e de veia claramente autoral a artista alagoana abre mão de muitos recursos expressivos, composicionais, instrumentais e vocais para nos entregar um disco consistente esteticamente e de influências claramente rockeiras, mas não só. Contando com 12 faixas e elaborado em parceria com o Pedro Salvador, parceiro da Lillian nas duas bandas em que tocam juntos, O disco é mais um lançamento da Abraxas Records nas plataformas de streaming

Para quem vem acompanhando o trabalho do Necro, do Messias Elétrico e da dupla Pedro Salvador e Lillian Lessa, sabe que é essa turminha dispõe de muito controle técnico e inventivo e que eles vem se aprimorando a cada trabalho lançado, propondo uma música que ao mesmo tempo em que bebe fortemente na tradução, re-significa e muito essas estéticas. O disco Utopia (2018) da Lillian Lessa é certamente um passo a frente na carreira solo da artista, que vem muito forte em letras e sonoridades após o seu EP de estreia. Abordando diversos temas e sonoridades em seu disco, com a tranquilidade e uma consciência musical invejável. 

Se você notar nos créditos do disco, o mesmo foi gravado todo em dupla, ficando a Lillian Lessa responsável pela voz, guitarra, violão, baixo e o Pedro Salvador respondendo por sua parte pela guitarra, baixo, bateria, , violão, teclas. As composições ficam em sua maior parte por conta da autora, enquanto Pedro Salvador colabora com as composições “Discórdia” e “As Palavras” e na última faixa uma composição do Mário Cezar Oliveira, “Devir”.

Em Utopia (2018) assim como havia feito antes em menor escala em Expresso (2015), Lillian produz um discaço de rock, mesmo quando parte para outros ritmos e outras perspectivas musicais. Rótulos musicais aprisionam, é bem verdade, mas servem de referenciais para pensarmos onde determinada obra se situa e como ela comunica. E a artista alagoana consegue comunicar sua arte numa deliciosa mistura de samba, bossa nova, blues rock e rock psicodélico. Tudo isso, adequando sua voz e suas composições de modo envolvente ao longo de todo o disco com um forte elo em comum nas variações que propõem e sempre se situando numa veia contra-cultural.

O título dado ao disco (U-topos, UTOPIA) guarda em sua não determinação de lugar, a substância presente nos tempos, ritmos e nas palavras cantadas pela artista ao longo do disco, nos fazendo pensar no quanto a utopia e sua renovação é hoje necessária. Plenamente ancorada nos tempos em que vive, Lillian Lessa revive ao seu modo alguns aspectos das reivindicações da contra cultura dos anos 60 e 70 que hoje e ao modo como ela apresenta, fazem muito sentido e são fundamentais. 

Faixas como “Utopia” e “Contraste” possuem uma linhagem, um “pedigree” do qual descendem e que aqui são atualizados com a sensibilidade poética e politica da compositora. Na primeira ela canta por uma paz ativa, pela busca do esclarecimento dos pressupostos sobre os quais nós pensamos a realidade que nos circunda. Num rock arrastado de cores setentistas que a dupla consegue mesclar entre os riffs pesados da introdução e o andamento mais leve e chapado.

Já na segunda, numa chave bem “bossanovista”, nossa memória não nos deixa esquecer de “Acabou Chorare” que de algum modo vem ao pensamento ao ouvir “Contraste”. Exibindo toda sua bossa psicodélica nova (propondo uma leitura bem humorada e porque não viajada) ela acompanhada do seu violãozinho nos pede atenção ao contraste entre a paisagem natural e as modificações que o homem e o capital promovem. O espaço da janela como porta de saída ao mundo e que muitas vezes é o impedidor de percebermos a natureza e suas belezas cotidianas.

Na curtinha “A Fresta” vemos a beleza e a qualidade dessa sonzeira vinda de Alagoas, com o Pedro detonando nas teclas e na bateria, numa música que nos lembra as psicodelias de outrora muito bem atualizadas, onde raios de som são efêmeras e imortais aos espíritos ávidos. Já em “Discórdia”, nossa música predileta do disco, Lillian Lessa canta sua malandragem conquistada nas ruas onde passou e ao mesmo tempo desvela a nossa história politica. Mas não só, ela faz questão de tocar no ponto nevrálgico que nos interessa a todos: “O Capital é uma farsa, Revolução da massa”. 

Em “As Palavras” e em “Meio”,  a primeira do Pedro Salvador e a segunda da Lillian, recebemos mais aulas dessa dupla incandescente do nosso rock nacional. Na primeira de swingado riff e andamento sabbathiano, aquela “mesclinha safada” de blues e rock, temos o Pedro em sua letra refletindo sobre as nossas emissões cotidianas, sobre a conceituação e sobre o simbolismo, no entanto o que a letra parece guardar é a sempre nova possibilidade de construção de sentido diante da experiência. E ao mesmo tempo, a força que muitos reconhecem nas palavras, mas poucos realmente a cultivam. E afundando numa canção de tons prog classuda, “Meio” reflete um pouco sobre separações e possibilidades de retorno. Música de tons agridoces que nos leva a pensar sobre os momentos de instabilidade, “meio cheio ou meio vazio”, sempre o desejo a tentar se reorganizar diante da vida. 

O fato é que é uma a delicia ouvir Lillian Lessa e sua voz delicada e doce emitindo verdades nem tão delicadas e doces assim. E o outro fato, este inexorável, é que já faz um tempo que possuímos na cena do rock uma artista de imensas possibilidades, com trabalhos muito bons coletivamente e solo. De algum modo, Utopia (2018) seu primeiro disco solo só vem confirmar o que já percebíamos nos discos do Necro, no Messias Elétrico e no seu primeiro EP. Uma excelente instrumentista, cantora e compositora, uma artista verdadeira e inventiva. E que nesse disco de estreia dá um passo a mais para o desenvolvimento do seu estilo próprio, uma busca que todo artista que preza pela sua arte e que deve ter forças para seguir. O estilo Lillian Lessa vem se contornando, quem tiver ouvidos que ouça e rápido, pois essa mulher não para.

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