Lançamento de selo: na rabeira do Tapete Voador Records, batemos um papo para entender melhor os múltiplos projetos dessa galera!
Enquanto escrevo, muitos setores da música – seja ela mainstream ou underground – estão congelados. Com a pandemia do Coronavírus, o dinâmico e volátil setor de produção cultural virou um limbo e o pior de tudo: isso aconteceu num país que ignora sua própria cultura.
Sem plano ou projeto de governo pra reestruturar esse setor – a gente não tem nem ministro da saúde – a galera (principalmente do corre independente), ficou à mercê de tudo e todos. E enquanto a desinformação e o volume de mortos só aumenta, já chegamos em junho e entre músicos, produtores, DJ’s – toda a cadeia – segue sem ao menos conseguir um prazo ou um auxílio emergencial.
É um cenário extremamente preocupante, por que uma vez que a economia seja retomada, ninguém tem um plano para a produção. O mercado não vai voltar num piscar de olhos, as aglomerações ainda vão demorar à acontecer e, mesmo assim, ninguém parece se importar.
Nesse cenário incerto, no entanto, é interessante observar como (apesar da instabilidade) o plano de fundo criativo do groove segue dando vasão a ideias e projetos bastante interessantes, mesmo que ilhado nesse 2020 café com leite. Entre discos novos e propostas mirabolantes, uma das grandes novidades do cenário é o Tapete Voador Records.
Selo independente oriundo dos verdes vales de Nova Londres, em Londrina (lá tem que pedir nota Paraná), a proposta dos meliantes é bastante interessante. Com um approach multifacetado, a ideia do Tapete é aglutinar referências e ser o intermediário frente a um hall de conteúdos que vão desde podcasts, até o próprio cast de bandas do selo e projetos sonoros experimentais.
A ideia é conectar essa rede de artistas e seres criativos, promovendo a cena de Londrina claro, mas também encurtando a distância entre outros celeiros independentes do país. Hoje – dia 08 de junho – é o dia de lançamento da plataforma (com exclusividade aqui no Oganpazan, para conferir, basta clicar aqui) e pra decifrar esse oásis criativo, conversamos com a Jornalista Isabela Cunha – responsável pela gestão de projetos – pra entender um pouco mais sobre o rolê todo, antes do tapete decolar.
1) Quando que vocês fundaram o Tapete e como que a iniciativa começou a tomar corpo?
O Tapete nasceu em 2018 como uma iniciativa do Thiago e do Lucas Klepa (guitarrista e baixista da Red Mess), respectivamente. É só abrir o canal do Tapete no Youtube que você acha vários vídeos, desde Stolen Birds até o Groovologia. Eles tinham como foco a criação de live sessions, com bandas do cenário independente, como a Família Estranha e Cadillac Dinossauros, por exemplo.
Tudo isso reflete a preocupação do Tapete nesse período de 2018 até o meio de 2019. Eles gravaram esse material, mas o Tapete já era um estúdio também e foi assim que muito do trabalho do Aminoácido foi concebido.
Ele começa lá em 2018 – eu não estava lá ainda – mas no início ele atua como esse centro de produção de música, pensando no estúdio, live sessions e 2 festivais do Tapete Voador que aconteceram no período. Ali já existia uma cena bem forte, os meninos já eram bastante ativos nesse momento, mas nessa época o Aminoácido começa a atingir um novo nível de profissionalismo, gravando disco, compondo e foi nesse momento que eu me aproximei desse núcleo.
Aí nós começamos a colaborar com o Aminoácido de maneira constante. Eu já conhecia o Red Mess de outros festivais, mas foi com o Aminoácido que o projeto começou de fato a tomar corpo. Não sei dizer se naquele momento eu já era Tapete ou se isso foi uma coisa que a gente foi aproximando com o tempo.
Nós começamos a produzir o Aminoácido, com foco nessa questão de editais e outras burocracias e em setembro de 2019 – logo depois que eu sai do SESC – apareceu a oportunidade de assumir o LM estúdios com todos os meninos.
Nosso objetivo era mais do que fazer apenas gravação e ensaio. Nós assumimos o espaço e nesse momento sim eu tomo frente desse lugar no Tapete Voador e nessa nova fase já temos mais pessoas colaborando.
Quando a gente entra no estúdio, existe uma virada nesse momento, não só em função de estarmos todos juntos, mas também entra a questão das possibilidades que nós tínhamos na época. Lá a gente conseguia fazer tudo, então rola desde uma masterização do Labum (projeto do Cristiano Ramos e do Thiago Franzim), o Red Mess volta depois de uma parada, acontece a gravação do disco do Aminoácido (o terceiro que está pra sair), e nesse cenário o estúdio favorece a nossa produção. Ele dá melhores condições pra realização dos trabalhos.
A banda Chá de Girassol coincide com esse momento também. Antes da gente entrar o Thiago Franzim (Red Mess/Aminoácido/Guro) estava gravando em casa (no Tio Joel), o disco do Chá de Girassol. O Thiago fez a mix e a master e aí surgiu essa questão do lançamento e chegou a nossa vez de reunir as nossas habilidades individuais.
O Douglas Labigalini (baterista) assume a distribuição – pra botar os sons nas plataformas – eu fico com essa gerência da imprensa e o Cristiano Ramos assume essa parte da identidade visual, construindo o site do Tapete e aí a gente vai se organizando pra lançar esse primeiro trabalho.
Com isso, percebemos a importância de lançar as nossas coisas, com a nossa cara nessas produções e a ideia do site começa a aparecer. Desde o começo a gente sabia que a ideia do site não era só pra hospedar as bandas. Era pra isso também, pra trabalhar com os projetos – com autonomia – mas eu lembro do primeiro esboço que fizemos, com lugar pra mixtape, críticas, enfim, então quando a gente torna o site público ele já é fruto de várias coisas.
Desde as sessions até a nossa entrada no estúdio, a gente vê a chance de criar produtos com uma qualidade técnica muito boa e esse momento é muito determinante pra gente fazer as coisas e entender os interesses/capacidades pra conseguir colaborar. Tudo isso acaba refletindo esse caráter que vai além de ser um selo e que funciona como um centro de criação e uma rede de fato, aglutinando uma galera com esse objetivo de conseguir lançar os trabalhos de maneira contundente.
2) Dona Isabela, como vê a importância da criação desses selos pra fomentar o corre das bandas, cenas e toda a cadeia criativa, pensando na divulgação dos projetos e em todo mundo que está envolvido?
Acho que depois que a gente vive essa ruptura na indústria da música – pensando em formato – observamos como a questão de gênero influencia bastante também. Ela sai do Rock e da estética independente, vai para o lado do Axé/Sertanejo e nesse cenário foi importante pra compreender não só a função, mas por quê essa ponte que o selo viabiliza é importante. Essa questão é bastante plural, prolífica de fato e nesse cenário os selos promovem uma auto organização com o objetivo de ser sustentável.
Ele reflete também na seriedade dos trabalhos que são feitos. Os registros do Aminoácido e da Sala de Estar, por exemplo, são sérios e precisam de apoio. Se depender de Som Livre a gente não consegue corresponder às demandas do mercado e dar conta das nossas coisas.
3) A plataforma de vocês é um site que vai concentrar os conteúdos como um hub interdisciplinar. Queria que você detalhasse os projetos e comentasse um pouco sobre quem forma a equipe do Tapete e o que o site vai reunir em termos de material.
O Tapete tem essa função chave de divulgar os trabalhos. Pra detalhar os projetos, a gente tem o Labum. Lá atrás, por 2017/2018, o Cris e o Thiago se aproximaram pelo Red Mess e Loladeli (2 grupos que eles fazem parte). Essa ideia foi iniciada com foco experimental e é um dos nossos projetos, explorando essa linha de sinth e guitarras com essa onda Avant-Garde.
O Creestia é um projeto audiovisual do Cristiano Ramos (Loladeli/Aminoácido). Ele tem lançado músicas próprias nessa pegada experimental que ele domina, fazendo vídeos com uma abordagem visual muito forte. Então você vai ouvir as músicas sempre vendo alguma coisa.
A gente tem também o Cambalacho, que é o podcast do Thiago Franzim. É um anti podcast né, que a gente chama. É um produto sonoro curto, baseado em colagens caóticas que englobam desde trechos de conversa até materiais de tour, reunião, gravação de show, gravação de festivais (como o Resistência Pirata), entrevistas com pessoas – como o Maikon Nery que fez a capa do disco físico do Aminoácido (selo multicromal de Goya) que reuniu os 2 primeiros CD’s do grupo (“Meticuloso” – 2017 e “Sem Açúcar” – 2018), além de poemas de minha autoria. A gente tem as bandas, Sala de Estar, Octopode, Chá de Girassol e Aminoácido.
Tem o Macrocefalia Musical também. A gente chama tudo isso de Rádio Tapete, tudo que não é banda. Hoje esse universo orbita podcasts, trabalhos experimentais e mixtapes. O nosso maior colaborador nesse front é o Guilherme Espir, meliante de São Paulo que está sempre por dentro da cena independente do Brasil. E esses espaços estão ai pra galera contribuir e o nosso objetivo é curar esse material, fazer críticas de discos e filmes também.
4) Sobre o cast das bandas, achei que a diversidade é um fator que merece destaque. A cena de Londrina conta com sons bastante peculiares e a efervescência criativa é notória. Queria que você falasse um pouco sobre o corre local.
Londrina está sempre produzindo muito. Nós temos uma cena ali dos anos 70 bastante reconhecida. Nos anos 90 e 2000 a gente consegue um novo up e segue nesse processo de retomar uma cena de vasta produção novamente. Muita variada em termos de estética, o selo surge pra abastecer e ajudar a dar visibilidade à essas criações.
Vale a pena citar o Abacate Contemporâneo, como um das bandas expressivas na cidade, junto com o Red Mess e o Aminoácido. O Abacate tem uma veia teatral muito grande. O FILO, que é um festival internacional de teatro que acontece aqui em Londrina – que já fez 50 anos – funciona como núcleo dessa efervescência na cena do teatro e da dança.
A UEL (Universidade Estadual de Londrina) e o CECA (Centro de Educação, Comunicação e Artes) favorece uma cena de produção cultural forte, com músicos, artistas plásticos e visuais muito bem formados. No Abacate isso se reflete não só na formação dos músicos, mas nesse atual momento também. Vale lembrar que eles foram aprovados nesse edital de emergência do Itau, então vai dar pra acompanhar a banda lá também, sempre com grande expressividade.
A cena de Jazz daqui é bem interessante. Por um lado surge esse Jazz cigano (Gypesy Jazz), versus o lado Jazzístico contemporâneo, mesclando o Fusion com o experimentalismo. A gente pode destacar o trabalho da Octopode, MUT657 – projeto de pesquisa da UEL – reunindo vários grupos com objetivo de conduzir estudos com base na improvisação.
Acho importante falar do Mateus Gonsales também. Ele conduz um projeto muito legal com o Marcelo Casagrande (Duo Clavis) com uma formação bem peculiar, em duo, com piano e vibrafone/marimba. Tem esse lado da música brasileira muito forte também – com bandas como a Caburé Canela – além de uma cena de Choro. O Clube do Choro leva aulas para as escolas e tem também alguns editais próprios que financiam essa produção toda.
A UEL é muito importante nesse contexto também, por que oferece essa programação de A à Z, falando de música celta, Folk, música italiana, orquestra, Rock ‘N’ Roll, programa com foco em iniciativas locais, enfim, são muitas coisas.
5) Pra fechar, gostaria de agradecer pela atenção e queria que você dividisse com a galera qual é a maior dificuldade de difundir os conteúdos e fazer com que isso não fique ilhado regionalmente, pensando nesse contexto independente e até mesmo nesse momento de instabilidade, onde os artistas seguem produzindo, mas estão incertos com o impacto da música e da arte nesses tempos de cólera.
A gente sai de Londrina por iniciativa dos grupos, desde a galera do som, até a cena de teatro e literatura. O Tapete aparece com a intenção de levar esse trabalho pra fora e pra isso a gente aposta em contatos que eu fiz na época do festival Demo Sul, além de outros que os meninos fizeram no decorrer da carreira.
Essa saída da cidade se dá muito pelos contatos reais. Tem a ver com sair daqui e criar uma rede pra ser alimentada com tranquilidade. Isso é fundamental, não só reativar os contatos, mas fazer o trabalho circular de fato. Esse contato entre toda essa cadeia produtiva – músicos, produtores, compositores, jornalistas e casas de show – é justamente isso que permite a circulação do trampo, mas a gente precisa de força enquanto setor, como grupos organizados.
É importante reconstruir essa rede e valorizar esse potencial que a gente possui. Essa fase vai passar em algum momento e precisamos criar o que vai vir depois. Se a gente não consegue fazer algo já, é necessário começar a construir um presente para que exista um futuro.
-Lançamento de selo: na rabeira do Tapete Voador Records
Por Guilherme Espir