Marcola Bituca montou uma jangada com 3 canções em crítica firme ao materialismo e ao controle virtual, novo EP La Travessia tá nas ruas!
Em diversas dimensões de nossas vidas a tecnologia se infiltrou de modo doentio causando uma dependência e aprimorando um controle nunca antes visto na história da humanidade. O que a poucos anos atrás era comemorado como a era da informação se tornou um imenso pesadelo, onde algoritmos direcionam um hiper individualismo duplamente curvado, física e subjetivamente. As redes sociais que também foi cantada como o fim da mediação entre artistas e público se torna cada vez mais um espaço de restrição e boicote, quando não de um tribunal impiedoso.
Politicamente, o que presenciamos nos últimos anos foi a emergência das fakesnews mais absurdas e um crescimento de desmiolados delirantes de níveis também pouco imaginados. A possibilidade de estudo e conhecimento da ciência deu lugar ao terraplanismo e toda sorte de ignorância, e nada desse estado de coisas dá sinal de arrefecimento. Essa formação de uma arapuca existencial, adoecedora, idiotizante e produtora das mais diversas formas de manipulação e direcionamento é algo normalizado por alguns.
Uma das grandes responsabilidades da arte é estimular o pensamento, se não necessariamente politicamente, certamente existencialmente ela sempre nos leva a reflexões. Em La Travessia (2021) novo EP do MC baiano Marcola Bituca, o artista apresenta um trabalho que bate de frente com essas e outras questões e ao mesmo tempo traz um apelo sonoro diferente e complementar de seus trabalhos anteriores. Destacando-se da manada que segue as “regras do jogo” e quando não reificando de modo alienante as operações e signos do capitalismo, em seu novo projeto Marcola segue remando contra a maré.
O EPzinho traz apenas 3 músicas e se anuncia como um prelúdio/prefácio para um livro que está sendo escrito pelo artista. Com a produção da Aquahertz e de Mouseíon Beats, aqui Marcola Bituca rima em cima de beats chegados pro drill, porém como sabemos quando se trata dos produtores em questão, com uma singularidade que não encontramos em outros lugares. Quem tem acompanhado o trabalho do artista sabe que seus últimos discos e singles tem carregado uma sonoridade e uma lírica toda própria. Das fusões propostas com o pagodão, com o reggae e outras sonoridades,a lírica que tem sido desfiada é sempre crítica certeira rumo a paz interior e a harmonia e auto consciência de si.
O atual trabalho ganhou seu start como uma solução de continuidade entre a estética apresentada no audiovisual do disco anterior: Cavalo de Tróia e o seu curta metragem “Sob a Poeira a Água Emerge”, belíssimo e rico em signos, que tivemos o prazer de resenhar: clique aqui. Em “Santo Grime – A Partida dos Desalmados” o MC além de propor um trocadilho excelente que ressalta a necessidade de que MC’s respeitem a cultura em que estão inseridos, em quaisquer que sejam os estilos de rima, nos traz toda uma técnica que nos mostra que Marcola Bituca é já uma marca. Onde o artista mete sua mão, deixa gravado o seu estilo.
Longe de entrar numas de querer converter alguém, o MC tem entregue mensagens que apesar de proveniente de suas crenças “religiosas” possuem qualidade poética suficiente para alcançar universalidade. Talvez o seu grande trunfo tenha sido exatamente fazer passar um conteúdo adulto num cenário cheio de adolescentes velhos ou velhos adolescentes. E obviamente, seu flow tem sido fundamental pois há uma variedade sonora e consequente de flows, surpreendentes.
Por fim, mas não menos importante, Marcola Bituca tem feito passar em suas produções, seja no som, nas identidades visuais e nos audiovisuais, conteúdos que resgatam aspectos da cultura tradicional. Referências vividas, lírica ruminada e fruto de sua existência que busca a cada vez encontrar o divino, e isso tem mesmo de modo profano iluminado sua arte. Das duas faixas presentes no EP, duas receberam audiovisuais, confira tudo abaixo!
-“La Travessia” novo EP de Marcola Bituca segue na contramão!
Por Danilo Cruz