Keith Richards – Crosseyed Heart

A guitarra é um instrumento mítico. É um recurso digno de colocar sob um pedestal e ficar observando. Não diria que ela por si só intimida, mas a história existente por trás de todo esse colosso coloca certa pressão nos ombros de quem vai fazer o primeiro bend.
Só que o engraçado é que essa postura respeitosa virou um dogma. É sagrado demais, parece que tocar guitarra é um ritual, mentira, não parece, é um ritual. O problema é quando surgem uns músicos que nos fazem duvidar de toda essa gênesis de etiqueta.

Aqueles caras que parecem ter talento demais. Uns digníssimos senhores que nem fazem força pra tirar sequências de notas alcalinas das cordas. Chega até a incomodar pelo desleixo, em alguns momentos parece que ser relaxado vale ouro, mas não, no fim da track é tudo uma questão estética.
Ou não, como diria Caetano Veloso. O que diferencia um Buddy Guy, um mestre que sempre pegou a guitarra no colo como se fosse seu filho, de um Hendrix, persona psicodélica que tirava tudo da Strato com a banalidade de um messias em Woodstock?

Não acredito que essa linha seja tangível, é abstrato demais, no fim das contas acho que o único parâmetro possível entre esses dois extremos seja um Keith Richards da vida. Aquele aposentado e pensionista britânico que não possui a técnica de nenhum dos dois citados, mas que no quesito malandragem, é capaz de criar um riff alternativa pra ”Purple Haze” com a tranquilidade de quem conta moeda na fila do mercado.

Pra resumir: ”Crosseyed Heart”, o terceiro disco solo do Keith Richards. Depois de 23 anos sem um novo pack de inéditas, Keef surge inspirado e segue com a mística de criar dezenas de riff’s com a naturalidade de quem vai pegar água na cozinha de madrugada.

Line Up:
Keith Richards (vocal/guitarra/piano/baixo)
Sarah Dash (vocal)
Steve Jordan (bateria)
Bernard Fowler (vocal)
Bobby Keys (saxofone)
Norah Jones (vocal)
Ivan Neville (teclado)
Waddy Wachtel (guitarra)

Track List:
”Crosseyed Heart”
”Heartstopper”
”Amnesia”
”Robbed Blind”
”Trouble”
”Love Overdue”
”Nothing On Me”
”Suspicious”
”Blues In The Morning”
”Something For Nothing”
”Illusion”
”Just a Gift”
”Goodnight Irene” – Lead Belly
”Substancial Damage”
”Lover’s Plea”

Lançado no dia 18 de setembro de 2015, ”Crosseyed Heart” é um retrato de tudo que era, é e sempre será, o mito: Keith Richards. Para quem não sabe, a fagulha para esse novo disco surgiu após uma conversa entre o guitarrista e o baterista de sua banda de apoio, a ótima X-pensive Winos.

Neste brainstorming, Keith relatou todo a letargia dos Stones e a vagorosidade de sua vida, criativamente falando. Foi ai que surgiu o baque, imaginem-se na posição de Steve Jordan ao ouvirem de Keith: ”estou pensando em me aposentar”.

Palhaçada, que absurdo cara, não, pelo meno não agora! Steve ficou perplexo e já foi na jugular. Sugeriu algumas horas no estúdio para ver o que rolava e de todas essas adoráveis desventuras em riffs, saiu o que você está escutando no momento.

O play aparece e já temos a faixa título, sem enrolação, sempre na lata. Aliás, segundo o próprio criador, esse tema caminha dessa forma em homenagem a um dos maiores nomes do Blues, o tinhoso Robert Johnson. Mas nessa levada Keith vai no estilo católico, o problema é quando chegamos em ”Hearstopper”.

É dai pra frente que o menino reconecta seua laços com a X-pensive Winos e começa a emular toda a raiz do Rock ‘N’ Roll. É como sua sagaz frase: ”Mick é o Rock e eu sou o Roll”, e aqui, rapaz, o Roll rodopia com uma dose de Chuck Berry.

O clima é aquele entre amigos, o acabamento é cru e no fim o tom é de brincadeira, mesmo sabendo que a cozinha de ”Amnesia” fala seríssimo. A batera sempre no cangote do baixo, Keith está solto, segue apenas enumerando afinações pouco ortodoxas e brincando nos vocais.

Mostrando feeling e toda a experiência de sua voz seca para a balada ”Robbed Blind”. Repassando a química com sua dupla de guitarras, o fino Waddy Wachtel e as guitarras laçadas. Temos também o Country de Hank Williams em ”Trouble” e a brisa de Gregory Isaacs, Reggaeiro preferido de Keef e maior influência para a seção de sopros jamaicana em ”Love Overdue”.

É até engraçado perceber que esse disco estava a apenas uma aposentadoria de distância. Depois que Richards anunciou esse disco, já logo tratou de confirmar que os Stones voltarão aos estúdios e o resto está eternizado neste LP. Temos o retrato dessa gravação com ”Nothing On Me”, o rotineiro lick de ”Suspicious” e a clássica guitarra ”vai pra cá que eu vou pra lá” ao som do primeiro take de ”Blues In The Morning”.

Esqueça a técnica, as horas de estúdio e tudo que você aprende nas aulas. o dicionário nem possui palavras para definir esse senhor. o segredo dele é o play, é desse ponto que surgem temas como ”Something For Nothing”, ”Illusion” (com Norah Jones), cover’s de Lead Belly com ”Goodbye Irene” e toda aquela boa e velha fritação com o Wah-Wah de ”Substancial Damage” e a bateria roots de Steve Jordan.

Moleque, esqueça os livros, ”Crosseyed Heart” é o relato que comprova, se você quer ser um fora da lei, estude e pense sozinho, fora da caixa, sendo o Roll, justamente quando todos querem ser o Rock. É claro que você não vai ser um Keith Richards, mas pelo menos agora você entenderá o ”hômi” e poderá caminhar no estilo ”Duck Walk”. Discão.

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