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Karol de Souza e a Construção politica de um Sex Appeal irresistível!

Karol de Souza  é uma das grandes rappers em atividade no país, com uma carreira artística deliciosamente bela e politicamente resistente!!!!

 

Nos idos de 2013, esse que vos escreve estava em plena fase de reconciliação com rap e nesse processo de reaproximação buscava se reaproximar através dos últimos lançamentos da cena nacional naquela altura. E ainda nos é muito viva a lembrança de ter dado o play no busão indo pro trabalho, na mixtape Rap Até O Fim (2013) da Karol de Souza.

Ali naquele instante e nos minutos seguintes, além da evidente qualidade musical presente nas rimas, batidas e no flow, na produção que gritava nos meus ouvidos e marcava-nos a ferro, começávamos a tomar ciência de algumas pautas de luta. Hoje, passados 5 anos – infelizmente – essas pautas seguem sendo mais do que necessárias e a rapper curitibana e radicada em São Paulo, segue trabalhando dentro de uma estética que não ramela diante dessas lutas.

Nessa caminhada que Karol de Souza iniciou através de sua migração para São Paulo, ainda em 2010, e de lá para cá, ela segue em seu trabalho “quente até nos piores dias de inverno”. Sabe-se, ou pelo menos, deveríamos saber a ampla gama de dificuldades para vencer na música de modo geral e no rap sendo mulher de modo bastante particular. Mas, a mc hoje faz parte de um dos maiores e melhores dream’s team’s da história do rap nacional, as poderosíssimas Rimas & Melodias, contando com um disco e clipes lançados e elogiadíssimos  que comprovam facilmente o dito acima.  

Além disso, a artista já marcou presença com seu talento nos projetos mais estourados do rap nacional no youtube como o Rap Box e a cypher Poetisas no Topo, abertura de shows para os mestre dos Racionais Mc’s também estão no currículo. Tudo isso, pra chegarmos no mote ventilado no título dessa matéria, a construção politicamente resistente de um sex appeal que desafia padrões e grita a necessidade de auto estima, liberdade sexual e emancipação racial.

Certamente daria um “TCC”, demonstrar como a luta e a força politica encontradas por milhares de meninas e mulheres dentro da cultura hip hop é um vetor fundamental para que as mesmas assumam-se diante de diversas opressões que a cultura ocidental às impõe. Há em marcha uma construção coletiva feita por muitas das mulheres presentes dentro da cena do hip hop nacional e que ao longo dos últimos anos vem derrubando pedra por pedra uma série de doenças sociais que formam um muro como obstáculo para o seu desenvolvimento e plena inserção dentro da cena.

Nessa equipe de demolição, muitas protagonistas seguem gritando às vezes ao vento o quanto é necessário que a cena abrace a cultura hip hop como linha de construção contra-hegemonica diante de toda e qualquer opressão, assim como o foi em seu nascimento. Essas mulheres presentes dentro dessa cena são hoje as “coisas” mais importantes e relevantes politica, ética e esteticamente falando no rap, no grafite e no break brasileiro.

Em sua arte, Karol de Souza incorpora com excelência todos esses traços de combatividade e tudo isso aliado a muita qualidade artística, o que a torna uma das figuras mais fortes e atraentes da atual cena do rap nacional. Toda a sua caminhada desde os 16 anos quando fundou seu primeiro grupo de rap ainda em Curitiba, até os seus últimos 8 anos de carreira profissional a levaram progressivamente a conquistar/construir esse Sex Appeal ao qual nos referimos.

Competitividade, subserviência, baixa autoestima e a busca desenfreada por adequar-se a padrões eurocêntricos atuais de beleza magra, são alguns traços que nos seus últimos lançamentos, a rapper deixou em evidência estar liberada. Seja na reunião bombástica entre ela, Barbara Bivolt, Sara Donato, Issa Paz e a mega power agressiva Monna Brutal, onde todas reivindicam através de ataques líricos muito bem executados um reconhecimento que atravesse a vida e não apenas o mês de março, e aquela hipocrisia disfarçada de Homenagem de Março.

De algum modo, muitas das minas do rap retiram um dado da nossa realidade e o transformam numa critica potente, num discurso que transforma práticas e fatos muitas vezes operando sem reconhecimento em algo visível. Quem vive em periferia e possui um minimo de sensibilidade consegue perceber a força de milhões de mulheres lutando cotidianamente para sobreviver dentro dessas selvas de pedra. Uma vez que dentro do nosso contexto social ser mulher implica num esforço “hercúleo” para lutar por emprego, família, estudo e beleza.

Karol de Souza, mulher negra e gorda, entre outros diversos atributos, conquistou sua independência artística tendo que enfrentar dentro do micro cosmo da arte e seus bastidores imundos, todas essas opressões que centenas de outras mulheres enfrentam. No seu último lançamento solo, “Me Deixa Viver”, ela politiza a beleza demonstrando uma altivez que beira o sublime, através de enunciados “simples” porém não menos potentes, que evidenciam nosso atraso.

Um atraso que se traduz através da necessidade que artistas e militantes tem ainda de se posicionar contra padrões de beleza e independência frente a uma sociedade patriarcal e racista, gordofóbica e falso moralista. “Me Deixa Viver”, é uma produção de CABES e Léo Grijó emulando o funk carioca dentro de um beat bem dançante, contando com riscos da maravilhosa DJ Mayra Maldjian e um sample de Eu Tiro é Onda do mestre Marcelo D2. 

O bonito vídeo clipe que contou com a produção da GANGA PROD e com a direção e fotografia da excelente Érica Pascoal que trabalhou as imagens e as colocou numa montagem ágil mesclando as imagens da rapper em cena com uma galera bonita enquanto signos de belezas diversas. O vídeo consegue através de planos e imagens bem construídas realçar a politização da estética presente no discurso e nas rimas da Karol de Souza e tornar visível também o Sex Appeal maravilhoso que a nobreza da rapper emana.

Corpo e raça numa simbiose poética e visual muito atraente, e aqui se justifica a utilização do termo sex appeal, que sem dúvida alguma é sempre aplicado para outros tipos de corpos e belezas. Ao utilizar-se de uma expressividade auto consciente de si mesma e contra hegemônica, o apelo sexual provém não de uma pressuposição daquilo que seja o belo e desejavel, mas do conjunto da obra: da mulher, da artista, das ideias e consequentemente de uma figura que transparece e brilha através da luta numa corporeidade “rica e glamourosa” na melhor acepção dos termos.

Por fim, mas é apenas o começa e o continuum de uma correria que promete muito para o ano de 2018 e que como acima ressaltado já se firmou com bastante propriedade, Karol de Souza colou junto a Drik Barbosa no Perfil #55 da Pinapple. Não nos interessa aqui, o formato já conhecido e fixo do áudio visual desses perfis, mas sim, o conteúdo que desta feita foi lá colocado e que de algum modo sintetiza bem o que aqui tentamos demonstrar. 

A música apresentada pela dupla, “Céu Azul”, já nas duas primeiras sessões de rimas das minas apresenta qual é a verdadeira missão da música em geral e do rap em especial. Enquanto Karol de Souza faz uma elegia a uma lírica que a mantem viva, Drik Barbosa agradece pelo companheirismo e o heroísmo “dele”. Como falávamos acima, o rap nasceu como música fruto das lutas contra opressões. Mesmo a diversão, pode e deveria ser uma forma de resistir e não, como muitos pregam hoje, mera degradação e elogio a bobagem. 

A luz que ilumina a todos que realmente se apropriam da cultura hip hop é uma luz que carrega em si a verdade, e que ao iluminar as peles pretas colocadas de diversas maneiras na escuridão, se torna um caleidoscópio e pode nos fazer perceber toda a escala de cores possíveis. Como bem disse o poeta Jorge Ben: “O Preto é a soma de todas as cores”. Como artistas conscientes de sua missão e de suas lutas, as duas rappers aqui em questão produzem um som que é a mais pura e bela exaltação da força do rap e consequentemente da cultura hip hop. 

Karol de Souza, prepara seu disco de estreia com previsão de lançamento para o segundo semestre desse ano, a direção musical esta por conta de Léo Grijó  e a direção artística da Mayra Maldijan. Se você chegou até aqui, acredito que entenderá que o que vem aí é algo que realmente devemos esperar. 

Como figura de proa do atual cenário da música rap nacional, Karol de Souza segue com uma força irresistível construindo-se de modo a aparecer sempre bonita, contra tudo que concorre para apagar essa força de expressão que ela como muitas e apesar de tudo conseguem manter. Uma consciência de luta e uma resistência para iluminar todas as outras e outros dispostos a entender do que se trata isso a que chamam música rap. 

Peço licença para encerrar, já tendo me prolongado por demais, com as palavras do poeta Jorge Mautner:

“Belezas são coisas acesas por dentro, tristezas são belezas apagadas pelo sofrimento.” Gente nasceu pra brilhar, e a Karol de Souza entendeu isso muito bem.

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