Oganpazan
Discos, Resenha

Kanye West – The Life of Pablo (2016)

Com The Life of Pablo Kanye West mostra mais uma vez quKanye West - The Life of Pablo (2016)e sua arte transcende a simples necessidade por holofotes.  

Você pode gostar ou não do Kanye West, mas o fato é que se você tiver algum tipo de apreço por R&B e rap é praticamente impossível não reconhecer o talento do cara.

A verdade é que a maioria das pessoas só conhece o rapper pelas polêmicas em que frequentemente se envolve ou, para alguns, por ser o marido da Kim Kardashiam. Por isso o melhor é não dar muita atenção para o caminhão de haters que Kanye possui mundo afora, um bom número deles conhece apenas a parte de sua vida que é exaustivamente explorada pela indústria da fofoca.

The Life of Pablo (seu novo disco) é mais uma oportunidade para conhecer o Kanye West que realmente importa. Um Kanye West diferente daquele que surgiu do nada e ressuscitou a carreira de Jay-Z, mas ainda sim um Kanye West no auge de sua criatividade como produtor e compositor. Se havia alguma apreensão a respeito da qualidade desse novo trabalho ela desaparece logo na primeira audição.

As rimas de Kanye continuam afiadas como sempre, porém The Life of Pablo se arrisca numa direção diferente dos seus dois últimos álbuns: My Beautiful Dark Twisted World (2010) e Yeezus (2013). O todo do disco é mais caótico. É como se tivéssemos acesso a uma mente extremamente conturbada, com um sem número de colagens sonoras que se sobrepõem construindo uma estrutura polifônica (por vezes chegando à cacofonia) que leva o uso dos samples ao extremo da linguagem. Talvez esse seja o momento de reconhecer Kanye West como o grande experimentalista que ele é.

Um dos pontos altos do seu estilo nesse disco está em No More Parties in L.A. aonde ele mistura samples de quatro músicas diferentes: Give Me My Love de Johnny Guitar Watson, Suzie Thundertussy de Junie Morrison, Stand Up and Shout About Love de Larry Graham e Mighty Healthy de Ghostface Killah. O resultado é um tapete sonoro cheio de pontas soltas sobre o qual Kanye e um inspirado Kendrick Lamar desenrolam suas rimas. Além disso, o encontro entre os dois faz dessa faixa um dos melhores momentos do disco.

Parte da técnica usada por Kanye para construir essa paisagem instável consiste em fazer os samples aparecerem de forma abrupta, sem muito polimento em seus contornos, dando a impressão de algo mal acabado – como a própria capa do disco já sugere. Nesse terreno acidentado, porém, também existe espaço para sutilezas, como em Famous quando o rapper resolve sobrepor o trecho de uma música clássica com Do What You Gotta Do de Nina Simone, achando espaço ainda pra encaixar um fragmento do reggae Bam Bam de Sister Nancy.

Outro elemento que aparece com toda força nesse novo trabalho é o lendário egocentrismo de Kanye West. Seu umbigo continua sendo o centro do universo e uma prova disso é a faixa intitulada I Love Kanye em que ele repete seu próprio nome 25 vezes em 44 segundos (sim, eu contei). Por outro lado, não tem como deixar de notar uma leve mudança no teor desse narcisismo quase patológico. Se nos discos anteriores ele se colocava como um deus, em The Life of Pablo o rapper parece tomar consciência de sua finitude e das suas limitações; um simples mortal, como Pablo (qual deles?).

Contudo, isso de maneira alguma o impede de continuar sendo o Kanye West de sempre. O importante é não se prender em demasia a essa egotrip e perceber como a partir dela o rapper consegue criar uma crônica bem interessante a respeito do estilo de vida das celebridades estadunidenses. A fogueira de vaidades, os excessos, as excentricidades, mas também o vazio e a solidão. Muitos aspectos desse universo (que exerce um fascínio tão grande em tantas pessoas) são colocados em evidência pelas músicas de Kanye West e em The Life of Pablo não é diferente.

Nesse sentido, é bastante simbólica a escolha de abrir o disco com a arrepiante Ultralight Beam. A religiosidade evidente dessa música é como uma tentativa de dar conta de um vazio que a fama e o dinheiro são incapazes de preencher. Kanye West começa o disco clamando por serenidade e paz enquanto constata a insignificância cósmica da sua existência. E apesar de aparentemente abandonar esse tema ao longo do disco, a influência de Ultralight Beam continua pairando sobre as outras faixas; colocando os problemas mundanos ali expostos sob uma outra perspectiva.

The Life of Pablo parece existir dentro dessa contradição entre o sagrado e o profano, num paradoxo entre a futilidade pop e a elevação espiritual do soul e do gospel. Como um quebra-cabeça com peças incompatíveis cuja conclusão pode levar à loucura ou à iluminação – se é que podemos distinguir uma da outra. Kanye West concilia extremos construindo uma obra bipolar passando da euforia de Freestyle 4 ao cansaço de 30 Hours, perdendo a linha aqui para reencontrá-la, ou não, mais adiante.

Afirmar que The Life of Pablo é o melhor disco de rap da história (como declarou Kanye West antes do seu lançamento) talvez seja uma grande exagero, mas ainda é demasiado cedo pra dizer. Na minha opinião ele já rivaliza com My Beautiful Dark Twisted World como o melhor trabalho da carreira de Kanye West, o que talvez já seja suficiente para colocá-lo nesse páreo. Mas não levemos muito a sério uma provocação de alguém que sabe como promover seus produtos. Pode ter certeza, The Life of Pablo já nasceu obrigatório!

Nota: 

https://soundcloud.com/kanyewest/30-hours

NO MORE PARTIES IN L.A. FEAT. KENDRICK LAMAR by Kanye West

Matérias Relacionadas

Deserto e psicodelia: o álbum do Brant Bjork Trio

Carlim
3 meses ago

John Cale começou 2023 de álbum novo

Carlim
2 anos ago

“Punk Produtora” um clipe sem noção da Le Trutas

Carlim
2 meses ago
Sair da versão mobile