Justin Brown na bateria: Nyeusi mostra as texturas do fusion moderno

Eu escutei a bateria do Justin Brown por muitos anos e nem sabia. Por muito tempo, Brown foi o baterista de Ambrose Akinmusire, o brilhante líder e trompetista americano. Ao lado de Ambrose, Justin gravou desde o debutante, “Prelude To… Cora” (2008) até o ao vivo – e quarto lançamento da carreira do músico – “A Rift In Decorum“, gravado no Village Vanguard (2017).

Outro grande nome do cenário Jazzístico que também conta com Brown como um dos principais elementos de seu som é o baixista Thundercat. Vale lembrar que o baterista fecha o trio de Stephen Bruner com Dennis Hamm nos teclados desde 2014. Mas além desses atos “fixos”, o requisitado músico de sessão também já trabalhou com a Esperanza Spalding, Terence Blanchard, Flying Lotus e outros tantos que estão ai na cena desafiando os novos rumos do Fusion.

O “problema” é que o estilo de Justin é muito interessante e sempre bastante dominante no som. E isso acontece com tamanha naturalidade que chega a ser perceptível sacar as mudanças numa banda que ele parou de tocar, por exemplo. Ao lado do Nate Smith, e Yussef Dayes, Justin é um dos principais nomes, não só da bateria, mas do Jazz como um todo.

Meio em off e mesmo trampando como sideman, seu protagonismo foi e ainda é latente na cena. Era chegada a hora de ser o chefe, liderar um grupo e gravar um inédito disco solo. Com 35 anos na cara, o som de Justin ainda contém a mesma urgência de 15 anos atrás, quando o negrão chegou em Nova York pra ingressar na tradicionalíssima Juilliard.

Ele durou exatamente 1 dia na escola. Olhou para a grade e viu que aquele som acadêmico não era pra ele. Passados todos esses anos, depois de muito estudar e ensaiar com os mais diversos grupos e em diferentes formatos, seu repertório atingiu a fluidez necessária para tocar qualquer coisa e apenas acompanhar o futuro com suas baquetas.

 

Line Up:

Justin Brown (bateria)

Mark Shim (EWI)

Jason Lindner (sintetizadores/piano)

Fabian Almazan (teclados)

Bruniss Travis (baixo)

nyeusi
Arte: Roland Nicol

Track List:
“Jupiter’s Giant Red Spot”
“Lesson 1: Dance”
“Lot’s For Nothin'”
“Waiting (Dusk)”
“Waiting On Aubade”
“At Peace”
“Lesson 2: Play”
“Entering Purgatory”
“Replenish”
“Fyfo”
“Circa 45”
“Burniss”
“Lindner’s In Your Body”

 

E depois de quase 20 trabalhando pela reputação que possui hoje, Brown se sentiu pronto para gravar um disco com seu nome. “Nyeusi”, disco lançado via Biophilia Records no dia 29 de junho de 2018, é também uma palavra de origem suaíli – mais especificamente das línguas bantas – que significa preto ou escuro.

É essa palavra que sintetiza toda a atmosfera que Justin visualizou em sua mente. Porém antes de ir para a análise do som, um pit stop para se estudar o formato da banda se faz necessário.

Além do agressivo caldeirão polirrítmico de Brown, o projeto é formado ainda por Bruniss Travis (baixo), a dupla de teclas Fabian Almazan (rhodes/piano) e Jason Lindner (sintetizadores), além do saxofonista Mark Shim – fazendo sons de sinth num wind controller EWI – como se estivesse tocando um saxofone do futuro.

É tão absurdo quanto parece. E o resultado? Essa dinâmica resulta numa imensa jam session onde os sons eletrônicos se fundem e se completam entre si de maneira sublime.

É importante inclusive destacar a lucidez e as nuances aqui presentes, pois apesar da estética “viajandona”, é notável como essa abordagem simplesmente explode o conceito de Drum & Bass da forma que o conhecemos.

Esse ecossistema acaba sendo um verdadeiro laboratório para a criação de grooves, onde o Fusion é a moeda de troca para emular o Jazz imerso na temática Hip-Hop, com o balanço do Funk e aquela roupagem de timbres cremosos nos sinths. Parece até que rolou horas de Overdub em estúdio, mas não foi o caso… E a bateria é o elo desse vórtex todo.

E a energia que sai dos kits é uma declaração de como Brown segue experimentando. Com dotes técnicos soberbos, o músico entrega um disco que dá uma aula em termos de preenchimento de som. A forma como a bateria ocupa o groove no espaço/tempo, sempre como espinha dorsal da estrutura…

É impressionante observar como ele consegue equilibrar uma cozinha imersa numa temática que, caso fosse mal explorada, corria um sério risco de ser monótona, imersa em efeitos e virtuosismo desnecessário.

Mas é exatamente o contrário que acontece aqui. E é ao som de “Jupiter’s Giant Red Spot” que você adentra o universo criativo de Brown. Essa faixa também já ambienta o ouvinte e no pulsar dos instrumentos, “Lesson 1: Dance”, já posiciona ouvidos quanto ao trampo de sinth e do baixo.

justin brown

“Lots For Nothin”’, por exemplo já chega explorando a dinâmica das teclas e já mostra como a dupla Jason Lindner e Fabian Amazan é peça chave nessa maluquice.

O primeiro – tocando sinth – promove um contraponto com o segundo, que vem com um som mais “convencional” – se é que se pode dizer isso – emulando as teclas mais sóbrias ao piano. Essa abordagem é um pilar importantíssimo pra esse som.

E entre transições “Waiting (Dusk)” e a sutiliza de passagens como “Waiting On Aubade”, o disco vai rumando para um lado cada vez mais pesado, num clima que vai ficando cada vez mais introspectivo e “At Peace” é a faixa que joga o ouvinte no abismo de Nyeusi.

Preste atenção na diversidade das timbragens. “Lesson 2: Play” chega até a confundir o ouvinte… Em dado momento surge um tilintar de notas que consegue quebrar todo o clima tenso da faixa. É uma cozinha pesada e que altera momentos mais lúdicos com um som que parece um estudo sobre luz e sombra.

justin brown
Arte: Roland Nicol

 

Bem marcado e hipnótico, esse trabalho é uma verdadeira descarga de energia. Chega a ser até bipolar em certos momentos, pois a primeira parte é claramente um rito de passagem. Quando seus ouvidos forem expostos ao sepulcro de “Entering The Purgatory”, ficará claro como o CD é quase uma viagem espiritual em termos de exploração de climas e texturas.

O saxofonista Mark Shim é outro meliante de suma importância nisso aqui. Tocando um EWI – um tipo de sax sintetizador que foi febre nos anos 80 principalmente com os Brecker Brothers – Shim é a tênue linha que une os trabalhos de teclas antagônicos de Jason e Fabian, deixando o rolê todo mais melódico. Escute a sutil “Replenish” e repare na plenitude de camadas.

A pegada Disco-Funk de “Fyfo” também uma faixa interessante pra reparar nessa alquimia… Mas é com um cover do Tony Williams – a belíssima “Circa 45” – que o disco atinge o pico do som.

tony williams ego

Ouse escutar a versão original e veja como o mundo mudou. Seminal lançamento da Tony Williams Lifetime – um dos maiores atos de Fusion dos anos 70 – “Ego“, lançado pela Polydor em 1971, mostra um Fusion bastante peculiar, com sons de órgão e um Ted Dunbar muito loco na guitarra.

A ambientação desse trabalho e o claro desejo transgressor de Tony por novos experimentos talvez sejam a semente que esse cover acabou plantando na cabeça dos músicos, principalmente em termos de referência.

 

Nota-se que a classe praticamente aristocrática de Tony Williams foi uma clara influência na vida de Brown. É um som que beira o estado líquido, tamanha a liberdade com que temas como “Burniss” aparecem como se fossem rápidas vinhetas.

O maior acerto desse registro é mostrar como o conceito estético de som, não só do Jazz – mas também da música de forma geral, ainda tem espaço pra seguir expandindo. “Lindner’s In Your Body” é a prova cabal de como você precisa passar por períodos de escuridão antes de encontrar a luz novamente.

Eu apertaria o play agora mesmo, se fosse você.

-Justin Brown na bateria: Nyeusi mostra as texturas do fusion moderno

Por Guilherme Espir 

 

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