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Josué dos Santos Quinteto: Nas trilhas de J.T. Meirelles (Resenha e Entrevista)

Josué dos Santos Quinteto: Nas trilhas de J.T. Meirelles, quase três horas do puro suco, e depois entrevista com grande batera: Edu Ribeiro!

Falar sobre música é uma tarefa que consome o escritor. De alguma forma ele precisa externalizar o som que se escuta. Isso se for um disco. Se tratando de um  show, ainda existe a conexão da memória e todo o contexto imagético… É uma tarefa que as vezes se questiona e entra em conflito. Transcende como o som.

É como se tivessem duas metalinguagens pedindo truco. É um exercício e um grande aprendizado observar como a música evolui a ponto de promover diálogos com ela mesma num encontro de elementos que vão muito além de repertório ou capacidade técnica, mas sim de sentimento, memória e respeito ao som.

Descrever o óbvio, é não respeitar o encontro, mas a atmosfera, as fotos e entrevistas tentam elucidar o leitor com um objetivo que não deveria ser outro que não o interesse. O interesse por um trabalho que é construído ao longo de muitos anos e que possibilita ao quinteto de Josué dos Santos, a possibilidade de partilhar o repertório do mestre J. T. Meirelles e mostrar os caminhos de uma obra que trilhou alguns dos momentos mais bonitos da cultura popular.

Muitas pessoas ouvem o saxofone de João Theodoro Meirelles sem saber que suas linhas estão emolduradas na história. O Samba Jazz foi o idioma que Josué (saxofone), trouxe ao palco do JazzB. brilhantemente acompanhado por Daniel D’Alcântara (trompete), Sidiel Vieira (baixo), Paulo Braga (piano) e Edu Ribeiro (bateria).

Foi com esse time que discos fundamentais da nossa histórias como “O Som” (1964), por exemplo, puderam ser relembrados, mostrando não só a importância, mas a relevância desse legado. Em termos de execução, muito pouco pode ser dito à respeito da banda. Ao menos sem que o jornalista chova no molhado, no entanto, é importante mencionar. 

O timbre do saxofone do Josué é muito bonito. Está no toque à plenos controles no joystick. Sempre. Daniel continua mostrando um repertório grandioso no trompete e o fez com a experiência de quem já tocou com J.T.. O Paulo Braga (piano), bom, eu digo apenas que estava muito mal vestido para ousar cumprimentá-lo, mas é sempre um prazer observar um músico pensar o som de forma tão singela, mas sempre lhe fazendo surpresas no caminho. No baixo, Sidiel Viera e uma condução sólida, cirúrgica, sempre trazendo o que o som precisa. Na bateria, o Edu Ribeiro fecha o time com uma segurança que eu pude presenciar poucas vezes.

Em resumo foi isso que aconteceu. Foram 2 sets. Muita coisa foi dita pelas mãos de instrumentistas maravilhosos e que respeitam tudo isso que estava sendo enaltecido no palco. O Edu Ribeiro conversou conosco no intervalo, mas o que fica, além desse grande esclarecimento sobre os elementos da música de J.T. – além de outros tópicos abordados – é que a história fica. Quando contada, relida por outros músicos de gerações posteriores, ela muda, mas alguns elementos ali são essenciais e fazem parte da essência do groove. É intrínseco.

É importante entender isso. Na verdade é um desafio e só pode ser discutido graças a boa vontade de nomes como o próprio Edu Ribeiro. Músicos como ele estão dispostos a deixar a janta esfriar pra falar sobre como você pode tirar um sonzaço da bateria, mesmo tocando baixo, por exemplo.

A música não para, mas o que está bem claro para todos que estavam no palco são os limites daquela história, até onde eles poderiam explorar e como aquilo ficaria num contexto pra ser de fato observado e captado pelas pessoas. Foi um trabalho muito bonito e que fez o público ouvir quase 3h de som como se fossem 15 minutos.

Ainda teve um canja do grande mestre Gabriel Bahlis, do alto de seus 86 anos, invocado querendo fazer som de todo jeito. Dia 10 de março foi pra celebrar o encontro, reverenciar um grande músico e evidenciar o trabalho de um quinteto assombroso. Foi uma noite formidável e que deixa seus encantos mais claros com as declarações de Edu Ribeiro.

É um prazer retratar momentos como esse. 

1) Como você aborda a questão do diálogo num contexto de improvisação, pensando na música instrumental. Como é esse processo de sugerir e responder esses músicos, pensando em dinâmica?

Quando você fala de música instrumental, no contexto jazzístico, tudo é uma conversa, seja lá o tipo de música que você for tocar. A gente está falando sobre Samba Jazz, mas não tem jeito, o ritmo, a concepção… É tudo questão de manter o diálogo e o Jazz é esse diálogo. 

Eu estou o tempo inteiro ouvindo o solista, prestando atenção em quem está acompanhando, mas ali, o tempo todo se ouvindo, como se estivéssemos conversando. Se eu tiver uma coisa pronta pra responder, você vai mudar sua pergunta e eu vou responder a mesma coisa e fica desagradável a conversa.   

A conversa precisa ser interessante e eu preciso estar ouvindo o que ele está me falando pra poder responder. Tem uma coisa sobre interação com músico que a gente chama de síndrome de papagaio. O cara toca uma frase e ele repete a frase. Na verdade o que você precisa é interagir com ele, dando a entender que ele precisa fazer outra coisa e aí começa a fluir. É assim que você começa uma conversa interessante. 

Pra um músico de cozinha, a principal coisa que existe num solo tem uma questão de não ser serviçal a ele. Você não pode impor, você responde, sugere e isso pra um solo de bateria também acontece. As pessoas precisam estar se ouvindo… Quando alguém não está se ouvindo quer dizer que você precisa parar aquele assunto e começar um novo.

2) Nesse contexto solo, eu entrevistei o trompetista Roscoe Mitchell (Art Ensemble Of Chicago) – precursor de números solo no saxofone – e ele falava muito sobre isso, de você ter plena noção do seu som sozinho.

Claro, é seu domínio de discurso. É igual isso que nós estamos fazendo agora. Se eu não soubesse nada sobre isso, era melhor interromper. É claro que o risco é importante, sempre, ele importa muito pra um solista, mas é um risco dentro de algo confortável pra você.

É aí que está. Você precisa estar claro no seu discurso pra definir tudo isso. 

3) Pensando nesse cenário de música atual, globalmente, o que você tem vista dessa nova geração em termos de evolução e revolução?

Quando você fala disso eu lembro da minha geração que cresceu ouvindo muito Keith Jarrett (piano). Teve uma geração que veio depois, com o o Brian Blade (bateria), Joshua Redman (saxofone), Brad Mehldau… Essa é uma frente de Jazz.

Claro que tem uma cena de músicos americanos tocando um Jazz mais purista que é muito bom, mas ao mesmo tempo você tem uma cena musical moderna, ritmicamente muito complexa com os israelenses chegando e dominando. Músicos como o Avishai Cohen (baixo), Shai Mestro (piano), tigran hamasyan – pianista armênio… É uma geração tocando uma música nova que ainda vai ser muito desenvolvida e com certeza vai crescer.

Na verdade precisa disso pra crescer um pouco. Tem muita coisa de música brasileira, música africana, espanhola, mas é importante entender que essa conversa é uma geração de Jazz depois da internet. Todo mundo vai conseguir se comunicar por que as fronteiras estão se quebrando. Hoje não existe mais a barreira da língua e tem algo muito bom vindo com isso. As pessoas vão conseguir entender melhor e falar melhor um a língua do outro.

4) Pensando nesse repertório de hoje, como é reinterpretar o trabalho do J.T. com esse quinteto, levando em conta seu repertório e o que você tem feito recentemente.

Eu acho que isso é muito característico, então não dá pra inventar muito na minha opinião, por que aí você começa a sair muito e descaracteriza. Isso é a criação de um movimento que a gente vive até hoje por causa dele.

Eu toco com o Amilton Godói, pianista do Zimbo Trio e toda vez que eu toco com ele eu vejo como ele achou o que ele quer falar. Ele não está procurando mais nada, sempre conversando com você, dentro daquela coisa do discurso e da interação que estávamos falando, você repare que não existe mais essa procura, mas ainda tem risco e tudo mais.

Eu sou grato por que eles começaram uma coisa que fez com que toda uma geração entendesse que é possível fazer um som com essa concepção Jazzística. Quando você toca esse repertório do Meirelles é muito característico e eu não consigo me desligar das influências do Dom Um Romão ou do próprio Robertinho Silva.

É claro que todo mundo coloca influência de tudo. Na hora do solo de cada um você vê o que cada um coloca e consegue trazer dentro do som. O tema e a estrutura não precisa ser descaracterizada, você sente a vivência de cada um dos músicos do quinteto na hora do solo.

5) Eu vi que você começou autodidata. Como essa vivência ajudou a formar sua abordagem na bateria?

Eu comecei a tocar em casa, meu pai tinha uma banda de baile. Eu sentei lá e comecei a tocar com meus irmãos. A gente tocava Beatles e Rolling Stones. Até os 17 anos eu nunca tive  nenhuma aula de instrumento e tocava na banda de baile com meu pai desde os 12 anos. Foi uma escola de ouvir e imitar igual uma criança que começa a falar.

Eu acho que eu nunca perdi uma coisa que é muito importante para o músico que é referência. Eu tenho vários alunos hoje e eles precisam entender que é importante você encontrar uma paixão, por que só assim que a linguagem vem. As crianças aprendem a falar pela necessidade de se comunicar e com a música não é diferente.

É necessário que exista a necessidade de promover a fala. O primeiro contato é você ouvir ele falando e sentir necessidade em fazer isso.

6) Quais foram os desafios de sair de um lance autodidata e chegar na Unicamp? Com certeza era outro mundo, bem mais acadêmico.

Eu não vi desafio, o desafio foi passar no vestibular e entender linguagem e escrita. Isso não pode ser negligenciada. Teve uma geração de músicos muito espontânea antes de mim que era avessa a esse conhecimento de linguagem e eu ouvi várias vezes que se eu aprendesse a ler eu iria perder a espontaneidade.

Mas é mentira por que isso deixa você auto suficiente. A geração que veio depois com esse conhecimento mais equilibrado consegue identificar as coisas pra compor e criar arranjos com uma interação melhor entre a arte e a teoria com uma liberdade muito grande.

7) Eu vejo que o seu som tem o pilar harmônico, melódico e rítmico, mas no geral ele é muito prudente e existe a parte de arranjo e composição também. Existem as notas que você deixa de tocar e a impressão é que você está tocando de fora e é notável como isso parece fácil, apesar de ser claramente complexo. 

Isso que você está falando é um grande elogio. É muito difícil tocar e se ouvir interagir imediatamente. Tem um processo muito complicado aí. É necessário ter o conhecimento, ser preciso e entender que o som está cada vez mais complexo, mas sempre mantendo a atenção pra entender o que está acontecendo. Como que eu estou soando?

Eu preciso saber o que propor.  Você precisa tocar pra o que está sendo tocado. Se a música exige que você seja um solista, faça isso. No show tem momentos que as pessoas querem mais ou menos interação. É um pouco da questão da conversa que falamos, você precisa ouvir antes de criar esse discurso.

Mesmo que você não goste do assunto, é importante entender a proposta. As vezes quando eu escuto o que eu gravo é bem diferente que tocar. É algo natural, quando você está tocando você sente isso, tem um risco, um errinho que as vezes fica bonito na música e é importante saber ver isso. É necessário se manter inteirado e focado no som. 

-Josué dos Santos Quinteto nas trilhas de J.T. Meirelles 

Fotos e texto por Guilherme Espir 

Colaboração Renato Pestana

 

 

 

 

 

 

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