O baterista e beatmaker baiano Jorge Dubman aka Dr. Drumah é um mestre dos grooves na mais pura acepção dessa palavra, e segue firme!
A música brasileira possui muitos mestres que ao longo de suas vidas e muitas vezes afastados dos holofotes e do “sucesso”, criam obras grandiosas levando as produções musicais da diáspora a espaços fantásticos de criação. Pensemos em três mestres da “Roma negra”: Perinho Santana, Dom Lula Nascimento e Bira Reis, e nos perguntemos porque essas figuras não são chamadas de mestres? A referência fácil é sempre privilégio das figuras de proa: cantores e cantoras, e em geral brancos, o star system reproduz com requintes de crueldade o racismo estrutural.
Vez por outra a mídia hegemônica se aproxima a trabalhos que possuem diversos tons, perspectivas, às vezes dentro de um último lançamento e dão aquela incensada de levinho. E muitas vezes situando o trabalho recém lançado como um trabalho a mais, um produto a mais que vai se inserir nas prateleiras undergrounds do mercado, sem a necessária distinção e sobretudo sem a inescapável contextualização de quem é o autor e como aquilo se insere num corpo de obra múltiplo, longevo e inovador. Sem sombra de dúvidas este é o caso do mestre Jorge Dubman aka Dr. Drumah.
Mas antes de tudo isso, o que é um mestre? A definição nos diz: “pessoa dotada de excepcional saber, competência, talento em qualquer ciência ou arte. indivíduo que ensina”, e se seguirmos essa definição é fácil constatar que Jorge Dubman é de fato um mestre. E certamente não é preciso um intelecto superior e ou uma mega pesquisa para se dar conta desse fato.
Ainda hoje em nosso país ser músico é uma tarefa árdua, são muitos os obstáculos que derivam todos do fato de que a arte por aqui não é vista como um ofício, como um trabalho e não meramente como visibilidade que ademais independe da qualidade. Ao mesmo tempo, se tem a ingênua ideia de que fazer música é fruto da inspiração e que tocar com excelência é fruto de um dom. Dom e inspiração são conceitos muito mal elaborados, no final das contas é o estudo, o exercício paciente o verdadeiro responsável pelo desenvolvimento em qualquer área onde a criatividade e o pensamento incidam, ter facilidade é apenas um convite, ter talento é apenas uma oportunidade.
A história de Jorge Dubman é muito parecida com a de muitos meninos negros da cidade de Salvador, que carregam em seus corpos as vibrações dos tambores, que emulam em sua vida os ritmos afro-diaspóricos que aqui emanam de todo canto. Porém, diferentemente da maioria, Jorge assumiu a missão, entendeu desde cedo que era necessário expandir e conjugar as diversas influências às quais estava exposto; Cria do bairro de Castelo Branco, aos poucos Dubman elevou os batuques com as latas de tinta, junto aos parceirinhos no quintal de casa à uma missão de vida!
Os candomblés na divisa da Rua G de Castelo Branco com o bairro de Águas Claras, se juntou ao impulso de reproduzir os toques dos blocos afro de Salvador, e em breve o menino iria tomar aula com Geraldo Cristal de lambuja. O seu mano, Átila Coutinho tomava aula com Geraldo e Jorge ficava do lado assistindo. No olhômetro, Jorge Dubman acompanhava Átila nos ensaios de bandas, até que alguém notou que o pivete que sentava na “batera” nos intervalos, já segurava a onda com qualidade. E nesse percurso, Dubman passou a dar conta das Gigs que Coutinho não tinha condições, por ser muito requisitado.
Sua mãe, que lhe avisava para não reproduzir os toques de candomblés, possuía uma imensa discoteca de reggae, onde desde cedo Dubman foi se inserindo. E diante dessa formação, Jorge Dubman pegou a base que iria desenvolver e expandir até se tornar um dos bateristas mais bem informados do reggae nacional.
Primeiramente baterista, ao longo dos seus 40 anos o artista acumulou uma pesquisa que se expressa na multiplicidade de sons que constrói. Segundamente admirador e pesquisador como poucos do underground do rap mundial, aos poucos a artesania e o talento reconhecidos cedo, se tornaram múltiplos, precisaram desaguar como uma outra expressão musical. Foi esse processo que rompeu os limites entre orgânico e digital, dando vida ao Dr. Drumah.
Como baterista, o músico encabeçou projetos como o Dubstereo e IFÁ, junto a outros grandes nomes que produziram discos impecáveis e pequenos clássicos obscuros da música preta brasileira. Indo do Reggae ao Afrobeat com uma desenvoltura técnica absurda, Jorge Dubman produz grooves infinitos que dialogam com a expertise técnica, fruto do conhecimento histórico de estudioso autodidata, com um feeling que não deixa a virtuosidade lhe sobrepujar. Não obstante, essa carga histórica se conjuga com o seu amplo conhecimento da história do hip-hop, com as máquinas e nesse aspecto o “Dubman” se transforma no ciborgue: Dr. Drumah, um beatmaker de notório saber e reconhecimento internacional!
São muitas as contribuições à música baiana e brasileira, uma produção invejável de discos, e em grupos como os acima mencionados. É uma das figuras mais interessantes e sobretudo atuantes no cenário musical baiano, um mestre na melhor acepção da palavra e o melhor de tudo: vivo. O racismo presente na estrutura de nossa sociedade é junto a ignorância do que seja arte, da importância da música em nossas vidas e no coletivo social de todo modo, um empecilho ao reconhecimento. Jorge Dubman aka Dr. Drumah está aí e se você admira música, precisa conhecer melhor o trabalho dele.
-Jorge Dubman aka Dr. Drumah, um mestre vivo dos grooves infinitos
Por Danilo Cruz
As imagens desta matéria são de autoria de Glauco Neves