Jorge Ben (1969) Aniversário de 50 anos do disco em que o grande mestre carioca se reinventou, apresentando-nos o maravilhoso Trio Mocotó!
O final da década de 60 do século passado testumanhava ao redor do mundo, uma série de transformações políticas e sociais de toda ordem, no Brasil já amargávamos havia 5 anos, uma ditadura militar assassina e que encrudescia a olhos vistos, com a publicação do Ato Institucional nº 5. O tropicalismo, movimento musical que revolucionou a música popular dois anos antes, já começava a dar sinais de cansaço.
Dentro desse contexto, o incotornável e inclassificável Jorge Ben, se encontrava num terreno pegajoso e indefinido em sua carreira. Após Samba Esquema Novo (1963) disco que marcou seu violão ritmico de uma vez por todas na música brasileira, tinha estagnado sua fórmula musical. Estagnado no sentido de que precisava como real criador que é, buscar outras formas musicais de expressão. Depois do sucesso esmagador de seu disco de estreia, um clássico imediato, que apresentava um estilo vocal, de composição e uma forma de tocar violão, nunca antes visto na história desse país, o Ben precisava se reinventar.
Já tinha lançado três outros bons discos Sacundin Ben Samba (1964), Ben é Samba Bom (1964) e o delicioso Big Ben (1965). Todos eles dentro de um estética onde o samba jazz é quem dava a tônica de acompanhamento – banda – do seu violão. Onde a bossa nova pedia elegância e comedimento, Ben fazia o bom samba de morro, subvertendo a estrutura então dominante utilizando os grandes músicos que o acompanhavam com um vigor inaugural.
Inclusive valeria a pena em algum momento, uma analise de como Jorge Ben também acrescentou uma agressividade rítmica nesses grupos de samba jazz, que não estão presentens em seus albuns. É importante mencionar que os arranjos dos três primeiros discos do Ben, tinham o J.T. Meirelles como responsável. Os Copa 5 (banda do Meireles) e o Bossa Três, eram suas bandas de apoio então.
Em 1967, Jorge Ben se propoe a flertar com a jovem guarda e lança O Bidú: Silêncio no Brooklin (1967), com produção Roberto Cortê-Real, acompanhamento do The Fevers e parceria com Erasmo Carlos na deliciosa “Menina Gata Augusta“. O resultado é mais um daquele discos ímpares, com algumas músicas que resistiram muito bem a passagem do tempo, uma miscelânea de sons e ritmos, algo como um experimentação para o que viria a seguir, que ele chamou de Jovem Samba na época.
Consideramos O Bidú, como um disco de transição, entre sua fase samba jazz e o samba rock que ele inauguraria com maestria em Jorge Ben (1969). É exatamente a mudança do Beco das Garrafas(RJ) para a boate Jogral (SP) que possibilirará a criação em conjunto com o maravilhoso Trio Mocotó, da marca registrada, uma delas, da música do Jorge Ben.
E é numa dessas canjas que tinham se tornado frequentes com Jorge Ben morando em São Paulo, que o Trio Mocotó é batizado informalmente por Jorge Ben que compôs “Eu quero Mocotó“, música defendida no festival da canção pelo grande maestro Erlon Chaves e a Banda Veneno. A gíria mocotó provinha das pernocas de fora dos brotinhos que tinham então conquistado a mini saia, assim como de uma ambiguidade entre as partes íntimas e as pernas das gatinhas que frequentavam a boate. Ali mesmo na boate, o grupo recem unido assina com a gravadora Phillips e então teremos o primeiro registro dessa união em disco.
Em seu maravilhoso Jorge Ben (1969), o cantor e compositor convocou duas feras para os arranjos, José Briamonte e ninguém menos que Rogério Duprat, o maestro arranjador mais inventivo da Tropicalia. A capa deslumbrante é obra do pintor e artista plástico Albery, e também dialoga com a estética tropicalista.
O disco abre com uma sequência matadora de 4 canções em homenagem às mulheres, sob prismas diferentes a cada vez. Que não reste dúvida alguma, Jorge Ben foi quem compôs e cantou melhor as mulheres desse país, entre outros feitos.
Em Barbarella podemos perceber o artista roçando na tropicália sem perder um milimetro de seu estilo único e original. O samba rock tá lá, a batida do seu violão inconfundível está lá, sua forma de composição capaz de produzir as imagens mais loucas e singelas estão lá. No entanto, a homenagem a Jane Fonda que interpreta uma heroína nesse Sci-fi Barbarella (1968) dirigido pelo grande cineasta francês Roger Vadim, é um delicioso exercício por parte do maestro Duprat, que cria com uma orquestra sons que remetem a esse clima de ficção científica.
Como dissemos acima, o clima naquele período ali pelos fins dos anos 60 estava numa disputa ideológica muito grande, e Jorge Ben que nunca levantou bandeira alguma, foi vítima de fogo cruzado. Por conta de “País Tropical”, a esquerda o condenava por cantar uma música que consideravam ufanista e patriótica demais para um país que vivia numa ferrenha ditadura. Por sua vez, a ignorância dos orgãos de censura da ditadura consideravam o dialeto presente no final da canção, algum tipo de código subversivo.
Mas a coisa não para por aí, Juca Chaves, cantor, compositor e comediante, tendo ouvido a música (País Tropical) que foi lançada pelo grande Wilson Simonal em setembro de 1969, se indiginou e mandou uma resposta. Lançou uma sátira chama Paris Tropical, que recebeu uma tréplica pesada em seguida com Aleluia Aleluia, onde entre outras pedradas Jorge dizia: Eu prefiro ser um durão aqui, do que um bicão lá fora. Juca Chaves não segurou a onda e desistiu da disputa e lançou a apaziguadora Take Me Back To Piauí.
Para além da curiosidade histórica dessa disputa, é bom lembrar que foi tal procedimento de patrulha ideológica e de racismo que fez o genial Simonal sucumbir, condenando-o ao ostracismo e ao alcoolismo. O fato interessante é que mesmo se abstendo da disputa então em vigor entre esquerda e direita na política institucional, Jorge Ben, no longinquo 69 já levantava bandeiras que somente hoje estão em pauta. “Take It Easy My Brother Charles”, é uma música que além do swingue irresistível, é um belo libelo sobre liberdade intelectual e direcionada a um irmão de cor.
Da mesma forma que em Barbarella, “Descobri Que Sou Um Anjo”, recebe outro arranjo arrojado do grande Rogério Duprat. A música seria “continuada” dois anos depois na deliciosa Porque é Proibido Pisar Na Grama, presente em Negro é Lindo (1971), disco sobre o qual já escrevemos. O balanço matador do samba rock do Ben segue com a divertida Bebete Vambora, com o malandro com medo da demissão compulsória e tentando convencer Bebete a ir pra casa! Um das características mais bonitas de sua música, é a alegria e o humor, presente em canções irreverentes como no exemplo acima.
Quem Roubou A Sopeira De Porcelana Chinesa Que a Vovó Ganhou da Baronesa? Essa é realmente uma questão, e nos leva a pensar na quantidade de assuntos absurdos Jorge Ben conseguiu com sucesso converter em músicas lindas. Existe uma melancólia gostosa nesse sambinha dolente aqui, há uma doçura diante da perda de um objeto que remitia a vovó a um passado. Sem dúvida, é a música mais linda feita para as vovós de todo o mundo e em todos os tempos.
Os arranjos do grande José Briamonte que estão em 9 das 11 faixas do disco, encontra em “Que Pena (Ela Já Não Gosta Mais de Mim)”, com uma orquestração de cordas e metais de primeiríssima. E mais uma vez, Jorge Ben consegue subverter o enredo que se previa triste, já que ela não gosta mais de mim, logo devo sofrer, não no caso de Jorge, é uma pena realmente mas é vida que segue.
O importante Festival Internacional da Canção de 1969, teve com vencedora Evinha que defendeu a canção Cantiga Por Luciana (Edmundo Souto e Paulinho Tapajós), mas Jorge Ben também participou desse festival. Acompanhado do Trio Mocotó e orquestra,o carioca mandou Charles Anjo 45, uma singela homenagem a um malandro dos morros cariocas, o único que era capaz de pacificar o local. Um anjo que portava uma .45 e que foi trancafiado numa colônia penal contra sua própria vontade, e deixando assim o morro em polvorosa. A música fecha o disco, com a versão ao vivo defendida no festival.
Sem dúvida alguma, Jorge Ben (1969) é certamente um dos grandes discos da carreira desse que é um dos maiores invetores da música brasileira, um dos pouquissimo a possuir um estilo único e extremamente singular de tocar e compor, de cantar e performar suas canções. Como dizem hoje em dia: Fica a dica.