John Frusciante: música boa é música de graça

Hoje acordei mais lerdo do que o normal, mas enfim. Para o início deste dia planejei o de sempre, acordar e sair da cama. Enquanto chegava na cozinha pra tomar uma água e acabar o ritual para me declarar finalmente desperto, lembrei de checar meus e-mails, afinal de contas, mesmo em tempos de crise, é sempre bom ficar ligado para não perder eventuais entrevistas.
Dito e feito, matei o copo e vim para a sala, o computador já estava ligado (esqueci o bicho na tomada outra vez), e segui, sem lamentações quanto ao vício da bateria, para a minha conta no Gmail. Depois de efetuar o log in vi que não tinha nada novo, aparentemente as grandes corporações possuem algo contra minha pessoa e mais um dia se passou sem nenhuma chance de estágio.
Mas tinha um remetente estranho na jogada, e dessa vez não era o Groupon com seus contatos mais absusados que seu amigo abrindo a geladeira e reclamando que não tem comida. Lá estava um e-mail de um cara que nunca ousou me responder no mundo da internet, sim, hoje eu acordei e recebi um contato do mestre John Frusciante.
Piadas e relatos poéticos à parte, todos que um dia visitaram o Bandcamp do cidadão receberam esse contato. Na realidade o conteúdo da mensagem foi o mesmo para todos, mas o que fica é a visão de um cara que realmente entende o meio em que habita-e-atua, mesmo quando muitos xingam sua persona. 
John esvaziou seus rolos de fita e liberou mais de 90 minutos de novidades experimentais. Solos de guitarra, improvisos… Sons que mostram como o músico alcançou um status de liberdade plena, algo que não é comum na indústria deste milênio.
E o mais interessante não são apenas as faixas, o que deixou seus fãs de queixo caído foi a carta aberta que acompanhou todo esse banquete sonoro. Por isso, não vou explanar, deixarei que John o faça, quero apenas dividir tudo isso com os senhores, por isso, eis aqui a já citada carta (devidamente traduzida) e no fim, apertem play em alguns dos sons que o mestre nos deu.

A carta

Agora tenho uma página no Bandcamp e uma página no Soundcloud e coloquei um monte de músicas inéditas do meu passado. Meu próprio nome foi tomado por várias pessoas, por isso se chamam jfdirectlyfromjf.bandcamp.com e soundcloud.com/jfdirectlyfromjf.
No momento, subi dezenove minutos de um grupo de seis músicas gravadas em um gravador de quatro faixas em maio de 2010, sendo a instrumentação composta por três guitarras e uma drum machine. São vários estranhos solos de guitarra anti-rockstar, tocados principalmente em uma guitarra Mosrite Ventures e uma Yamaha SG, acompanhadas por uma Elektron Machinedrum, com exceção de uma música em que eu usei uma Roland TR 707, e outra em que uma 707 foi utilizada, mas não está na mixagem.
Também subi uma coleção de 37 minutos de músicas feitas entre 2009 e 2011, que foram todas gravadas em meu estúdio principal durante as várias etapas de seus desenvolvimentos, bem como várias fases do meu desenvolvimento como engenheiro.
Além disso, você vai encontrar nestas páginas a versão completa de 20 minutos de “Sect In Sgt”, com todos os meus samples em sua totalidade. A versão online que havia antes sob o nome Trickfinger omitia os primeiros cinco minutos da música.
Além disso, há uma interpretação da música “Fight for Love” do filme Casa De Mi Padre, gravada numa tarde ensolarada de novembro de 2013 por Omar Rodriguez e eu, além de “Medre”, uma faixa gravada em 2008, e uma versão de apenas vocal e guitarra da música “Zone”, do meu álbum Enclosure.
Essas músicas são todas livres de custo para o público e podem ser baixadas ou transmitidas no Bandcamp e Soundcloud. Com exceção de “Zone”, todas as músicas foram feitas puramente por uma questão de fazer música, ao invés de lançar e vender. Em outras palavras, “Zone” é a única música que estava destinada a estar em um álbum.
Quando alguém lança música em uma gravadora, está vendendo-a, não dando-a. A arte é uma questão de dar. Se eu cantar uma música para uma amiga, vai de mim para ela, sem nenhum custo. Isso é dar. Se eu vender um objeto, não quer dizer que eu te dei esse objeto. Artistas de gravação estão “dando” música ao público através da venda há tanto tempo que hoje pensamos que artistas vendidos (sell-outs) são músicos dedicados que amam tanto seu público que agressivamente vendem produtos e se vendem como uma imagem e personalidade para um público em geral tão agressivamente quanto. Vendido (sell-outs) é um termo antiquado que, quando eu era um garoto, se referia aos artistas que adoravam fazer dinheiro mais do que fazer música. A palavra indicava uma falta de integridade artística. Ser vendido (sell-outs) é uma merda, na minha opinião. É uma vergonha ter se tornado tão normal, esperado e aceitável ser isso. Quando eu era adolescente, era muito comum que pessoas que amavam música insultassem um artista de gravação por ser ou ter se tornado um vendido. Acredito que este era um instinto muito saudável por parte dos amantes da música.
Dar às pessoas música gratuitamente online ser tão comum nos dias de hoje é um bom lembrete de que a expressão artística é sempre uma questão de dar, não de tomar ou de vender. Vender é a parte de fazer dinheiro, e a expressão artística, a criação, é a parte de dar. São distintas uma da outra, e é minha convicção que música deve ser sempre feita porque se ama a música, não importando se há planos de vendê-la ou não. A criação é a fonte da vida, enquanto ganhar dinheiro é o que as pessoas fazem para comprar comida, roupa, teto, necessidades, conforto e, em alguns casos, exercer a sua ganância em outros.

O prazer é meu de dar a vocês essas músicas. Às vezes vou anunciar aqui no meu site que postei músicas nesses lugares, e outras vezes não. Qualquer música que eu compartilhar aqui no meu site agora será ligada à minha página do Soundcloud.
Eu também devo esclarecer uma coisa. Normalmente não leio minhas entrevistas, mas ouvi sobre uma citação recentemente tirada de contexto por algum site idiota e transformada em manchete, em que eu disse: “Eu não tenho público”. Isso tem sido mal interpretado, e não por culpa da excelente jornalista que me entrevistou para a boa publicação do Electronic Beats. Desde que deixei a minha antiga banda em 2008, eu fiz música especificamente para aprender e para fazer a música que eu queria ouvir, sem um público em mente. No entanto, entre 2008 e 2013, cada vez que eu gravava uma faixa, eu mandava para Aaron Funk e Chris McDonald, que são meus companheiros de Speed Dealer Moms, e muitas vezes para alguns outros amigos. Logo no início deste período, percebi que quem eu tinha mandado minha música ou tocado minha música tinha se tornado meu “público”, ou seja, as pessoas para quem destinei minha música.
Mesmo quando você faz música puramente por uma questão de fazer, como eu faço, às vezes ajuda ter amigos que você conhece ouvidos e gostos no fundo da sua cabeça quando você está criando. Mas isso também pode colocá-lo em uma camisa de força, assim como visar sua música para a massa pode. Portanto, em janeiro de 2014, eu decidi parar de ter um “público” nesse sentido, e por isso parei de terminar músicas ou enviar o que eu estava fazendo para amigos, e comecei a fazer um monte de músicas de uma só vez, em vez de uma de cada vez. Isso libertou a minha mente para que eu pudesse fazer música apenas para ouvi-la e viver com ela, a fim de crescer em uma direção diferente por um tempo. Não foi uma decisão permanente. Na verdade, já passei dessa fase. Trickfinger não é o meu último álbum e eu nunca disse que era, como foi alegado por esse site bobo.
Obviamente, eu tenho um público. Estou ciente deles, e eles sabem quem são. Quando eu disse “Nesse momento, eu não tenho público”, eu quis dizer “público” no sentido figurado de pessoas que eu tenho em mente quando eu estou criando, que eu pretendo enviar minha música ou tocar. Na entrevista original, eu tinha deixado isso claro em uma frase anterior que não foi publicada, em que eu me lembro de dizer “Lá estava eu (em 2009) tentando fazer música sem um público em mente quando percebi que Aaron e Chris tinham se tornado o meu público”. Então, quando eu disse mais tarde “Neste momento, eu não tenho público”, a jornalista sabia que eu não estava me referindo ao público. No contexto do artigo do Electronic Beats, que foi em relação a um álbum de música que não foi originalmente destinado a ser ouvido pelo público, eu acredito que fui claro.
Reduzindo a uma única frase, teria sido correto dizer que, neste momento, não tenho um público específico em mente enquanto estou fazendo música. Pensar desta forma me dá uma certa liberdade e estimula o crescimento e a mudança. É um estado de espírito que tem sido extremamente útil para mim de vez em quando ao longo destes últimos vinte e sete anos sendo um músico profissional.
Sou grato que eu ainda tenha um público, considerando que eu não faço música pré-concebida para estar em conformidade com “o que as pessoas querem”. Eu acho que as pessoas não sabem o que querem, e sim que o público pensa que os artistas devem soar como seu público espera que eles soem. O público em geral não “queria” a música de Jimi Hendrix antes de 1967. Eles não sabiam que tais sons eram possíveis. Como eles poderiam querer antes de ouvirem aquilo? Será que o público “queria” Sgt. Peppers antes de ele sair? Isso teria sido impossível, porque nenhum álbum soava remotamente parecido com aquilo. No entanto, os músicos que visam tornar-se ou permanecer popular, chegaram a este hábito estúpido de tentar dar ao público “o que eles querem”. Fiz uma boa vida fazendo isso por anos e em 2008 decidi que eu nunca iria atender às pessoas que acreditam que o dever de um músico é dar ao público “o que eles querem”, nunca mais. Eu tenho excelentes relações com as duas gravadoras independentes que divulgam a minha música, e como eu, elas não visam as massas.
No jargão da indústria mainstream, um artista que tem um público pequeno “não tem público”. Eu sempre desprezei essa expressão, porque implica que o público com gosto incomum são nulidades, ao invés de pessoas reais. Eu certamente não penso assim. Amo as pessoas e não gosto de vê-las desvalorizadas. Fico feliz que as pessoas continuem seguindo o que eu fiz para manter suas mentes ativas e abertas. E estou satisfeito que fãs de rock não são as únicas pessoas ouvindo o que eu fiz. Obrigado a todos por existirem.

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