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JOCA nos ensina a ampliar perspectivas: A Salvação é Pelo Risco (2019)

JOCA nos ensina a ampliar perspectivas: A Salvação é Pelo Risco (2019), um dos melhores discos ao qual tivemos contato, um artista pronto!!!

“A rejeição que traz revolta, também causa dor.”

No ano passado foi a vez de Trevo, o rapper baiano lançou seu disco de estréia, o maravilhoso Nada Novo Sob o Sol (2018) e foi calado solenemente por midia e público. Mas por que começar um texto do JOCA e do seu fantástico “Show”, falando de outro artista e disco? Simples, meu queridos e queridas. Nós que amamos muito algo, devemos estar muito atentos ao perigos que o amor nos apresenta, não o amor propriamente, mas uma certa visão exclusivista que nutrimos.

Se você acompanha o Oganpazan, deve ter percebido que levantamos algumas questões referentes a listas do ano, e a algumas problemáticas que ao nosso ver estão intrinsecamente ligadas a elas. Como alguém que tenta ouvir o máximo de lançamentos do rap brasileiro, e visibilizar/pensar trabalhos que são muitas vezes ignorados, que entende que o hip hop deve sempre buscar o crescimento coletivo, estamos sempre pensando em como o mercado, o público e a mídia tratam a cena nacional. E é nesse contexto que o JOCA e o seu disco entram…

Nesse sentido, o Trevo e o Joca, assim como a nabru e o Marcola, Teagacê e Rap Plus Size, e muitos outros estão abraçados, de mãos dadas diante de um olhar viciado que privilegia treta, besteiras, e reafirmação de artistas de renome que lançam trabalhos medianos. Mas para além desse circuito comprado e escroto, tem um pequeno e enorme problema. Se as listas realmente informam e oportunizam, o que é uma mentira deslavada, porque esses nomes acima mencionados não estão nelas. Nós sabemos o porque, mas de agora em diante dedicaremos o nosso tempo única e exclusivamente para contrapor essas farsas. 

E essa reflexão parte muito do JOCA, que nos incutiu com seu disco de estreia A Salvação é Pelo Risco: O Show do Joca (2019), essa necessidade. Devemos nos arriscar a não estacionar, não fazer balanço nenhum, devemos seguir os fluxos e ampliar dessa forma nossa percepção da realidade, afinando nossos senso critico e ao mesmo tempo azeitando cada vez mais rapidamente nossos pensamentos. Ao ínvés de demolir o que é fake, devemos construir outro espaço, contra hegêmonico, local onde a resistência encontre livre passagem. Eles que fiquem com seu joguinho sujo.

O “show” que o rapper mineiro e radicado na região dos lagos nos apresenta em seu disco é exatamente a perfeita conexão entre linhas e batidas, através das quais, temos acesso a um transcendetal retirado das experiências do Joca. São apenas 8 faixas, mas somos presenteados com o infinto, nelas. E aqui, preciso agradecer ao mano Jef Rodrigues (OQUADRO), que numa noite de segunda feira nos enviou o link, assim como a Douglas Nobrega, que também insistiu para que ouvissemos, e fez uma excelente matéria sobre os trabalhos desse jovem rapaz.

Nessa fatidica noite de segunda em que ouvimos pela primeira vez o rapper carioca, a vida ganhou novas cores, e ao atravessar SalCity de uma ponta a outra, o disco não parou de tocar. O artista opera um rasgo no senso comum do rap nacional e apresenta um disco muito maduro, de algum modo com a mesma sensibilidade tranquila que o Trevo apresentou no ano passado. São jovens muito experimentados, muito refletidos, não há sinal em suas artes de inconsequência juvenil, isso nos parece ser uma espécie de incorporação ancestral de tudo que o Hip Hop possui de melhor.

“Nós tamo ai né? Tentando encontrar algum lugar que a gente caiba”   

A musicalidade presente em seu disco de estréia não tem paralelos no rap nacional em 2019, mas vejam, isso não é um rankeamento, é apenas a constatação de que em seu álbum uma nova singularidade passa a habitar o cenário. Há muitas outras, mas as peçoa se ocupam em reclamar do que não gostam, pesquisem. O gado é também, uma espécie presente no rap nacional, sob diversas formas.

O groove constantemente apresentado pelo Joca ao longo do álbum é algo absurdo, sendo emoldurado ou atravessado por uma variação de flow que só encontra paralelo na afinação das ideias, que fogem ao consenso proposto no mainstream.

São sobretudo visões fragmentadas e interelacionadas sobre o amor, a cidade, a arte, onde percebemos o social ser atravessado pelo poeta, visões da janela de um ônibus. um sobrevoo pelas miudezas do cotidiano na direção do transcendetal. Os momentos de felicidade com os amigos, as mensagens do whatsapp, o queimar do cigarro, são algumas das esculturas em movimento, forjadas pelas palavras que são habilmente realocadas de um modo novo pela poesia do JOCA, a sintaxe e as melodias do artista, trazem para a gente todo o frescor necessário para que nossa vela infle. 

Aponta-se para o futuro numa velocidade fantástica, mas sem deixar de olhar para a tradição em “throwback”, um olhar que coloca-nos em suspensão durante toda a duração do disco, sem sinal de evolução, não há resquícios de novos sub-gêneros e o disco mesmo assim, fica em suspenso, diante de tudo que ouvimos esse ano. Um objeto não-identificado. Memória organizada e retrabalhada como exercício existencial de quem valoriza a duração, de quem lançou um puta disco, mas não arrota genialidade pela internet. Nada parece lhe abalar, e ao mesmo tempo sentimos na carne a lufada de humanidade que o disco transpira.

JOCA é o anti-buxixo, é conversa com a solidão, é a conversão sem gritos, pura meditação, rebolado latino na cara da medíocridade, viagem ao Níger para ouvir o blues de lá. São raras as menções a qualquer desagravo, desentendimento, a problemas que nos assolam a todos. JOCA tem em sua arte, aquele não sei o que, dificil de explicar. Um humor suave onde o escárnio parece grosseria. Por vezes, a sensação é de que quem flutua é o mundo e ele fica ali ancorado no nada, em outros momentos, nos parece um plano sequência interminável porque duradouro, onde o Mc atravessa a cidade registrando a bagunça como elemento motivador.

A arte do Joca é um vetor para quebrar qualquer eleição pseudo democrática, é a alegria anarquica toda bem trabalhada na expertise de um artista desconhecido, de alguém que lutou com os seus meios para alcançar essa segurança desleixada. É aquela capacidade de nos lembrar sem dizer nada sobre, que é a necessidade humana de se arriscar, a nossa maior motivação.

Sendo assim, voltamos ao começo do texto, apenas pra dizer que o que nos importa é a arte, dane-se os rankings, os apagamentos, seguiremos ampliando nosso horizonte de entendimento e de alcance. Como alguém que se dedica a escrever sobre rap, agradeço ao João Caetano por me inflar mais e mais a estar sempre a espreita do novo, a me arriscar ouvindo aquilo que não é falado, o que não é visto….

O resto é história!

 

Faixas de A SALVAÇÃO É PELO RISCO: O SHOW DO JOCA

ROMÃO: programação de samples e beat (faixa 01)
Rodrigo Maré: percussão (faixa 01)
Luigi Tedesco: baixo (faixas 01, 02, 06, 07)
Gabriel Medeiros: guitarra (faixas 01, 03, 04)
Ciana: voz (faixa 02)
Drei: programação de samples e beat (faixa 03)
Juliana Thiré: voz (faixa 03)
Gabriel Grabois: baixo (faixa 03)
Amauri: programação de samples e beat (faixa 05)
Alceu: voz (faixa 05)
Ivo Costa: guitarra (faixa 06 e 08)
Lucas LT: voz (faixa 06)
Jacquelone: programação de samples e beat (faixa 07)
Ana Frango Elétrico: voz (faixa 08)
Felipe Vellozo: baixo (faixa 08)

JOCA: voz, programação de samples e beat (faixas 02, 04, 06, 08), arranjo e direção musical

Ficha técnica:
produção musical: JOCA e Reurbana
concepção e direção artística: Manoel Manoel e JOCA
mixado e masterizado por: Ivo Costa
produção executiva: Rebeca Eler
foto de capa: Debeija

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