Oganpazan
Destaque, Discos, Resenha

Jimi Hendrix – Both Sides of the Sky (2018)

Jimi Hendrix faleceu há 48 anos, o que não é empecilho para continuar lançando novos álbuns!

A imortalidade de Hendrix  segue  atestada com o passar dos anos. Ao longo de 48 anos, desde sua morte prematura em 18 de setembro de 1970, álbuns póstumos não deixam de ser lançados. Graças a quantidade absurda de horas de gravação de jams com os amigos em apartamentos ou mesmo sessões de gravação de estúdio, Hendrix continua nos surpreendendo.

O cuidadoso trabalho “arqueológico” empreendido pelo produtor/ engenheiro de som,Eddie Kramer, que trabalhou com Hendrix durante muito tempo,  desde lançamento da primeira trilogia póstuma de Hendrix, iniciada pelo álbum The Cry of Love , passando por Rainbow Bridge, ambos lançados em 1971, e finalizanda com War Heroes de 1972, foi e ainda é importante para que novas gravações de Hendrix continuem sendo lançadas. 

Não por acaso, em 2009, quando o catálogo de Hendrix foi transferido para a Sonny, sua irmã Janie convocou Kramer para a tarefa de garimpar mais uma vez os jazigos sonoros deixados pelo O Guitarrista, para lançar uma nova trilogia. Lançado em 2010 Valleys of Neptune trás gravações feitas no início de 69 com os outros dois integrantes do power trio The Jimi Hendrix Experienced, o baixista Noel Redding e o baterista Mitch Mitchel, apresenta o primeiro capítulo da nova trilogia. Em seguida vem People, Hell & Angels de 2013. As gravações desse álbum focam o período de 69 em que Hendrix formou seu novo power trio, o Band of Gypsys, com Billy Cox no baixo e Buddy Milles na bateria. 

Both Sides of the Sky, lançado no dia 09 de março é oficialmente o terceiro álbum desta trilogia. As gravações nele compiladas abrangem o período entre 1968 e 1970, ou seja, do lançamento do último álbum de estúdio de Hendrix, e último álbum com o Experience, Eletric Ladyland, até sua morte em 1970, mesmo ano em que fora lançado seu único álbum à frente da Band of Gypsys, batizado com o mesmo nome do grupo.  Esta particularidade, inevitavelmente, leva-nos a conjecturar qual das duas bandas melhor serviu aos propósitos sonoros de Hendrix. Embora goste bastante das gravações com a Band of Gypsys, a meu ver, o Experience foi quem melhor aporte ofereceu ao guitarrista para o desenvolvimento de suas estruturas sonoras. Existe uma harmonia perfeita entre Jimi Hendrix e Mitch Mitchell, um vínculo musical indissolúvel. O estilo polirrítmico do baterista, permitiu ao guitarrista ter a liberdade necessária para explorar suas ideias, fortalecendo sua criatividade.   

Os integrantes de ambos os power trios formados por Hendrix estão presentes em algumas faixas dessa compilação, dando-nos a oportunidade de ouvir diversos estilos ao longo das 13 faixas. As raízes bluseiras, sempre presentes na música de Hendrix, não importando qual fase seja, não poderiam ser melhor reverenciadas. Manish Boy, o hino de Muddy Waters sobre a luta pelos direitos civis dos negros nos EUA, ganha roupagem groovada, funkeada, dando o ímpeto sexual sonoro aos dizeres da versão da letra de Hendrix, que convida à diversão. 

Lover Man, bluesão de autoria do próprio Hendrix, lançado postumamente em 1980 na compilação Nine to the Universe, recebe um tratamento funkeado nessa nova aparição, carregado de swing na levada de Buddy Milles. Clima leve em sua execução, temos um Hendrix ainda mais despojado, permitindo-se algumas brincadeiras, como encaixar o tema de Batman no meio da música. Na mesma pegada temos Power os Soul, faixa 06, carregada de densidade, temperada por um groove intempestivo, também acentuado pelos movimentos bem articulados pelas baquetas de Milles. 

Ainda tendo Buddy Milles na condução rítmica, Stepping Stone, faixa 04, afasta-se um pouco da grooveria para enfatizar uma pegada mais pesada e carregada. Ela se inicia numa condução militar, carregada na acentuação, que ganha um andamento mais rápido, num flerte íntimo com o rockabilly. Essa versão contrasta bastante com a que tem Mitch Mitchell na batera, esta mais cadenciada, swingada e, porque não dizer, sensual. Ambas as versões foram gravadas em 69, tendo 2 meses as separando. A versão com Mitchell foi lançada pela primeira vez no álbum póstumo War Heroes, lançado em 1972. 

Jungle, faixa 07, encerra a lista de músicas com participação de Buddy Milles. Dentre as faixas do álbum é a mais suave, explorando inicialmente sutilizas da balada, inclinada para pequenas investidas de funk. Trata-se de uma jam, que durante sua execução nos deixa sem saber para onde irá seguir. Quando passamos a formar uma vaga ideia dos caminhos a serem seguidos a música encerra abruptamente. 

No vídeo acima o produtor e engenheiro de som Eddie Kramer fala sobre a gravação de Lover Man que entrou para a compilação intitulada Both Sides of the Sky, lançada no dia 09 de março de 2018.

Hendrix presta homenagem à sua musa maior, Linda Keith, na faixa 12, Send My Love to Linda. Trata-se da pessoa responsável por criar as condições para que a carreira de Hendrix emplacasse. Em 1966 Linda mudou a história da música ao apresentar Hendrix à Chas Chandler, que na primeira oportunidade de conferir a performance do guitarrista ao vivo, logo tratou de se tornar seu empresário e levá-lo para a Inglaterra. Deu no que deu. 

Não a toa Send My Love to Linda soa intensa e tem mais da metade de sua duração de Hendrix cantando, em alguns momentos declamando, versos à Linda, num clima bem intimista e sensual. Passados esses 2 minutos e meio de Hendrix, sua guitarra e Linda, entra a banda e a guitarra passa a soar mais pesada, ganhando andamento mais rápido e tendo seu som revestido pela batera e baixo que surgem ao ouvirem a convocação do guitarrista.  A densidade e volume imprimidos na música a partir da entrada da banda, faz com que ganhe contornos próprios do que viria a ser o heavy metal, mas com algum swing grooveiro. Resultado interessante, que ao meu ver, garante lugar de destaque desta faixa, dando uma dimensão dos prováveis rumos que a sonoridade de Hendrix seguiria caso sua morte prematura não tivesse ocorrido. 

Em 1969 o Experience já não existia mais, porém, em abril deste ano, Noel Redding e Mitch Mitchell se uniram a Hendrix mais uma vez. Entraram no estúdio e gravaram esta versão da pesada do blues Hear My Train A Comin. Os caras aplicam um andamento mais arrastado carregando nas acentuações rítmicas, que mesmo de certa distância nos faz lembrar do Black Sabbath. Os bands feitos no lugar certo destacam momentos de forte tensão dramática da música. 

A suavidade da balada Sweet Angel, única faixa do álbum gravada em Londres, garante o contraste sonoro do álbum, marcado por pegada forte, groovada e com momentos de peso. Deparamo-nos com um Hendrix multi-instrumentista, que além da guitarra, toca o baixo e o vibrafone, que levam Hendrix a deixar o vocal, investindo apenas na expressão instrumental. A cargo da bateria, Mitch Mitchell, que também faz outro dueto com Hendrix, na faixa Cherokee Mist. 

Nesta faixa, escolhida para fechar o álbum, as raízes nativo americanas de Hendrix são invocadas. Graças ao contato íntimo com sua avó materna de origem cherokee, o guitarrista aprendeu a se orgulhar de sua ancestralidade nativo americana. Cherokee Mist expressa bem esse sentimento tão latente em Hendrix. Seu início tem a pulsação rítmica tribal bem marcada nos tambores por Mitchel. Quando o riff principal entra, ao fundo continua a marcação dos tambores. Guitarrista e baterista parecem ter sido dominados pela música, mergulhando num transe que os leva a improvisar livremente durante os minutos que se seguem. Variando tensão e alívio, ruídos e melodias, a dupla nos leva a imergir nesse transe coletivo. 

Vamos deixar de lado os velhos parceiros musicais de Hendrix e conferir suas novas conexões, apresentadas nesse álbum. Comecemos pela inédita $20 Fine, composição de Stephen Stills, que além de cantar, mostra suas habilidades no órgão. Essa música causou estardalhaço entre fans de Hendrix, justamente por ser completamente desconhecida de todos. Mas estava lá entre os arquivos do espólio do guitarrista. Novamente Hendrix toca guitarra e baixo, e além da companhia de Stills, tem seu velho companheiro Mitch Michell, mais o pianista Duane Hitchings nesta gravação. 

Ao longo de sua carreira Jimi Hendrix prestou homenagem aos músicos e bandas que admirava fazendo suas próprias versões das músicas dessa galera. Sempre fazendo arranjos completamente diferentes, tornando as músicas completamente diferentes de sua versão original e muitas vezes soando bem melhor. Podemos citar como exemplo All Along Watch Tower do Bob Dylan, Sunshine of Your Love do Cream, Wild Thing do The Troggs, Day Tripper dos Beatles, ficamos por aqui, a lista é imensa.

Lista que passa a contar com Woodstock da Joni Mitchell (confira aqui a versão original da Joni Mitchell). Tenho pra mim que o arranjo neste caso ficou sob responsabilidade de Stephen Stills, pois fica difícil ao ouvi-la não associa-la com a sonoridade da super banda Crosby, Stills, Nasch & YoungEssa versão conta com Hendrix no baixo, que ao lado de Buddy Miles na batera, imprime pegada funkeada da faixa.

Pra encerrar, vamos tratar de mais duas parcerias apresentadas neste registro. Comecemos por um velho amigo de Hendrix no mundo da música, Lonnie Youngblood, saxofonista com quem Hendrix tocou na sua velha banda Curtis Knight & The Squires. Em Both Sides of the Sky o registro do reencontro da guitarra com o saxofone está na faixa Georgia Blues. Além do sax Youngblood solta a voz poderosa, revelando todo seu potencial vocal.

Outra bluseira carregada de potência sonora é Things I Used to Do, que tem nada menos que Johnny Winter tocando um solo arrasador no meio da música, Eddie “Guitar Slim” Jones na slide guitar, Bill Cox no baixo e Dallas Taylor na bateria. 

Torçamos para que hajam novas relíquias ainda escondidas entre o material deixado pelo Hendrix e que nos sejam revelados ao longo dos próximos anos. Sabemos da existência de ao menos duas relíquias, os dois álbuns conceituais que vinham sendo trabalhados por Hendrix antes de sua morte. Tratam-se de First Rays Of The New Rising Sun (em 1997 foi lançado um álbum (aqui) com esse nome, porém era mais uma compilação de gravações do guitarrista) e o santo graal hendrixiano, o lendário Black Gold. O legado de Jimi Hendrix está consolidado há décadas, contudo, serão bem vindos novos lançamentos que revelem aos amantes da música mais sobre esse Deus do som!! 

Matérias Relacionadas

Se eu não tivesse batido a cabeça, jamais teria ouvido Blue Mitchell

Guilherme Espir
2 anos ago

Black Pantera é Consciência Negra

Carlim
4 anos ago

Tássia Reis: a rima e o canto de uma mulher preta Próspera!

Danilo
5 anos ago
Sair da versão mobile