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James Brown and The Famous Flames – Live At The Apollo

O que fazer quando você nasce morto? Qual será o ponto de partida de um negro de Toccoa, Georgia, que já veio ao mundo aos trancos e barrancos? Como será a vida de um ser que já sai superando a morte logo de início? 
São dezenas de questionamentos possíveis que foram direcionados à apenas um menino. Homem pequenino que teve que trabalhar em prostíbulos depois que seus pais o largaram com sua tia, foi lutador de boxe, membro de gangues apenas para se manter vivo e ainda passou pela cadeia um bocado de vezes.
Ser negro significa sair atrás de tudo e todos, automaticamente, só por que sua pele tem mais melanina do que a do seu vizinho branquela. Ser negro, muitas das vezes, significa que você foi feito para trabalhar igual um camelo, só por que foi pré-estabelecido que sua pessoa não possui as ferramentas necessárias para subir na vida.

As vezes saímos do nada e não chegamos a lugar nenhum. Em certas oportunidades, brancos já surgem no topo e apenas mantém o cargo. Só que em quase todas as grandes histórias, os negros saíram do nada, batalharam contra uma mortalidade absurda no racista Estados Unidos dos anos 30, 40 50, 60 (podemos contar até amanhã de manhã) e viraram mitos graças a um pouco de sorte e muita vontade de explodir os programas de integração social.

Foi nesse panorama caótico que James Brown, morreu, depois nasceu, cresceu e virou um mito. Poucos homens LETRADOS, entendiam a vida como esse cidadão o fez e sua música foi o estopim para que muita coisa acontecesse de fato.

Brown esfregava seu sucesso na cara da elite branca e mostrava que ele, sem estudo, virou um xamã por que seguiu suas próprias regras. Não, ele não precisou entrar em programas assistencialistas com brancos, como se a elite sem melanina, necessitasse se habituar a um mesmo povo, só pela cor da pele. Jamé, não este Brown!

No fundo, Jimmy (o mesmo odiava esse apelido), sabia que sempre seria subjugado. Nunca lhe faltou convicção de que não acreditariam nele, logo, não importasse o qão bom ele fosse, sempre teria um corvo para reclamar de suas ações. Seja ele o prefeito, o presidente, seus iguais (vai entender!) ou toda a malha de figurões que o elegeram como o homem de negócios do ano em 1969.

O Soul era a verdade. James falou isso meu caro, não sou eu que estou digitando. No começo o ideal era levar o sentimento, que no final das contas era a verdade e que pulsava com a paixão pela revolução que o criador disso tudo almejava conquistar com sua música.

O groove era o UM, a essência do caos erótico, suxualmente fervilhante e apoteótico que Brown fazia questão de registrar. Se você não saca a marcação do UM, rapaz, você não é digno do Funk que escutas, mas se manjas a ideia da marcação do tempo, és capaz de compreender todo o peso do poder rítmico.

Consegue colocar o ”Live At The Apollo” na vitrola e entender o motivo pelo qual o próprio intérprete resolveu pagar por esse trabalho. Ele sabia que seus incontáveis singles pela King Records não lhe representavam, ele precisa do Apollo, assim como o Apollo precisava dele.

E esse disco é um marco, pois foi a primeira vez que ambos puderam ser sinceros um com o outro. Groove cara a cara, Soul frente a frente com o papo reto do The Famous Flames ajudando na contenção do sentimento.

Line Up:
James Brown (vocal)
Bobby Bird (vocal/teclado)
Bobby Bennett (vocal)
Lloyd Stallworth (vocal)
Lewis Hamlin (trompete)
Hubert Perry (baixo)
Sam Latham (bateria)
Les Buie (guitarra)
Clayton Fillyau (bateria)
Lucas ”Fats” Gonder (órgão/mestre de cerimônias)
Dickie Wells (trombone)
Mack Johnson (trompete)
Teddy Washinton (trompete)
Al ”Brisco” Clark (saxofone)
Cliford MacMillan (saxofone)
St. Clair Pinkney (saxofone)

Track List:
”Introduction To James Brown and The Famous Flames”
”I’ll Go Crazy”
”Try Me”
”Think”
”I Don’t Mind”
”Lost Someone”
”Medley: Please, Please, Please/You’ve Got The Power/I Found Someone/Why Do You Do Me/I Want You So Bad/I Love You, Yes I Do/Strange Things Happen/Bewildered/Please, Please, Please”

”Night Train”

Gravado no dia 24 de outubro de 1962, ”Live At The Apollo” é um dos maiores live’s da história da música, um dos mais vendidos (passou 66 semanas na lista de discos Pop’s da Billboard) e também foi o disco responsável por alçar o sex machine ao estrelato.

Esse LP foi a bomba, aquele riff que consagra gênios, o burburinho que faltava para que James conseguisse provar o óbvio: seu Soul era ignorável. Valeu a pena ter infernizado a vida dos chefões da King, afinal de contas, estes, assim como outros magnatas da indústria fonográfico do período, trabalhavam da mesma maneira.

Primeiro eles arrumavam um bom músico, depois faziam-no gravar single atrás de single e, com isso, tocavam o barco. Só que Brown sacou que com essa atmosfera curta, seria impossível conseguir propagar toda a força de suas ideias, todo o teor ácido de sua banda e a combustão swingada que era sua voz.

Ele sabia que seu show era bom. O negrão era convencido pacas, mas ele sabia o que estava fazendo, por isso que junto de seu manager, Bud Hobgood, o ex engraxate pressionou Syd Nathan, o chefão do selo, e fez questão de mostrar quem mandava na Jukebox.

Temos aqui pouco mais de meia hora de caos, barulho, berros, suor e Soul. Experimente ouvir qualquer disco ao vivo, lhe desafio a encontrar uma platéia tão elétrica igual ouvimos entre os intervalos de corte da track list.

Lançado em maio de 1963, o primeiro disco ao vivo da carreira do Mr. Dynamite é tão poderoso que quando foi entregue aos DJ’s, para a clássica ”promoção de lançamento”, nenhum deles conseguia colocar uma faixa separada. O LP era tocado na íntegra e o único intervalo existente era o pit stop para mudar a bolacha de lado, característica que comprova a veracidade mor do Funk: o groove é indivisível.

Temos aqui 8 faixas e um Medley homérico. Os caras do The Famous Flames, apesar de não terem sido creditos (na época), foram importantíssimos neste registro. Capitaneados por Bobby Bird, braço direito do Funk Browneano durante décadas, o trio esbanjava entrosamento e a afinação dos caras começou a somar no jingado do mestre, logo depois que Lucas ”Fats” Gonder, o Bruce Buffer do Soul, fez questão introduzir o Funk personificado à platéia.

Dai pra frente a panela de pressão explode de maneira controlada. Take após take, começando com a classe de ”I’ll Go Crazy” e as vozes em pura sintonia do trio Bobby Bird, Lloyd Stallworth e Bobby Bennett.

Repare na gritaria entre os intervalos. Brown mostra seu lado romântico até quando quer ser um sacana. ”Try Me” é a o apogeu da malandragem de seu fraseado, justificando um gíria que garotos negros utilizavam para desafiar a mulherada.

Questionando métodos dançantes com a força dos metais em ”Think”, demonstrando autoconfiança em excesso com ”I Don’t Mind” e escancarando seu lado humano com um dos lamentos mais inestimáveis de nosso tempo. Falo sobre o nobre e puro sentimento que nos arrepia quando a cataclísmica versão de ”Lost Someone”, e seus mais de 10 minutos, entram desfilando pelos falantes.

Agora, com o público na mão, é até crueldade o que surge à seguir, mas nem tem como remediar o maior pico deste clássico. Na hora que o medley de ”Please, Please, Please”, ”You’ve Got The Power”, ”Love You, Yes I Do” e mais uma fileira de hits, adentra o recinto… É nesse exato momento que tudo se perde, baby.

A platéia apenas dança e em pouco mais de 6 minutos James mostra como só o verdadeiro Soul faz as mulheres mexerem a maior paixão do brasileiro. Depois de ouvir esse disco é impossível pensar que esse nível de sinergia seja igualado um dia.

A história nos mostra que James imaginou tudo isso, lutou para realizar o projeto e até financiou a empreitada com cash de seu próprio bolso. Acredito piamente que momentos como esse não sejam arquitetados de maneira 100% cerebral, mas se ele formulou tudo nos mínimos detalhes, meus amigos, essa é apenas mais uma prova de como esse cara era diferenciado.

Finalize o disco com ”Night Train” e apenas pense no futuro. Guarde seu exemplar com carinho, conserve o cheiro de slap para as próximas gerações e deixe que, assim como eu e você, neste momento, sua futura linhagem sinta o que poucos conseguiram levar como sensações ao ouvinte e o que muitos resenhistas tentam explicar, mas falham miseralvemente em virtude da mística do Rei do Soul.

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