Baterista essencial do reggae e da música nacional, conheça a história do mestre Jair Soares, músico que aos 66 anos segue firme e forte!
Um vídeo gravado em 2003, chamou a atenção de muitas pessoas interessadas em música. O vídeo em questão, era o documentário curta metragem “Conta o Sistema”, que apresentava o baterista Jair Soares expondo seus pensamentos sobre música e política de uma forma muito impactante. Ao mesmo tempo, que o capturava entrecortando suas falas com uma apresentação capturada na rua, mas precisamente no Minhocão em São Paulo. Ali toda a sua técnica musical se sobressaia, na mesma toada arrebatadora dos seus pensamentos.
Em um país como o nosso, onde músicos nunca são admirados, muitos puderam ali ter um vislumbre da força da arte e do pensamento de um nome infelizmente desconhecido por muitos, mas fundamental para os rumos da música nacional. Alguém que apesar de ser um dos grandes construtores da música nacional, permanece desconhecido dos influencers, pseudo-críticos e da nossa história. Responsável, obviamente não sozinho, pela efervescência da música reggae nacional, como um dos pilares técnicos e criativos do cenário da música jamaicana na Bahia e no Rio de Janeiro.
O contato com Jair Soares se tornou inevitável à medida em que comecei a pesquisar a música reggae nacional e sobretudo após entrevistar Lazzo Matumbi, no ano passado, pela ocasião dos 40 anos do lançamento de seu álbum de estreia: Viver Sentir e Amar de 1983; Em uma conversa por telefone, após localizar o mestre em Petrópolis no estado do Rio de Janeiro onde reside atualmente, Jair condensou ao longo de 3 horas de bate papo, sua história e a forma como esta, está entrelaçada no próprio desenvolvimento da música popular negra da Bahia e no Brasil.
O texto que se segue é a transposição deste bate papo, pontuado por pesquisas e entrevistas com nomes como Jorjão Bafafé, Ruy de Brito e João Teoria, companheiros de Jair Soares do início dos anos 80, que viram in loco estes acontecimentos. Outras informações, citadas por Jair foram devidamente comprovadas em pesquisas pela internet que o colocam no centro dos fatos históricos aqui mencionados.
Recôncavo, pela libertação do homem negro na América!
Entre o final dos anos 80 e começo dos anos 90, eu sempre passava férias em Santo Amaro da Purificação, na casa do meu pai. Ali por volta dos 12, 13 anos, no bairro do Bonfim, a diversão era correr descalço, vestido apenas com um shortinho de pano, jogando bola e tomando banho no rio Subaé. A trilha sonora deste período era o enorme sucesso da boy band New Kids On The Block e as músicas de Edson Gomes que estouravam nos falantes das casas e dos bares da cidade.
Naquela altura, eu ainda não podia adivinhar que segurando e elevando a voz do cantor estava a Banda Cão de Raça, e que quem comandou as baquetas do disco “Reggae Resistência” lançado em 1988 era o grande Mestre Jair Soares, aquele mesmo do documentário, acima citado. E lá se vão mais de 35 anos destas lembranças, hoje me encontrando rumo à antiga terceira idade, onde por sinal já se encontra o grande mestre. Aos 66 anos, Jair Soares, possui uma história de vida e uma carreira que se misturam e se desenvolvem junto a música reggae no Brasil.
Nascido no mesmo ano da primeira conquista de uma copa do mundo pela nossa seleção brasileira de futebol, apenas 11 dias antes do capitão Bellini levantar a taça lá na distante Suécia, em 18 de julho de 1958. Como muitos dos nomes fundamentais do Reggae baiano, Jair Soares é filho do Recôncavo baiano, mas precisamente da cidade de Maragogipe, local onde esse canceriano teve seus primeiros contatos com instrumentos e de onde partiu para encarnar a música pelos caminhos que a vida o levou.
Filho de um enfermeiro funcionário da fábrica de charutos Suerdieck, em uma Maragogipe que chegou a ser eleita como o maior parque charuteiro do Brasil. Sua mãe Iraildes Soares cedo lhe instruiu: “Quem sustenta o tronco é a raiz. Então, perceba bem para onde você vai caminhar.” Sobre a sua infância, Jair Soares carrega lembranças doces de sua casa próxima a praça matriz da cidade, mas não menos críticas de sua Maragogipe natal e do papel de exploração que os “alemãesperpetraram em sua cidade.
Relembra com suavidade na fala, a beleza de morar em uma cidade onde a praia e a roça estão muito próximas, dois territórios que estão plenamente irmanados em seu coração. Lembra do seu quintal onde brincava com uma amiguinha e interpretava um baterista de circo, sobretudo Jair consegue em nossa conversa mostrar a poesia e o ritmo que lhe formou e ainda o habita. Todas as durezas da vida de músico de uma carreira de mais de 50 anos estão longe das fibras que compõem o seu ser.
O Trio Maragós, um dos primeiros trios elétricos da Bahia, foi fundado peor outro trio composto por “Seu Cândido”, “Dica do Trio” e pelo pai de Jair, seu “Quinande” (Fernando Bispo Soares) que tocava cavaquinho e era um músico admirado por ninguém menos que Armandinho. Essa influência da figura paterna virou uma semi rebeldia, quando o pequeno Jair resolveu tocar caixa e logo já estava fazendo parte da “Pancadaria” do Maragós.
Parte de uma família grande, composta por 11 irmãos, dos quais 10 sobreviveram e que tem duas de suas irmãs, também dedicadas à música e a arte, Jair foi ainda criança enviado com o seu irmão mais velho Jaime Soares, para São Paulo, para estudar morando com uma tia, próximo ao aeroporto de Congonhas. Durante sua estadia, que durou de 1968 até 1974, o pequeno e franzino Jair começou uma história de participação e protagonismo de momentos cruciais e históricos. Ali pelo final dos anos 60, ele jogou com Muricy Ramalho na categoria dente de Leite mais famosa da história do São Paulo Futebol Clube. Além de também ter treinado no Santos Futebol Clube. Mas voltou aos 16 anos para Maragogipe a pedido de sua mãe.
General do jeito que a negritude gosta e graças a jah, longe da PM!
A volta à terra natal durou pouco, pois no ano seguinte Jair Soares já estaria rumo a capital, Salvador, para estudar música no seminário de música da UFBA em 1975. Ali teve como um dos seus professores Fernando Santos, fundador do Grupo de Percussão da UFBA em 1964. Único homem negro de sua turma, Jair foi colega de Ivan Huol e conta que sua mãe batalhou muito para conseguir pagar as mensalidades até 1980, quando ele foi aprovado em um concurso público e começou a andar com as próprias pernas.
Período fundamental de sua formação, este momento na escola de música da UFBA é quando Jair amplia seus conhecimentos e técnicas, sendo muito influenciado por grandes nomes como Art Blakey, Billy Cobham, Sergio Della Monica (Tutti-Frutti), Mário Franco Thomaz (Casa das Máquinas) e por Robertinho Silva. Ao mesmo tempo, adquire um amor muito grande pela música clássica e até hoje estuda Mozart, Tchaikovsky entre outros nomes da música européia.
Sobre esse período como estudante de música, durante a entrevista, Jair relembra duas passagens fundamentais na escola:
“Ali eu pude perceber a importância de conversar sobre a vida, as pessoas – brancas e bem nascidas – tinham tempo para sentar, tomar um café e conversar. Ao mesmo tempo, eu estava ali na sala ao lado, malhando a bateria e eu conversava com Art Blakey, ele meio que sorria para mim, enquanto eu estudava, como se dissesse: você está indo bem”
Entre o final de 79 até 1984, Jair Soares atuou como baterista da banda da polícia militar baiana, servindo nos quartéis da Mouraria, do Barbalho e no Dendezeiros. Porém, o seu “suinge moleque”, seu apreço pelo drible, o impediu de permanecer no regime militar, assim como um show com Lazzo Matumbi também lhe “impediu” de prestar o vestibular para música na UFBA. O pedido de baixa da Polícia Militar é um momento decisivo em sua vida, já começada e atuante no cenário profissional da música baiana. Abrindo mão quase ao mesmo tempo da segurança profissional como funcionário público e de uma possível carreira acadêmica, consciente ou inconscientemente Jair dá o primeiro passo para uma existência completamente entregue a música.
Em entrevista com Lazzo Matumbi, nos contou que foi arregimentar o baterista – um tal de Jair Pelé – lá mesmo na escola de música, levando-o para a Studio 5, pois de acordo com os boatos, somente Jair Soares seria capaz de segurar o groove que ele pretendia. Dessa forma Jair entrou para as fileiras de uma milícia negra das mais potentes da história da música negra baiana: a banda Studio 5, que então se formava em Salvador. Sobre a paternidade da banda, há informações conflitantes sobre como a mesma começou. O fato porém, é que esta foi formada inicialmente no final dos anos 70 e começo dos anos 80. E logo iriam criar os alicerces e sedimentar todo o início da história da música reggae baiana e nacional.
Muitas formações e entrada e saída de músicos ali pela casa de número 53 no bairro do Alto das Pombas, em Salvador. A turma foi inicialmente composta por Judimário (guitarra), Ruy de Brito (guitarra), Alfredo Moura (teclado) Tinho Santana (baixo), América Branco, Albertinho, Jorjão Bafafé (percussão), Nengo Vieira (guitarra e baixo), Lino e Carlito Profeta. Destes, saíram o núcleo duro responsável pela gravação dos dois primeiros discos de Lazzo Matumbi, o compacto Salve Jamaica (1981) e Viver, Sentir e Amar (1983).
-Leia também o nosso artigo sobre os 40 anos de Viver, Sentir e Amar de Lazzo Matumbi
A banda Studio 5 possui pelo menos dois momentos, que deve ser entendido como um único fluxo de criação, de desenvolvimento e afirmação do reggae feito na Bahia por toda a década de 80. De banda de acompanhamento de Lazzo onde gravam nos discos acima mencionados e passam a desenvolver uma linguagem própria da Reggae Music, que na primeira metade da década de 80 estão com muitas influências de soul e funk, do cantor e compositor.
Este período é um momento onde Jair Soares trava conhecimentos com o mestre Jorjão Bafafé, incluindo em seu repertório técnico que já incluía a música clássica, o jazz, a música de carnaval, o soul, funk e o reggae, a herança musical do Candomblé. Em ensaios no bairro do Alto das Pombas, Jorjão passa para Jair toques das nações de Angola, de Ketu, que serão incorporados pelo músico no seu conjunto de bateria. Este desenvolvimento técnico, leva Jair a um domínio amplo de diversas linguagens musicais, domínio esse que lhe possibilita ganhar o primeiro concurso solo de bateria ocorrido no Brasil em 1984, em São Paulo.
Outra característica dos ensinamentos que Jorjão Bafafé transmitiu a Jair Soares e que este carrega consigo até hoje, diz respeito à paciência do fazer musical. Jair conta em nossa conversa que durante os ensaios da banda Studio 5, enquanto a galera viajava e debatia infinitamente, Jorjão sentava tranquilamente em uma cadeira e…dormia!
“Jorjão Bafafé, ele assimilou, entende? Ele era bem seguro, bem seguro de si. Jorjão nos ensinava a ter paciência. Sabe como, Danilo? Quando chegava no ensaio, ele sentava no lugarzinho dele na cadeira e dormia, cara. Só acordava pra comer o cuscuz, beber água, ir ao sanitário e voltava e dormia, cara. Se a gente passasse um dia, dois dias, era assim. Então, e a musicalidade de Jorjão? Então ele assimilava e transmitia aquela paciência pra nós. Porque ele foi um elo, assim, super importante pra nós, entende?”
A partir de 83/84, a banda começa a trilhar outros caminhos, já tendo gravado o disco de estreia de Lazzo e com uma parte da banda tendo morado por um ano em São Paulo, uma reformulação passa a ocorrer capitaneada pela parceria entre Nengo Vieira (que estava presente desde os começos mas com seus próprios trabalhos) e Jair Soares. A banda Studio 5 que anos antes tinham descoberto um certo Tim Maia, em Cachoeira, iria progressivamente formar e desenvolver a Banda Cão de Raça e posteriormente formar outro núcleo para se tornar um dos marcos do Reggae baiano e nacional como Os Remanescentes.
-Leia também nosso artigo sobre o disco da banda Os Remanescentes
Jair Soares nos conta que entre 1979 e 1980, a convite de Nengo Vieira, ele e Ruy de Brito foram a Cachoeira:
“Chegamos ali no cais do porto em Cachoeira e tinham umas pessoas tocando um sambão e um cantor mandando várias músicas com um voz da zorra, Edson Gomes nem se chamava assim naquela época, as pessoas chamavam ele de Tim Maia, porque ele fazia várias do mestre. A nossa ideia, pelo menos a minha, era que Edson fosse a voz da Studio 5 e aí nós trouxemos ele, Nengo e nós fomos os responsáveis por apresentar o Reggae para Edson Gomes, Danilo.”
Entre 1984 e 1986 a Studio 5 passa por reformulações, e uma nova trupe entra, por volta de 1984, a cantora Valéria Vieira e Tintim Gomes passam a compor o grupo. Sine Calmon e Marco Oliveira (com 16 anos na época) chegam na Studio 5 em 86, após as saídas de Ruy de Brito e Albertinho, respectivamente. No mesmo período Júlio Santa chega como percussionista, Tinho, América, Judimário, Jorjão, Lino e Carlito já tinham deixado a banda em anos anteriores. E por volta de 86/87 João Teoria passa também a compor a equipe. Aqui teremos a “Gênese Sagrada” do reggae roots baiano e brasileiro.
Ainda durante os anos 80 na Bahia, a bateria de Jair Soares vai também servir a diversos nomes fundamentais do nosso samba. Batatinha, Edil Pacheco e Firmino de Itapuã, são alguns dos sambistas para quem Jair emprestou o swingue de suas baquetas, acompanhando-os em shows. Um instrumentista verdadeiramente versátil, capaz de ser um dos pilares no desenvolvimento da linguagem musical do reggae baiano, mas também de acompanhar os maiores mestres do nosso samba.
No final de 1986, Jair Soares vai para o Rio de Janeiro tocando com Chico Evangelista, que tinha acabado de lançar um disco de 10” com os reggaes “Gondwana” e “Apartheid Não”. Esta ida para o Rio, marca outro período importante na vida de Jair e vai fazê-lo um dos precursores do Reggae naquela cidade. Em 1987, no ano seguinte, após a difícil escolha, entre se apresentar no Festival de Montreux com o grande Barrosinho ou gravar o disco de estreia de Edson Gomes? Jair voltará para Salvador ficando com a segunda opção e com ela cravando seu nome definitivamente na história do reggae nacional.
Tendo gravado o disco “Reggae Resistência” lançado em 1988, Jair Soares volta ao Rio e reencontra em Santa Tereza, o mestre Barrosinho tocando no Canto da Boca. Ainda sem nem saber onde iria dormir, Jair deu uma canja e automaticamente passa a fazer a parte, recebendo guarita da guitarrista baiana Lui Rabello e da baixista Jane. O baterista volta a acompanhar o trompetista nos projetos Maracatamba e Jazz Latino por alguns anos, diga-se de passagem um dos grandes projetos do jazz nacional.
-Leia também o nosso artigo sobre o disco Reggae Resistência de Edson Gomes
No começo dos anos 90, o mestre Tim Maia (o original) vê Jair Soares tocando com Barrosinho e manda chamá-lo para tocar. O batera fica com Tim por quase um ano e depois vai acompanhar também outros nomes como Tânia Alves e o baiano Beto Marques. Como se pode perceber estamos diante de uma história riquíssima de um baterista que se ligou a diversas sonoridades e sempre com excelência, ajudando a fazer surgir tendências e acompanhando grandes nomes da música nacional.
Rio Reggae Banda, Jair Soares volta às suas raízes!
A ida de Jair Soares para o Rio de Janeiro em 1986 vai encontrar um então cenário nascente da música reggae naquele estado. Logo ao chegar, Jair monta uma banda chamada Ubando du Reggae e que posteriormente vai se chamar Ubando e por fim a Rio Reggae Banda. Nesse percurso, já no primeiro ano ele é convidado para uma reunião com Mauro Leme na sede da UNE (União Nacional dos Estudantes). Levado pelo fotógrafo Lui Ferreira e pelo sociólogo Paulo Sidimil, Jair monta o projeto Reggae-NEC (Núcleo Experimental de Cultura), na sala Vianinha, sala criada em homenagem ao teatrólogo Oduvaldo Vianna Filho.
Neste projeto se apresentaram inicialmente outras bandas da então nascente cena de reggae na Baixada Fluminense: “Sombras que Surgem”, “Lumiar” e “KMD-5”, com Jair Soares fazendo a curadoria e capitaneando novamente um cenário ainda insípido. Para quem não está ligando o nome as pessoas, a banda Lumiar em seguida viria a se chamar Cidade Negra, já a KMD-5 que depois se chamaria Negril, cederia ninguém menos que Marcelo Yuka então baterista e o baixista Lauro Farias para o nascimento do O Rappa.
Como está dito acima, Jair se ausenta deste cenário para voltar a a Bahia e gravar com Edson Gomes, retornando para o Rio por volta da virada de 88/89 e onde conhece os mestres Rubão Sabino (baixo) e o Perinho Santana (guitarra) que tinham um projeto chamado Rio Reggae Banda e que ao desativá-lo cederiam para ele. Com este novo batismo, a banda segue fazendo história no cenário carioca apresentando-se em diversas localidades do Rio de Janeiro, como o Circo Voador, por exemplo.
Contando com a voz do trovão de Xandu, Jair Soares, junto aos integrantes Marcia Leoa, Claudio Ribeiro, Rogério Fortunato, Pedro Ivo e Maurício, foram fundamentais para um período da então nascente cena do Reggae carioca. A banda esteve presente na importante coletânea “Niterói Reggae Cantareira” lançada em 1996, com duas de suas canções, juntos a grandes outros nomes daquele cenário. Também gravaram um fita demo “Babilônia” com três músicas e lançada no final dos anos 90. Infelizmente, o seu disco de estreia nunca veio a luz. O disco que estava sendo feito no estúdio do saudoso Arthur Maia e que tinha já participações de Seu Jorge, Claudio Zolli e do Arthur Maia que gostou muito da musicalidade da banda, ficou engavetado por desavenças.
No começo dos anos 2000 a banda soltou um videoclipe com a composição de Serginho Meriti: Madureira, e Daí? Paralelamente, a Rio Reggae Banda, Jair montou o Bob Marley Cover que depois se tornaria Original Marley Cover, que é um projeto que segue até hoje.
Jair Soares plantando ritmo no asfalto das cidades!
Em sua longa trajetória como músico e compositor, Jair Soares também encarnou essa história como ator de cinema, com o curta-metragem “O Som e o Resto” de 2007. Dirigido por André Lavaquial, o filme conta a trajetória de um baterista de igreja que briga com o pastor após destoar do ritmo e ser colocado para fora do culto e da própria casa. Aqui, a arte imita a vida, pois ao longo de sua carreira Jair sempre destoou, seja das posições que a nossa sociedade reserva para um homem negro, seja em suas atuações como artista.
Em suas palavras Jair é pura leveza, nas conversas que tive ao longo dos últimos meses após a nossa primeira entrevista, o aprendizado que nos restou além do seu som, foi exatamente o da paciência. De Maragogipe, passando por SP, voltando para a Bahia e por fim no Rio de Janeiro, o que podemos perceber e nos inspirar em uma figura do mais alto calibre de nossa música, como Jair Soares, é sem dúvida alguma a força de resistência.
Colocando a sua bateria nas ruas, na LAPA no RJ, em Lisboa, na Argentina, sim o mestre morou por um ano por lá, ele se auto determinou a seguir levando o ritmo e plantando-o pelas ruas, para além de palcos e holofotes. Jair Soares sabe e transmite este apreço pela força abstrata do ritmo, aquilo que nos faz sentir no estômago, sem dor, o petardo possível diante de um sistema opressivo e desritmado, sem swingue e sem groove, que estala em nossas costas até os dias atuais.
Sobretudo, ao longo de mais de mais de 40 anos de música, Jair alcançou uma liberdade de expressão do seu longevo corpo e de sua mente afiada, que poucos entre nós mortais conseguimos, e aos 66 anos segue metendo ritmo, basta que se lhe der espaço e o reconhecimento devido!
-Jair Soares 66 anos de ritmo vivo, levemente suave e encarnado!
Por Danilo Cruz