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“IDOTI ILU” Novo disco da dupla Barba Negra x Galf AC, entre a repetição e a diferença!

IDOTI ILU

Arte da capa por Mattenie

IDOTI ILU traz 10 faixas produzidas pelo Barba Negra e rimadas por Galf AC com feat dos MC’s Mattenie e LK “O Marroquino”, o sumo do Boombap/Drumless

Arte da Capa por Mattenie

“Prego só o que vivo e nunca bati o martelo”

A cultura Hip-Hop enquanto campo existencial onde partilhamos a possibilidade de um sensível comum, como um aquilombamento em permanente construção de estratégias de luta em diáspora, apesar dos ataques, resiste. Um olhar menos superficial, porém atento às manobras do mercado capitalista, nos remete a centenas de artistas e pensadores que não cessam de produzir excelência, nos fornecendo a matéria prima capaz de nos fortalecer nossas próprias existências. 

Não se escreve com as próprias idiossincrasias, apesar de não podermos riscar as linhas de comportamento e das vivências que nos são mais próprias. Escrever de certo modo é exatamente essa tentativa de pensar, a partir do momento em que somos desafiados por algo, a irmos além de nós mesmos. Encontrando nesse movimento um devir impessoal e coletivo, elevando os conceitos, os afetos e os perceptos que nos impulsionam a pensar.

Desde 2015, tomei contato com a arte de Galf AC como MC – ele que também é baixista e vocalista de bandas de rock instrumental e de música extrema – através de seu trabalho com os coletivos UGangue e Fraternidade Maus Elementos. Em 2016 registrei as minhas impressões sobre o seu primeiro lançamento com o disco solo: “Fragmentos de Uma Mente Volátil”. Naquela altura, além da imensa qualidade técnica, Galf AC já era um dos “mestres de cerimônia” mais requisitados de Salvador. 

Somente em 2021, Galf AC profissionalizou a sua carreira, entendendo-a como o “labor” principal de sua vida. Tendo atravessado um período de adicção no uso de drogas, como relatado em entrevista ao Jair Cortecertu no podcast “Eu Tenho algo a Dizer” do Bocada Forte, o artista baiano promoveu uma verdadeira revolução pessoal. Lançando ao longo de três anos, um volume de trabalho muito grande, portador de uma intensidade que lhe é própria e de uma qualidade amplamente reconhecida entre seus pares. 

-Ouça aqui o podcast do site Bocada Forte com participação de Galf AC

Ao longo de 3 anos, Galf AC lançou 16 projetos, 3 EP’s e 13 discos, trabalhando com artistas de quase todas as regiões do país, algo inédito para um artista do rap nordestino. Produtores estrangeiros como o jovem equatoriano Mauricio Martillo e o inglês mundialmente reconhecido Giallo Point, mestres nacionais como Dr. Drumah e Goribeatzz, além de jovens promessas do cenário como Saggaz, Noshugah, Entidathe, Sumani e muitos mais.

Tendo acompanhado de perto todo esse trajeto, e buscando pensar esse movimento de vida e arte do qual me aproximei pessoalmente, registrei em 2022 um ideia que se materializou de modo inequívoco. O artista baiano, em sua trajetória musical, conseguiu através de sua arte dentro da cultura Hip-Hop, sair das armadilhas que lhe fragmentavam e construir um território existencial e poético dos mais firmes e originais, algo que não é fácil para um artista independente fazendo rap na Bahia.

Hoje aos 37 anos é reconhecidamente um dos nomes mais essenciais para todos que querem conhecer o que de mais subversivo e contemporâneo se apresenta no Rap Nacional. E dentro deste movimento, no dia de seu aniversário, ele nos presenteia com o seu novo trabalho: IDOTI ILU, em parceria com o produtor paulista Barba Negra. 

-Leia sobre Galf AC e suas diversas produções no Oganpazan 

Variações originais diante da permanência dos problemas, a diferença no Hip-Hop!

Galf AC em foto que serviu de capa para o lançamento do single “Frontman”

Há uma certa ignorância ao se abordar criticamente discos e mesmo em perceber o que seja, repetição de fórmulas e trabalhos que apresentam diferenças quando se trata de rap nacional. A própria noção de “disco conceitual” como algo necessariamente superior a “meros álbuns” na música são muitas vezes mal compreendidos pela opinião pública. Hoje, podemos perceber muitos lançamentos vendidos como álbuns conceituais que não passam de campanhas de marketing, que não se sustentam musicalmente. 

Muitas vezes, já fui interpelado por pessoas que me perguntaram se o amplo volume de projetos lançados pelo Galf AC não lhe estariam lhe levando a repetição. E certamente, a resposta é que sim, toda a sua obra é feita de repetições. No entanto, é preciso se perguntar: Quem disse que a repetição não carrega diferenças? O que se repete ao longo dos projetos apresentados por Galf AC? De que modo os seus discos, EP’s e audiovisuais se diferenciam ou não, do conjunto das produções lançadas no Rap Nacional?

A mesma ignorância diante da tradição em que se insere, que faz com que jovens artistas do rap nacional pensem estar sempre inventando a roda, está presente em quem pensa que o artista precisa – para ser considerado original e relevante – lançar discos completamente diferentes entre si, em termos de sonoridade e lírica. Este pseudo pensamento sobre estética musical é fruto de uma certa ideia contrabandeada de segunda mão pelo desconhecimento do que foram as vanguardas artísticas do começo do século XX. Assim, como uma contaminação por parte da indústria cultural que busca vender tudo como a maior “novidade do momento”. 

A obra de Galf AC – já podemos chamá-la assim – se insere e é parte constitutiva da renovação do boombap/drumless que tem nos últimos 3, 4 anos se expressado no underground do rap nacional. E dentro dessa linha,se constitui até então através das mãos de produtores que estão neste processo de renovação sonora, através de experimentos com timbragens, loops, samples e batidas onde Galf AC insere sua lírica e flows. Retirando o substrato poético de uma visão de mundo libertária, informada por uma qualidade poética e de flow que está longe, mas muito longe de ser comum. 

Discos como “IDOTI LU” carregam intrinsecamente um conceito gerador em suas faixas que ao mesmo tempo dialogam com a tradição, com a constituição da obra até então e abrem espaço para um futuro por vir. Galf AC vem traçando um território poético-existencial que combate de dentro do cenário, quaisquer ideias de repetições vazias, de fórmulas discursivas e conceituais oriundas do marketing que se apoia da representatividade. 

Barba Negra aka O Terrível Ladrão de Loops, um dos produtores mais relevantes do rap nacional

Sem se utilizar de qualquer clichê de capitais simbólicos, seus trabalhos carregam sem elementos da publicidade e sem se plastificar, uma lapidação poética e através das variações de flows e cantos a subversão das fórmulas prontas para a abordagem de pautas políticas, com a criação através de imagens poéticas, de storytellings, de punchlines e word plays que lhe são totalmente próprias. É isso, o que se repete em seus trabalhos, e o que lhe diferencia mesmo de seus pares e aliados. Pois, no final das contas, o RAP é ritmo e poesia, e não existe outra obra parecida com a de Galf. 

A subversão furtiva e insubmissa de “IDOTI ILU” 

Ao contrário do que querem os vendedores de fórmulas de sucesso do rap nacional, a fórmula de veiculação dos produtos artísticos no mercado também tem a ver com a própria visão do que se quer diante desse mercado e do que é inegociável com sua arte. A organicidade que performa a produção artística de Galf AC, o faz não explicar e nem “vender” a ideia de IDOTI ILU é um termo de origem Iorubá, que aqui não “representa” nada – pelo menos não no sentido marketeiro – mas antes é uma peça poética, um ideia, uma visão sobre o seu disco como uma crítica à “Sujeira das Cidades” na qual ele próprio está inserido. 

Nesta medida, a inserção aqui é plenamente crítica, subversiva deste lixão subjetivo, social e político em que somos jogados em nossas cidades, nos remetendo a pensar outros modos de existência e não buscando nos enganar como as “vedetes” do mainstream, que não cansam de nos vender falsas noções e posturas de “vitória na guerra”. A produção de Barba Negra x Galf AC formam um bloco de afetos produzidos lírica e musicalmente, onde diversos problemas que vivemos hoje estão abordados, sem didatismo e sem fórmulas que subestimam o ouvinte. 

As 10 faixas que compõem o disco, reúne esses problemas que atravessam nossas quebradas, de modo muito original, potente, com as rimas em pleno acordo com as bases rítmicas. O boombap como espaço de pensamento poético-musical da cultura Hip-Hop aqui, tem um exemplar de muito valor. Mesclando batidas com cadências groovadas, utilizando samples raros e frutos de muita pesquisa (Academia do Flow, ALALA, Delta-9, Mais Um Dia) com o sumo musical extraído através de drumless únicos como: AYO, Magos da Maloca, Golden Era, Reza, 40 Graus. Além de um instrumental que por si só, exemplifica as origens e concepções espirituais de todo o trabalho. 

A parceria iniciada entre Galf AC e Mattenie no já clássico Anti-Lock (2022), tem aqui uma expansão com o MC do vale participando de duas das canções, além de ter assinado a capa. Como um dos bônus, temos o produtor: O Terrível Ladrão de Loops aka Barba Negra, rimando também em uma das faixas, onde o LK O Marroquino também participa. As participações engrandecem o trabalho, e também nos remete a uma coletividade de trabalhos que tem nos últimos anos colaborado produzindo um “corpus” artístico que infelizmente não tem sido absorvido pelo público do Hip-Hop nacional. 

Desta forma, “IDOTI ILU” é uma peça a mais no campo amplo do rap underground nacional, por sua própria origem e essência artística e cultural, este disco não busca competição, não quer se inserir em uma corrida de ratos, como observamos no mainstream. É um disco feito como um pavimento a mais, como mais uma peça de excelência dentro de uma obra que insiste e impulsiona a resistência e a luta. Viva o Hip-Hop!    

-“IDOTI ILU” Novo disco da dupla Barba Negra x Galf AC, entre a repetição e a diferença!

Por Danilo Cruz 

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