Pianista de formação clássica, em 2007 a Hiromi trocou o piano pelos teclados e gravou um disco de Funk, mostrando que mudar é preciso!
Nos últimos anos a pianista Hiromi Uehara está hospedada num verdadeiro oásis criativo com o seu ”Trio Project”, grupo que ela montou ao lado do Anthony Jackson (baixo) e Simon Phillips (bateria). O som produzido pelo trio é fantástico, só que depois de 4 discos no mesmo formato, a fórmula parece um tanto quanto gasta, é igual aquela tela que trava quando abrimos mais do que uma aba no Internet Explorer.
Lendo esse parágrafo nós conseguimos drenar duas informações:
1) O resenhista se encontra em pleno estado de insatisfação com esta fase da carreira da Hiromi
2) Ele está levemente preocupado com os rumos do piano nipônico, caso ela demore ”tempo demais” para voltar a repaginar a cozinha de hashis.
Só que para poder adentrar essa discussão é necessário situar o ouvinte dentro de um momento criativo diferente do que estamos agora, e para tal creio que a temporada Sonicbloom seja o período mais oportuno para ser abordado, fora que trata-se da época mais experimental e ácida da japa, sendo ”Time Control” (lançado em 2007), o primeiro dos 2 trabalhos com este codinome e o mais ousado
Além de sair do lugar comum, a dona do par de mãos mais rápidas do século XXI gravou ao lado do fantástico Dave Fiuczynski (Screaming Headless Torsos), um dos grandes nomes da guitarra em tempos recentes e talvez um dos grandes responsáveis, não só pela sonoridade que esse projeto alcançou, mas também por fazer a dona Hiromi repensar o seu próprio groove e cozinha, ao lado do Tony Grey (baixo) e Martin Valihora (bateria).
Line Up:
Hiromi Uehara (piano)
Dave Fiuczynski (guitarra)
Tony Grey (baixo)
Martin Valihora (bateria)
Track List:
”Time Difference”
”Time Out”
”Time Travel”
”Deep Into The Night”
”Real Clock vs. Body Clock = Jet Lag”
”Time And Space”
”Time Control, Or Controlled By Time”
”Time Flies”
”Time’s Up”
”Note From The Past” – Bônus
Para se se ter uma ideia de como este trabalho é a prova do apogeu criativo e fritacional desta senhora, veja que esse CD é um marco, pois além de ser o mais Funkeado de sua carreira, é seu primeiro e único registro conceitual.
Além de passagens que beiram o anatomicamente impossível, o fruto dessa sessão resulta num corpo instrumental – que sem proferir nenhuma palavra concreta – cria um enredo sobre a passagem do tempo e seus percalços.
Essa formação foi a configuração mais interessante que a Hiromi já tocou e para perceber isso, basta notar como ela está swingando nesse trabalho. Depois desse disco, o grupo ainda gravou o também excelente “Beyond Standard” (também via Telarc), já no ano seguinte, em 2008, e o projeto infelizmente chegou ao fim, apesar do sucesso e dos excelente discos.
Perceba como as leis mudam nessa nova jurisdição do Funk. ”Time Difference” aparece com um apetite voraz e esse é o clima que permeia todo o disco: uma cozinha com aquela popular ”quebradeira” Jazzística, onde o marfim fusion contracena com as guitarras, enquanto a sessão rítmica rala pra oferecer contrapontos que não impeçam a progressão das peças.
Ela é claramente influenciada pelo som de seu grupo de apoio, principalmente pela guitarra. Sua formação clássica não a impede de provocar o groove em ”Time Out” e sua provável homenagem ao clássico disco de mesmo nome (do maestro Dave Brubeck).
Em termos de dinâmica o disco é muito aberto, justamente por que a pianista abriu espaço para os outros músicos aparecerem também, vide o solo de guitarra em “Time DIfference”. Ela toca solta e bota seu repertório clássico pra bolar boogies no teclado que entortam até os ouvidos mais experientes.
A virtuosidade das modulações de acorde é exuberante e o grupo cria alguns riffs que deixariam muita banda de metal no chinelo. O riff de “Time Travel” é no mínimo tinhoso e depois que o grupo cai no improviso, o Bebop cai matando.
Apesar das linhas intrincadas, não falta groove, tampouco sensibilidade. “Deep Into The Night” mostra o verdadeiro equilíbrio entre estudo e sentimento. Melódica e harmonicamente trata-se de um projeto riquíssimo e que mostra a Hiromi tocando com uma abordagem quase inédita em sua discografia.
É impressionante como ela tem opções. Em faixas como “Real Vs. Body Clock = Jetlag” e “Time Control, or Controlled By Time”, temos uma amostra do que é poder canetar no mais alto nível, ciente de que seus companheiros vão acompanhar. É um nível técnico de fato altíssimo e extremamente virtuoso, mas o disco passa longe de ser mecânico e repetitivo.
A parte A de “Time and Space” é simplesmente irresistível. Um daqueles grooves que você quer tocar a tarde inteira. É muito interessante ouvi-la tocando com diversos teclados, explorando sintetizadores e outras possibilidades fora do piano. Ela consegue encontrar sonoridades muito bonitas e ricas. A introdução de “Time Flies” faz qualquer machão dizer que entrou um cisco no olho, só pra não assumir a emoção.
É um disco primoroso. A Hiromi Uehara é uma das maiores instrumentistas de sua geração. Conquistou o respeito e admiração dos maiores nomes do marfim – como Chick Corea e Herbie Hancock – e é dona de seus próprio nariz. O The Trio Project é fabuloso também, vejam, não me levem a mal, mas esse disco mostra o frescor de novas empreitadas criativas e como os músicos podem mostrar outras aspirações em função disso.
Até esse trabalho, muitos pensavam na Hiromi como uma japinha tranquila, pianista de Jazz com formação clássica. Depois disso, o cenário começou a vê-la como a Punk dona de si que ela sempre foi. Ela só não tocava Funk.
Como diria Cleiton Rasta: essa é pra debochar legal.