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Acompanhe o pesquisador e beatmaker Gusmão no rolê pelo hip-hop das Américas e do Caribe!

De uma ponta a outra das Américas, Gusmão nos relata seu rolê através dos movimentos Hip-Hop destes territórios! 

No ano passado, como pesquisador do projeto internacional CIPHER Hip-Hop Interpellation, estive pelas Américas e Caribe pesquisando a cultura hip-hop dos Estados Unidos, Mexico, Jamaica, Colômbia e Brasil. Nessa matéria compartilho um pouco do que vi por esses lugares! 

Bom, começando pelo Estados Unidos, estive na conferência internacional sobre música IASPM 2023 em Minneapolis onde pude visitar o local onde assassinaram George Floyd. Estava na conferência apresentando um trabalho sobre a série da Netflix Yasuke (2021) produzida por Flying Lotus; um grande mago dos beats e que conta a história do samurai africano que viveu no Japão nos fins do séc. XVI. Na conferência pude ver apresentações muito interessantes sobre fenômenos do hip-hop estadunidense que eu desconhecia como o rap feito por caipiras brancos, o que levanta uma série de questões sobre apropriação cultural, racismo e blackface já que emulam alguns aspectos do Gangsta rap feito por afro-americanos. 

Passei uma semana por lá participando da conferência até que em um dos dias fui convidado a visitar o local onde ocorreu a brutalidade racista policial contra George Floyd ocasionando em sua morte. O lugar tem uma energia pesada e ao mesmo tempo singular com as várias homenagens, tributos, grafittis e mensagens deixadas a ele e a tantas outras vítimas do racismo institucional estadunidense. Ali naquele bairro a polícia já não entra mais, a não ser em casos extremos já que um verdadeiro clima autogestionário se instaurou nos quarteirões próximos ao assassinato de Floyd. Em um primeiro momento, fiquei muito admirado com aquilo tudo já que no Brasil ainda não damos a devida importância ao genocídio da população negra, sobretudo jovem e periférica.

Porém, a situação foi mudando um pouco de figura a partir do momento em que a complexa comercialização dessa tragédia foi se evidenciando no local. Moradores da localidade (em sua maioria jovens negros e negras) oferecem seus trabalhos como guias pelo bairro contando toda a história não só de George Floyd como de outros que tiveram suas vidas ceifadas pela polícia. Diversas questões vieram a minha cabeça presenciando esse tipo de turismo como desemprego, desigualdade, racismo, mas também a própria lógica estadunidense de transformar tudo em comércio. Difícil julgar tal contexto mas não nego que foi um pouco incômodo ver tudo aquilo e as várias questões que atravessam esse problema que é, na verdade, estrutural. Todavia fica o aprendizado da capacidade de organização daquela comunidade em torno do assassinato de Floyd e sua resistência diante da violência racista policial.

Depois disso, parti para o México para conduzir trabalho de campo sobre a cultura hip-hop de lá. Anteriormente, pela internet, eu já estava em contato com MC Luka – um dos principais MCs da velha escola mexicana – e Jezzy P, uma importante MC da cidade do México também. Ao pisar no aeroporto da Cidade do México já me emocionei um pouco por estar em lugar tão ancestral e de um histórico de intensas lutas sociopolíticas. O lugar onde fiquei hospedado era muito próximo da Praça Zocalo no centro histórico da cidade, um lugar onde um dia foi a majestosa cidade azteca de Tenochtitlan que foi soterrada pela colonização espanhola. Falando nisso, o centro da cidade por si só já é bastante ancestral com sítios arqueológicos como Templo Mayor em excelente estado. Dentro da cidade se encontram outros sítios também como Tlatelolco (o que mais gostei de ter visitado) e um pouco fora cidade encontra-se o famoso Teotihuacan. 

 

No México, a cultura hip-hop não é tão alargada quanto no Brasil. Um exemplo disso é que os eventos de rap são frequentados majoritariamente pelo público masculino e não ficam tão cheios quantas as festas que acontecem em diversas partes do nosso país. Todavia, fui informado por MC Luka que esse não é o caso no norte do México, onde o público feminino frequenta mais massivamente os eventos trazendo maior diversidade a essa cultura. Outro ponto que surpreende é a forte presença da cultura reggae no país com diversos eventos bastante cheios como acontece no Cultural Roots no centro histórico da Cidade do México e outros eventos de reggae e dub pela cidade. 

Com MC Luka, fiz uma turnê por Leon e Querétaro por meio de um convite espontâneo do mesmo. Em Leon, demos uma rolê pela quebrada onde ouvimos rap e confraternizamos com os locais no fundo de uma loja de roupas urbanas. Inclusive, MC Luka fez freestyle em um beat meu que agora fará parte de seu próximo álbum Lupita Taco’s Shop Vol. 2.  Na verdade, fui convidado a produzir seu próximo álbum Japomex – o álbum foi requerido por um agente japonês que vai promover o disco em terras nipônicas – que já esta pronto e será lançado na integra em junho desse ano de 2024. Veja um trecho desse momento aqui:

Trombar com a MC Jezzy P foi muito valioso também. Ela me mostrou toda a história do movimento de mulheres mexicanas no envolvimento não só com o rap como com a cultura do skateboard. Diversos documentários e reportagens foram feitas sobre o assunto e há um grande empenho de artistas e coletivos femininos em valorizar o skateboard enquanto cultura urbana em sua relação com a música; como acontece com o hip-hop. Abaixo está um dos documentários no qual ela aparece bem jovem rimando em duo em um dos seus primeiros grupos de rap. Veja:

Ir para Jamaica foi um sonho em vida. Desde minhas primeiras noites na ilha procurei sair e conhecer a cultura dancehall, dub e reggae bem como hip-hop de Kingston. O primeiro rolê que fui foi ao Kingston Dub Club, um ponto de referência para a cultura dub na cidade. Não por menos, encontrei Rael da Rima por lá que se surpreendeu com a presença de outro brasileiro que o reconhecia na ilha.

Gusmão & Rael da Rima

Outra presença ilustre foi o lendário artista reggae Prince Alla que apareceu em uma das noites do Dub Club para dar uma canja. A visita de grandes artistas ao evento é de praxe e até nomes da música pop como Dua Lipa disseram que já deu as caras por lá para curtir uma noite de dub com locais e outros turistas. 

Outros pontos altos dessa viagem foi poder ir a lugares tradicionais da cultura dancehall em Kingston como Uptown Mondays e Weddy Wednesdays, só para citar alguns dos principais. Lá pude ver de perto a dança quente e sensual do dancehall, também conhecida como Daggering. O ritmo forte e sincopado em alto volume faz com que os presentes se joguem como num verdadeiro bailão remetendo um pouco à cultura funk de favela do Brasil, que também é afrodiaspórica. Além disso, poder visitar o museu no qual foi a casa de Bob Marley foi uma experiência muito emocionante também. Estar no Tuff Gong Studio, no quarto da lenda e na cozinha onde ele sofreu atentado foi um dos grandes momentos dessa visita. 

Para fechar, visitei o Caymanas River nos arredores de Kingston. Um local frequentado pelo povo para nadar, tomar sol e ouvir dancehall em alto volume das caixas que vêm dos bares próximos. Essa foi um momento bem “raíz” da viagem na qual pude experimentar um pouco do lazer dos locais de Kingston.  

Na Colômbia, mais exatamente em Bogotá, pude trombar pessoalmente com o rapper LumbreSiete e dar um rolê pelas redondezas de Park Way e Chapinero; dois bairros bastante culturais e efervescentes na cidade. Em Chapineiro, está a casa de show Latino Power na qual pude assistir o show de lançamento do disco Go Die (2023) do rapper Anyone Cualquiera que também contou com as apresentações de Error 999 e Sison Beats. O local estava bastante cheio com a presença massiva da juventude de Bogotá na casa.

No mesmo Latino Power, assisti também a um show clássico de Cumbia do Camilo Torres y Los Toscos. O baterista de Los Toscos é ninguém menos que Pedro Ojeda; um dos músicos mais produtivos e pró-ativos da atual cena de música popular colombiana. Ojeda está a frente de diversos projetos sendo um nome que vale a pena pesquisar mais a fundo aos interessados na música feita em nosso continente. Ir a uma noite de cumbia foi uma forma de me aproximar mais da cultura local e curtir uma noite espetacular de dança e um dos ritmos mais tradicionais da Colômbia que já está presente em todas as Américas. Ir ao tradicional bar de salsa Quiebra Canto também foi outra forma de expandir os horizontes em Bogotá para além do hip-hop somente. 

Outro ponto alto foi frequentar uma noite de reggaeton – mais um ritmo expressivamente forte em Bogotá – na casa noturna Candelario em outro bairro efervescente da cidade chamado Candelária. A forma caliente de dançar conhecida como “perreo” remete um tanto quanto aos bailes funk brasileiros. Perceber a semelhança entre ritmos e danças afrodiaspóricos em diferentes países latino americanos foi algo especial. Sem falar que os beats e a forma de rimar dos vocalistas de reggaeton estabelece também uma conexão com a cultura hip-hop de uma forma ou de outra. 

No Brasil, o grande rolê foi finalmente conhecer o evento Beagrime que tem como um dos organizadores o MC Well do fenomenal grupo de UK Garage ruadois. A festa aconteceu na já tradicional Casa Sapucaí na Rua Sapucaí, uma das ruas mais efervescentes da atual Belo Horizonte. Com diversos DJs e atrações ao vivo, os sons que tocavam naquela noite passaram por variados estilos como eletrônico, jungle, house, baile funk, rap e UK Garage. Uma festa bastante original e abarrotada de gente… nada melhor, não é mesmo?

Outro ponto importante foi a troca de ideia com o duo de DJs Ressonantes, formado por meus amigos DJ Giffoni e Tobias. Ambos com larga experiência na cena hip-hop mineira, hoje integram esse duo que aborda o hip-hop em suas vertentes mais dançantes e abrasileiradas. As festas e festivais nos quais tocam têm sido um sucesso, deixando o público surpreendido por suas mixes e remixes de hip-hop com música brasileira, principalmente. 

Esse foi um nem tão breve resumo do meu trabalho de campo pesquisando a cultura e música hip-hop na Américas e Caribe. Curtiu o rolê? Então, deixa seu comentário e bora trocar ideia. 

-Acompanhe o pesquisador e beatmaker Gusmão no rolê pelo hip-hop das Américas e do Caribe!

Por Gustavo Souza Marques (Gusmão)

 

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