Helen Nzinga e o seu EP Nzinga Mbandi (2019) – Depois de um tempo, um novo quadro que estreamos aqui no Oganpazan, leiam…
Obviamente, se você acompanha realmente o cenário de qualquer estilo musical, é natural que alguns trampos lançados em um ano passem batido por você. e se você acompanha mais de um ou vários cenários, certamente muita coisa passa por você. Há nesse sentido um certo prazer na ignorância, aqui entendida como uma postura diante da realidade, a consciência de saber que não se sabe e com isso estar sempre aberto a descobrir e se espantar com o novo. Ou como diz o meu chapa Guilherme Espir: “No final do dia é que você vê que não sabe nada de música”.
No ano passado, o EP de estréia da Helen Nzinga passou por mim numa das roladas de timeline e por diversos motivos não alcancei o trampo. Agora, em meio a quarentena fui fazer o dever de casa, e além do prazer de descobrir melhor essa artista, me foi presenteado também a ideia de escrever sobre discos recentes. TO público e uma parte da mídia hoje em dia tem um tesão, na verdade sofre de um “priapismo” com relação à novidade, mas poucas vezes, retomam, ou vai mais a fundo para ouvir com outros “olhos” trabalhos recentemente lançados.
É importante lembrarmos que estamos diante da arte, quando falamos de música, logo, a mesma não sofre de prazo de validade. É preciso que o desejo seja melhor conduzido para que de fato sejamos capazes de formar um público melhor informado, mais consciente daquilo que aprecia, com um gosto mais aberto e mais amplo. Senão é isso que está dado aí, um público querendo mais do mesmo, e mesmo, quando se está diante de público com apreço por minorias, ainda estão desejosos das produções que reforçam o já dado.
A ideia de público consumidor, carrega talvez de modo pouco percebido esse vírus que atribui às obras de arte o mero caráter de produto, logo descartável, e de um público consumista das últimas novidades. Aqui no Oganpazan preferimos o termos apreciadores de música, amantes da música, entusiastas da música. Buscamos ao longo da nossa formação, nós editores e colunistas, cultivar o amor e conhecimento pela música daí a necessidade que possuímos de escrever sobre o que amamos: Música. Em seus mais diversos formatos.
Tomar contato com Nzinga Mbandi (2019) nos coloca em confronto direto com essas e com outras questões. O primeiro EP da MC carioca foi algo pouco “consumido”, mas esse não é o maior dos problemas para nós. Números metem muito, e nessa era de fakenews então, a coisa beira as raias da loucura. O lance que mais me chamou atenção foi que esse EP que está redondinho, mas foi pouco comentado no cenário, com exceção do NP (Noticiário Periférico) e de nós mesmos que incluímos o EP num artigo. Ao mesmo tempo, que no meu círculo de interlocutores apenas o mano André Clemente de Farias me falou sobre o disco de modo elogioso.
Obviamente, essa falta de comentários e matérias reflete um balaio imenso de problemas, mas aqui, quero abordar o quanto perdemos ao não termos acesso a artistas como a Helen Nzinga. Mulher negra periférica, a carioca já vem seguindo faz um tempo no corre da música, essa caminhada começada no grupo D’Missão e há mais ou menos 5 anos ela começou sua carreira solo. Essa trajetória nos apresenta uma artista que tem consciência de sua arte, no duplo sentido de forma e conteúdo. Técnica e discurso, estão muito bem alinhadas nas suas músicas e refletem uma MC, cantora e compositora, que transita com tranquilidade pelo Rap e pelo R&B. Com um flow que pode mesclar sedução e agressão, que faz as suas letras/sonoridades abrirem um território próprio.
Com o nome da rainha guerreira angolana, ela lançou um EP com 5 faixas diversas mas coesas na vibe de lutar por empoderamento, levando avante e de modo estratégico a resistência de mulheres através da poesia e do ritmo. Para isso ela criou todo o EP sob o conceito/afeto da ancestralidade que Nzinga Mbandi carrega, ao ter resistido de modo brilhante ao colonialismo português no século XVI. Tamanha façanha encontra aqui – na carreira artística em diáspora – um equivalente individual.
Contando com a produção da Reurbana Styling, que também é responsável por dois dos beats presentes no EP enquanto Apuke Beats e DuduFox assinam outros dois. A escolha desses beatmakers apresenta um brilho que é capaz de iluminar a versatilidade de tonalidades poéticas que as posições do feminino trabalhada poéticamente pela Nzinga nos oferta. Não existe essa abstração que utilizamos comumente: mulher preta, certamente existem infinitas mulheres negras, mesmo dentro de um só mulher. E apesar de usar uma figura histórica como inspiração conceitual, a Helen Nzinga não reduz nada a mediocridade, antes ampliando o leque de entendimento e de comunicação.
O flow baobá, inquebravel e flexivel no ponto certo, já na primeira faixa homônima com um braggadoccio deixa a coisa bem escura para pela saco, pegar a visão diante do que está de frente. A potência de estar em infinitas posições é representado não apenas pelo discurso, em “Martas”, flagra a diversidade de flows que a mana manda com o seu poder de fazer com que a mensagem se adeque a forma. “Movimento” que vem com a participação de Yas Werneck, onde segue engatilhada contra o racismo e o machismo estrutural de nossa sociedade.
A faixa “Dandaras” tem o acompanhamento de uma banda e de sopros, onde a aqui cantora versa sobre a força de resistência de milhões de Dandaras que estão todos os dias na luta. Assim como na última faixa, onde o “Somos Rainhas” é um canto para construção de auto valorização das manas ao longo do país contra o racismo e o patriarcado.
Helen Nzinga, tem uma coleção muito boa de singles, inclusive tendo lançado já dois esse ano, Privilégio de Macho feat Taz Mureb e na última semana soltou o single Mar. Duas peças que devem ser ouvidas, assim como todos os seus outros trabalhos. Uma artista que caminha com versatilidade pelo Trap, pelo Boombap, que canta com talento e boa emissão, variando flows, temáticas, mas sempre na luta, como boa MC.
-Helen Nzinga e o seu EP Nzinga Mbandi (2019) – Depois de um tempo
Por Danilo Cruz