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Harvey Mandel & seu legado no Snake Box

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Um dos maiores e menos reconhecidos guitarristas britânicos. Essa poderia ser uma boa frase para sintetizar a carreira do brilhante Harvey Mandel. Guitarrista de técnica apuradíssima e com noção clara sobre groove e dinâmica, Harvey ostenta uma carreira solo riquíssima, além de já ter tocado com grupos e artistas como Canned Heat, Bob Dylan, Rolling Stones, Charlie Musselwhite e o pai do Blues na Grã Bretanha, John Mayall.

Harvey Mandel e o tapping

Um dos primeiros guitarrista de Rock/Blues a utilizar a técnica do tapping – inclusive o próprio Eddie Van Halen cita o Harvey Mandel como influência nesse assunto – o som do guitarrista agrega muitos estilos e é possível escutar ecos de diversas veias da música norte americana. O som é distinto e sua abordagem única resulta em discos arrojados, sempre com repertórios sólidos e astuta capacidade de composição.

Apesar de tudo isso, vale ressaltar que depois dos anos 70, seu Blues não ganhou muita projeção. Nem mesmo durante o fim dos ’60 e começos dos ’70, época em que o músico cunhou seus melhores discos, ele teve a merecida atenção.

Purple Pyramid Records – Snake Box

Mas aí veio a Purple Pyramid Records e promoveu um resgate fundamental. O selo relançou 5 dos principais trabalhos do guitarrista, além de 1 disco extra, inédito em sua discografia.

Dono de um fraseado Blueseiro que remete ao Jazz e um intrincando jeito de groovar, Harvey Mandel emula sua guitarra com uma classe pouco antes vista e ouvida. E esse box compila 6 grandes trabalhos do músico, além de lançar uma preciosidade inédita, um raro show ao vivo do guitarrista, junto de nada mais nada menos que Jerry Garcia, Elvin Bishop, Stephen Miller, Mickey Hart e John Chambers, diretamente do The Matrix, tradicional clube de São Francisco.

Com uma qualidade de som digna de nota, esse box vem recheado com os seguintes discos:

Disco I – “Cristo Redentor”
Disco II – “Righteous”
Disco III – “Games Guitars Play”
Disco IV – “Baby Batter”
Disco V – “The Snake”
Disco VI – “Live At The Matrix”

“Cristo Redentor”

Primeiro disco solo de Mandel, “Cristo Redentor”, lançado em 1968, é um trabalho instrumental, cuja sonoridade beira o inclassificável. A faixa que nomeia o disco é uma composição do célebre pianista de Jazz Duke Pearson, que lançou registros de rara beleza por selos icônicos, como o Blue Note, por exemplo. As orquestrações são lindíssimas e blindam a guitarra com rara elegância. O clima de “Wade In The Water” mostra a força das cordas e os vocalizes das cantoras soprano presentes na faixa um grande deleite.

Harvey cria uma tapeçaria guitarristica que vai do Jazz ao Blues, como se ele estivesse levantando para pegar um pouco d’água de madrugada. Depois do play, parece até fácil. Pra quem gosta de efeitos de guitarra, também é um prato cheio.

“Righteous”

Segundo disco solo, “Righteous”, lançado um ano depois, já em 1969, mostra uma clara expansão de horizontes sonoros, com nova abordagem instrumental, com ressalva para “Boo-bee-doo”, única track com voz do play.

Novamente unindo aos arranjos de cordas e metais, Harvey valoriza a riqueza timbrística, dessa vez com uma linha de composição que leva em consideração um conjunto de ideias mais colorido, tendo como grande destaque o swing, uma característica importante de seu estilo. 

Com um approach que mostra sua paixão pelo Jazz das Big Bands, “Jive Samba” mostra como um grande arranjo pode encantar os ouvidos. “Righteous” já chega com uma sonoridade mais definida, principalmente no direcionamento de arranjos mais cheios e influências do Jazz, além de outras ramificações da música norte americana.

Esse LP mostra um músico encontrando seu estilo. Dá para notar como o cidadão se sente bastante confortável nessa onda gravitacional do Blues-Jazz-Funk.

Como chora o cavaco na faixa de abertura, hein Harvey? Aliás, é interessante perceber, conforme avançam os anos, como o som vai ficando cada vez mais swingado.

“Games Guitars Play”

Depois de 2 discos, Harvey teve tempo de entender como o formato de sua música ainda tinha um approach pouco comercial. Com o objetivo de expandir seu público, o músico mudou o esquema de seu Blues, visando uma estrutura que privilegiasse um vocal. O escolhido para essa missão? Russell DaShiell e o resultado foi “Games Guitars Play”, seu terceiro esforço de estúdio, lançado em 1970.

Com uma pegada recheada de covers mais trabalhados no lado R&B da força, o americano ainda cria climas e passagens riquíssimas e bastante criativas, apesar da dinâmica tradicional de banda de Rock, que permeia metade do LP.

São 4 faixas com voz e 4 temas instrumentais, e parece que o reverendo Harvey se sente mais a vontade quando o groove não tem gogó. Tem pra todos os gostos, desde os fãs de combos de Blues-Rock com vocal, até apreciadores do néctar instrumental.

“Baby Batter”

Quarto disco solo de Harvey, e mais um prova de como o cidadão é no mínimo um prolífico compositor, “Baby Batter” (lançado em 1971), desafia os padrões de John Mayall e chega com um Jazz-Rock que rivaliza com o “Jazz Blues Fusion” que o britânico lançaria só 3 anos depois, já em 73.

Depois de liberar seus 3 primeiros registros através da Phillips, “Baby Batter” retoma a veia mais exploratória, talvez em função de ser o primeiro disco num label novo, a Lanus, que também seria a casa de seu próximo disco, “The Snake”, que saiu em 1972.

Conforme a década de 70 caminhava, Harvey surgia com fórmulas cada vez mais Funkeadas. Aqui ele encontra um equilíbrio sublime entre arranjos e o groove instrumental.

 

“The Snake”

Quinto lançamento da carreira de Mandel, “The Snake” (72) é o último disco de estúdio do “Snake Box”. Com um approach pautado nos alicerces do Rock, mas com ecos de Country em meio a mais um disco quase todo instrumental, as ideias musicais aqui presentes novamente trazem aquele quê inclassificável, talvez a maior qualidade de Harvey.

Certeiro na direção de timbres de guitarra, Harvey cria paisagens sonoras estonteantes. Nesse trabalho em particular, é possível perceber como o timbre é um dos principais elementos do som. Uma característica ímpar que é extremamente valorizada por um guitarrista criativo e que mostra, disco após disco, estar numa incessante busca pelo tom universal, munido sempre de inéditas que valorizam suas habilidades como compositor e arranjador.

Por último, mas jamais menos importante, vale lembrar da participação de Don Sugarcane Harris nesse play. Seu violino deu um acabamento diferenciado para a jam que aqui, é quase toda instrumental, salvo as vozes de “Uno Ino”.

“Live At The Matrix”

Peça inédita na discografia do guitarrista, “Live At The Matrix” é o único show ao vivo que Harvey registrou durante sua fase de ouro.

Gravado em São Francisco, Califórnia, esse show pega o guitarrista bem na fase do “Cristo Redentor” e ainda consegue registrar uma performance com uma das melhores bandas de apoio que Harvey poderia querer.

Com Jerry Garcia, Elvin Bishop, Stephen Miller, Mickey Hart e John Chambers, “Live At The Matrix” é um live composto por apenas 4 temas, sendo que a abertura é uma jam com quase 40 minutos. Com o Jerry Garcia no meio não tinha como não improvisar.

“Shangrenade”

Para fechar, o único “problema” desse box, se é que tem como falar assim, é que um dos melhores discos de Harvey não figura entre os relançamentos. “Shangrenade”, sétimo disco do americano, lançado em 1973, é um daqueles LP’s para se ouvir rezando. Trata-se de uma sonoridade fascinante que dá um nó na cabeça do ouvinte e mostra uma abordagem bastante distinta, principalmente devido ao instrumental.

Com a presença de Don “Sugarcane” Harris (violino), Harvey registra um de seus picos criativos enquanto cunha um rubi nas guitarras, com a precisão de um ourives P.h.D em termos de harmonia. Se liga no trampo de bateria do Danny Keller. Sem esse cara o disco não teria essa malemolência no Funk, sua presença é pilar fundamental nessa gravação. Procurem e comprem separado, esse disco do Harvey Mandel é fundamental.

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