Gueibz, velhonabs & Marcelo Emzy são três visões do rap, um pernambucano, um baiano e um mineiro, cada qual ao seu jeito expressam o hip hop!
Muitos gostam de comparar e eleger, e isso é quase uma prática fetichista de juízos pseudo estéticos. Nos últimos anos tenho abandonado veementemente essa prática e buscado conhecer e desfrutar, ouvir e pensar, abrir perspectivas ampliando horizontes de compreensão, mas do que julgar. Como diria Antonin Artaud, Para acabar com o Juízo de Deus e com o nosso trabalho evitar que outros artistas sejam suicidados pela sociedade.
Sabemos que existem os deuses que elegem verdadeiramente o que merece ou não nossa atenção né? Assim como existem os fiéis que rezam na cartilha da palavra divina. Mais o nosso coração ateu não aceita comandos externos com facilidade, sendo assim, seguimos correndo pelo país através das mais diversas produções. Somos honrados de sermos procurados pela qualidade dos nossos textos por artistas de toda parte, que estão fora do horizonte, e que nem estão nas pratileiras do mind ou do mainstream.
Obviamente temos nossas preferências, somos parciais, reconhecemos os grandes mestres, mas não acreditamos em vedetes, estrelas e mercado. Acreditamos na música, e apenas nela e por conta disso sempre estamos curiosos por novas produções, buscamos sempre ouvir com atenção os trabalhos recebidos. E é nessa perspectiva que fomos ouvir os trabalhos de Gueibz (PE), Nabs (BA) e Marcelo Emzy (MG). Três rappers que soltaram trabalhos muito interessantes , e que produzem sons bem diferentes entre si, sendo aqui a reunião dos mesmos apenas pela diferença de propostas e pela busca de conhecimento que é o caminho a verdade e a vida do real hip hop.
Gueibz – Café e Lofi (PE)
Esse EP é uma delícia de ouvir, Café e Lofi (2019) é um compilado de 6 faixas de um rapper do interior de Pernambuco. Mais especificamente da Zona da Mata, e se localizando em Carpina, Gueibz produz arte. Se ancora no hip hop, produzindo um rap rico numa ambientação bem particular e dialogando com a estética lo-fi. Suas tracks nos apresentam suas vivências, suas referências que vão de Kant à Godard, que obviamente tem o mestre Don L como um dos exemplos de excelência no rap nacional.
Mas não apenas, erudição está em jogo aqui apenas no sentido de que o conhecimento precisa ser revertido em força e resistência aos aspectos mais bizarros do status quo. Encontramos também faixas falando sobre amor, sem rimar isso com dor, ou seja, sem os clichês comuns em lovesongs. Essas imersões vão também de encontro ao estado de coisas que vivemos hoje na contemporaneidade, e nesse caso o Gueibz mira a caneta e acerta no alvo em faixas como Rolê de Bizz Vermelha.
E é gostosinho demais a faixa final apresentando a musicalidade do mano numa composição que ele mesmo brinca no início chamando de Djavan Lofi…. A mix e master ficou por conta do Diogo Alves. De resto, é aquilo, conheça o trampo de Gueibz que certamente deve continuar produzindo suas músicas, pois talento para tal possui.
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@velhonabs – Thugstênio (BA)
https://www.youtube.com/watch?v=iTTCe4SUDu0&list=PLXE9QOwu-HLq07bDKHs7u4BJZqJnuM3xd
A cena baiana é braba demais, se você que está lendo isso não sabe, procure saber. @velhonabs me chegou via twitter e ouvir o disco de estréia desse mano pelos corres nas ruas em que somos conterrâneos é diferente. O disco é composto por um total de 9 faixas que estão trabalhando diferentes perspectivas dentro de uma estética prioritariamente trap. E aqui fará mais sentido mencionar a cena no começo do parágrafo.
O trap é um dos gêneros musicais que teve na Bahia alguns dos pioneiros do pais, quando da chegada dessa estética no Brasil. Sendo assim, o mano @velhonabs dá sua contribuição para mostrar o quanto a inventividade é traço fundamental por aqui, Salcity é barril. Longe às milhas dos clichês do gênero, o MC e produtor apresenta beats e letras de sua autoria e com assinatura/desenvoltura original.
Pense-se por exemplo no título do disco: Seria a depressão, o único estado mental possível? Ao contrário de muitos que tomam essa questão como um muro das lamentações chorosas, @velhonabs luta. Essa luta é refletida de diversos modos ao longo do disco. Um dos modos mais importantes é a forma como o artista sintetiza todo a conjuntura que adoece hoje milhares de pessoas. E é essa produção de um discurso musical poético e sonoro que faz desse disco algo digno da audição e da consequente dixavação das tracks. O capitalismo segue adoecendo e matando e o artista baiano consegue com muita perspicácia desvendar as diversas armadilhas que são motadas pelo sistema! Escutem
Marcelo Emzy – 1998 Tempo é Deus (MG)
https://www.youtube.com/watch?v=jrtOqgBZGF8&feature=emb_title
Olha trap de novo aí, só que dessa vez diretamente das Minas Gerais, de Poços de Caldas, o mano Marcelo Emzy lançou daqueles discos que o público desse subgênero, controlado por algoritmo não sacou. Por aqui não padecemos da doença de negar nenhum estilo musical, pelo contrário, acreditamos que o trap acrescenta novas cores e ajuda a renovar o rap como um todo. Porém, assim como tudo na vida é preciso qualidade e isso esse mano tem.
O conceito que trabalha o disco é admiravél pois vai no cerne do problema que todo músico, mas que também todo o ser humano atento a existência enfrenta: O Tempo. Se esticarmos esse conceito iremos até Heidegger para pensarmos na fundamentação do tempo na existência, ou mesmo Santo Agostinho. O lance é que aqui ao seu modo Marcelo Emzy erigi um altar para o Tempo entendido também como um espaço por onde ele desfia suas percepções, ideias, anseios e desejos. É bacana sacar como o andamento mais lento dos graves, de algum modo demonstram uma adequação muito boa com a visão de mundo apresentada pelo MC.
O disco 1998 – O Tempo é Deus (2020), apresenta uma luta que ocorre dentro do tempo, por melhoria de vida, apresenta críticas, mas busca união. A duração é sempre mais importante que a cronologia, e nesse sentido os pouco mais de 32 minutos do disco, nos transporta para uma verdadeira experiência. Cabe-nos absorver bem as ideias e a sonoridade que o artista nos apresenta! As 12 faixas que compõe o disco mostram-nos a excelente produção de Dough e obviamente a lírica do Marcelo Emzy que conta com Paulo LP, Jeff e Lu Afri nas participações. Um disco que certamente não vai agradar o público bobo e adolescente que curte ouvir o que não dá pra entender. Para nós, parece-nos um disco para outro público… O tempo vai dizer!
-Gueibz, @velhonabs & Marcelo Emzy são três visões no hip hop!
Por Danilo Cruz