GRLS SP é uma coletânea que traz um line up de 10 bandas engajadas na luta contra a opressão voltada contra as mulheres.
Contudo, não sendo possível contemplar esse critério, parece-me melhor tentar cumprir essa missão, mesmo sendo homem, uma vez que mostrar a presença do machismo, muito bem estruturado na esfera social, bem como as ações realizadas para denunciá-lo e combatê-lo se fazem sempre necessárias.
Feitas as devidas considerações, peço licença a todas vocês para abordar uma temática de tal natureza. Isso porque o lançamento de um trampo desse tipo não pode ser tratado apenas como um lançamento de mais uma coletânea de bandas underground. Esta coletânea é marcada de forma determinante por bandas de protagonismo feminino, cuja maior parte delas possui formação 100% feminina. Evidência indiscutível da força das mulheres no centro da cena, o palco, de onde emana toda energia que mantém o underground em funcionamento. Portanto, trata-se também de um ato político. Vai muito além da música. Dai o caráter feminista desse lançamento.
Tomei conhecimento da coletânea através do perfil do Instagram das Ratas Rabiosas, banda que conheci faz alguns anos, que tive o prazer de escrever sobre alguns de seus trabalhos e que está presente nessa importante coletânea intitulada GRLS-SP. O lançamento se deu recentemente, seu propósito era reunir músicas autorais de bandas de protagonismo feminino na cena underground de São Paulo.
A curadoria ficou a cargo do selo paulistano Crasso Records, também responsável pelo lançamento desta coletânea. Pela análise das músicas que compõem a GRLS-SP, percebemos que a escolha do set list teve como critério seletivo a natureza das letras. Estas denunciam, combatem e conscientizam sobre as várias formas através das quais o machismo se apresenta como instrumento de opressão das mulheres.
A partir daqui iremos tentar oferecer uma análise das músicas escolhidas para a coletânea GRLS-SP e falar um pouco sobre cada uma das bandas.
Faixa 1. A Rua É Um Campo de Batalha – Charlotte Matou Um Cara
Puta que o pariu!!! A escolha da Charlotte Matou Um Cara para abrir a coletânea coloca o ouvinte num estado de atenção alucinante! As minas despejam uma enxurrada de adrenalina no corpo de quem dá o play sem conhecer a banda. Foi o meu caso.
O som das minas ataca violentamente seu sistema nervoso através de uma descarga elétrica de alta voltagem. Boa parte desse efeito se deve ao vocal extremamente agressivo da Andrea, que são como facadas certeiras desferidas contra o peito do opressor.
A faixa escolhida pra representar a banda nesta coletânea, A Rua É Um Campo de Batalha, tem versos que dispensam metáforas e partem pro sentido literal das palavras. Mostram as ruas como um ambiente extremamente agressivo para as mulheres, exigindo das mesmas atitudes que visem preservar sua integridade física. O papo é reto, o refrão avisa “Não mexe comigo que eu arranco o seu saco!”.
Fui conferir o perfil da banda no Spotify pra conhecer melhor o som das minas. Em 2017 lançaram o álbum homônimo com 11 faixas eletrizantes que vão sendo emendadas uma na outra durante a reprodução do disco. Elas vão da primeira à última música numa dinâmica eletrizante, de tal forma que se tem a impressão de que foi tudo gravado de uma vez, “numa sentada”.
A sonoridade das minas conjuga muito bem a crueza punk, com um estilo de vocal gritado e a rapidez do andamento, bem como do instrumental, construindo uma identidade de extrema agressividade pra banda. Sinceramente, gostaria demais de colar num show ao vivo da Charlotte Matou Um Cara. Abaixo o álbum da banda pra vocês conferirem com mais detalhes o que é o som dessa banda insana!!
Faixa 2. Destroy It – Cyanide Summer
Destroy It mostra essa característica da banda que tem nos vocais da Ade força e intensidade suficientes pra expressar a mensagem explosiva da banda. Completam a Cyanide Summer Re Prado no baixo, Corsi na guitarra e Peralta na batera.
Em fevereiro lançaram o EP Viajar / Doses de Realidade. Que trazemos aqui para que possam ouvir um pouco mais da banda e de suas influências sonoras bem definidas nessas duas faixas lançadas esse ano.
Faixa 3. M.S.B.(Movimento das Sem Banheiro) – Sapataria
Exemplo desse tom combativo da banda está presente na letra de M.S.B (Movimento das Sem Banheiro) música da banda presente na coletânea GRLS-SP. Trata da afirmação da identidade pessoal e luta contra dispositivos de repressão social usados para formatar perfis sociais adequados aos interesses das elites econômicas e políticas que comandam a sociedade. Nesse sentido se faz necessário atacar a moral reacionária ancorada fortemente em valores religiosos, aqui no Ocidente especificamente, dos valores cristãos.
Em meio a onda raivosa ancorada em ideais retrógrados de um conservadorismo hipócrita, fortalecida pelo aumento e propagação do bolsonarismo, que só faz intensificar a perseguição contra a comunidade LGBTQ, mulheres, negros, trabalhadores, moradores de periferia, bandas engajadas como a Sapataria são necessárias. Abaixo deixamos o Ep homônimo da banda lançado em 2018 pra conferir mais do som matador das minas.
Faixa 4. Quando Eu Crescer – Time Bomb Girls
Conheci a Time Bomb Girls através dos irmãos Gagliano, membros da Ivan Motosserra Surf & Trash, banda de surf trash aqui de Salvador. Bateu onda de imediato! A escolha do último single lançado pela banda, Quando Eu Crescer, fortalece o caráter combativo desta coletânea.
A música é um punk rock cheio de veneno que revela o sonho de criança das minas em serem Bikini Girls With Machine Guns, revelando a inspiração das minas na figura selvagem dea guitarrista Poison Ivy.
Em tempos de suspensão do estado democrático de direito, em que há uma escalada de forças reativas extremistas no país, regidas por um governo cujas práticas estão pautadas em fundamentos fascistas, ser dona de casa, empresária, importante ou a Luana Piovani e aspirar por comprar casa, carro e ter uma vida de comercial de margarina só reforça comportamentos em conformidade com essa realidade distópica.
Quando Eu Crescer coloca em pauta uma questão que sempre foi central, a luta feminista por afirmar os desejos, anseios e o próprio ser da mulher, que é tudo menos aquilo que está em acordo com um projeto machista. Pois bem sambemos que o machismo sempre se fez presente na história da humanidade, porém, em tempos de bolsonarismo, a luta feminista se torna ainda mais importante. Isso porque essa onda extremista verde e amarela cria forças de combate ao feminismo e o coloca como baluarte da destruição da feminilidade, daquilo que do ponto de vista do machismo, constitui a essência feminina.
quando Eu Crescer destrói qualquer tipo de imagem machista da mulher. A música nos apresenta uma metáfora da feminilidade permeada por uma rebeldia selvagem, conduzida por uma força incontida de contestação de qualquer realidade opressora. Nesse sentido estamos diante de uma música feroz que dialoga com seu tempo, sombrio é verdade, colocando-se em posição de ataque a toda e qualquer forma de aprisionamento das mentes e corpos femininos.
Antes mesmo de completar um ano a Time Bomb Girls lançou seu primeiro trabalho autoral. O Ep homônimo possui duas faixas, Confere com a Muda e Not a Sad Song. As faixas apontam as influências da banda que vão da surf music, passando pelo punk, garage, country até o pschobilly. Ambas as músicas revelam a identidade sonora da banda, um hibridismo dos gêneros que as influenciam mais a forma de tocar original que a banda possui. Isso evita a mimetização das influências levando à criação de algo novo. Confere aí o Ep das minas.
Faixa 5. Tormenta – Nâmbula Mangueta
A Trash No Star é uma banda de sonoridade suja e carregada. Ficar Bem, contribuição da banda para esta coletânea, se desenvolve numa pegada mais rápida, enfatizando alguns momentos, principalmente no refrão, destacando a frase que expressa o desejo do eu lírico da música de apenas querer ficar bem.
A faixa trata de uma separação e do assédio comum em muitos relacionamentos por parte do homem, que não aceita o fim da relação e acaba insistindo, de forma abusiva, para que as coisas voltem ao que eram antes.
Ficar Bem integra o álbum Sinlge Ladies lançado em 2013. São 12 faixas que expressam o DNA barulhento da banda, claramente influenciado pelo indie dos 90 e pelo grunge.
Faixa 7. Cérebros Atrofiados – Ratas Rabiosas
Furiosas no som, na mensagem, no visual, em gestos e comportamentos, as Ratas seguem causando fortes tremores nos submundos da música. Engajadas na causa feminista, usam sua música para expor a opressão machista e mostrar que há combate, feito através de uma artilharia da pesada.
Sonidos de Combate, primeiro álbum da banda, lançado em 2018, mostra isso ao afirmar a presença marcante das mulheres na linha de frente do movimento punk. As letras engajadas na causa feminista e social encontram o suporte necessários na sonoridade agressiva da banda pra expressar a intensidade e força necessárias para se fazerem ouvidas, bem como inflamar mulheres e apoiadorxs das causas feminista e social a partirem pra ação. Ótima trilha sonora pra manifestações contra o bolsonarismo e também pra se ouvir durante a preparação pra sair e tocar fogo na fascistada, racistada e demais canalhas.
No Oganpazan temos outras duas matérias sobre as Ratas Rabiosas. Cliquem aqui e aqui e leiam um pouco mais sobre essa importante banda da cena undergound nacional.
Faixa 8. O Custo do Progresso – Alto Nível de Insanidade
Nayra assume a linha de frente da Alto Nível de Insanidade, tendo em seus companheiros Felipe (guitarra), Marcos (baixo) e Bollaxa, a base perfeita pra soltar de modo agressivo sua voz e fazer ecoar seus brados contra a estrutura opressa que vitimiza mulheres e a classe trabalhadora.
Em O Custo do Progresso a banda ataca a dinâmica capitalista, responsável por usar a energia de trabalhadorxs como combustível para colocar em movimento sua máquina.
Essa faixa nos oferece a dimensão do álbum homônimo lançado pela banda em 2017. Chamo atenção para a capa do álbum que expressa em imagens as ideias transmitidas pelas letras das músicas que o compõem. Uma mulher cometendo suicídio, explodindo a própria cabeça, uma clara referência à pressão imposta pela sociedade às pessoas oprimidas dentro da teia de relações sociais estabelecidas a partir da emanação do poder provindo das elites políticas e econômicas. Uma dinâmica existencial desesperadora responsável por aumentar mordazmente o nível de insanidades das mulheres.
Mete o play no álbum da banda e veja até onde vai a intensidade dessa insanidade!
Faixa 9. Abusivo – Cosmogonia
A Cosmogonia é uma banda punk/hardcore feminista, uma das precursoras do movimento Riot Grrrl no Brasil. A banda foi fundada no início dos anos 90, hibernou por um tempo retornando reenergizada, pronta pra engrossar as fileiras na luta contra o machismo e todo tipo de práticas opressoras voltadas contra as mulheres.
Isso fica bem claro na faixa Abusivo, cuja letra expões a condição existencial imposta à mulher e a incapacidade do homem de perceber tal realidade do alto de sua torre de marfim, alicerçada pelos privilégios que lhes são garantidos desde seu nascimento. Importante a ideia que a letra dá às minas sobre a necessidade de empreender essa luta juntas, identificando bem qual o inimigo e as armas que ele usa para perpetrar sua dominação sobre as mulheres.
Abusivo faz parte do EP Reviva (2019) que tem outras duas faixas Sem Silêncio e Tempo. No perfil da banda no Bandcamp vocês encontram outros registros da banda dentre trampos lançados por elas e coletâneas das quais participaram ao longo desses quase 30 anos de banda. Vamos disponibilizar aqui o trampo delas disponível apenas no spotify, trata-se do Coletâneas, também lançado em 2019.
Atualmente a banda é formada por Gabi Delgado nos vocais, Maria Esther na guitarra, Andressa Morais no baixo e Fernando Hernandez na bateria.
Faixa 10. América Latina (Acústico) – Gritando HC
Outra banda que atravessa décadas disseminando o hardcore e a mensagem engajada na luta contra a tirania voltada para oprimir trabalhadoxs. Luta contra uma estrutura de poder que usa a vida das classes populares para satisfazer seus interesses, garantindo o funcionamento da máquina que gera lucro e garante a manutenção desse poder.
Não a toa a faixa América Latina, do álbum Ande de Skate e Destrua (2000) foi escolhida pra integrar esta coletânea. A música tem sua letra escrita em espanhol, representando a união dos povos latinos contra a pilhagem imperialista que ainda nos oprime e nos subjuga como se ainda fossemos suas colônias. Temos na faixa a busca pelo esclarecimentos latino acerca de sua real condição e o apelo pela sua união para efetuar a luta de resistência contra seus algozes.
Detalhe, aqui temos uma versão acústica de América Latina, embora seja inusitado, possui toda fúria possível pra esse formato. Se não acredita compare as versões.
A banda em sua formação atual conta com Lê nos vocais, Cris Crass no baixo, Fabão na guitarra, Japa na guitarra e Léo na bateria. Gritando HC tem uma carreira bem sólida na esfera undergound que pode ser contatada pelos vários álbuns lançados pela banda desde sua fundação. Entra lá no perfil da banda e faça esse tour auditivo cujo início está lá nos saudosos anos 90.