Oganpazan
Destaque, Lançamentos, Lançamentos do Rap Nordeste, Música, Rap Nordeste, Resenha, Resenha

Gil Daltro fecha sua trilogia de EPs combatendo o fascismo de modo Corrosivo (2023)

Gil Daltro

Gil Daltro fecha sua trilogia de EPs em parceria com o produtor grego Abysmal e feats pesados, Corrosivo (2023) tá na pista!

“Fluxo sonoro na ponte Atenas-Sal. Marginal, derrubando esses pilares, guerra aos senhores aliança Ogum e Hares

Dono de uma lírica radicalmente politizada, o trabalho de Gil Daltro vem desde 2018 produzindo pequenos discos que são guias políticos de combate ao fascismo contemporâneo. Seja em suas expressões subjetivas sintomatizadas em comportamentos e formas de pensar como em “Narrando a Era da Psicose (2018)”, entendendo a psicose como um produto do capitalismo. Ou com essa trinca pesada de EPs que se iniciou no ano passado e que acaba de se encerrar. 

Em 2022, Gil Daltro lançou os dois primeiros episódios de sua trilogia anti-capitalista, abrindo os trabalhos com o EP Subversivo (2022) com toda a produção do inglês Giallo Point e participações de Galf AC, Napoleon da Legend, Che Uno e Lord Juco. Já em Pervasivo (2022), segundo movimento da trilogia, foi o próprio Gil Daltro quem produziu os beats, trazendo drumless no pacote e com feats junto aos MC’s Samora Machel, Tiago Negão, Dois As e Oddish Castro

Nestes trabalhos anteriores e agora no fechamento em alto nível de sua trilogia, o MC e produtor baiano Gil Daltro materializa aquilo que Abdias do Nascimento entendia como cultura: 

“Cultura não é apenas um ato de erudição, um ato separado dos acontecimentos, das ocorrências políticas, cultura é exatamente isso, uma luta permanente de libertação do ser-humano.”

É neste sentido que podemos entender aqui, essa trilogia do combate, do revide, do chamamento à luta contra todas as formas de opressão e extermínio do nosso povo, onde Gil Daltro utiliza o rap, a cultura hip-hop como veículo de suas idéias e sentimentos. Ele que também possui uma banda de hardcore, onde aliás começou sua caminhada na música. O artista utiliza estes dois gêneros musicais como formas de luta política e expressão estética, promovendo reflexões sobre nossa vida e como podemos resistir e avançar contra o fascismo de estado, contra um modo de produção explorador, enlouquecedor e excludente como o capitalismo. 

Com 8 anos de caminhada fonográfica no rap baiano, Gil Daltro que estreou no cenário com o grupo Fraternidade Maus Elementos com quem lançou clipes, cypher e o clássico disco “Eles Não Vão Perdoar” em 2015, é também cientista social formado pela UFBA e vindo da cultura hardcore, Gil também lançou 5 EPzinhos com 3 faixas cada em parceria com Galf AC no projeto Vapor. E nessa caminhada varia-se flow, beats, mas nunca as ideias. 

Acompanhar este trajeto, cria no ouvinte um sentido muito forte onde a erudição, desenvolvimento e heranças culturais do artista desaguam em uma arte que se faz corrosiva, realmente corrosiva diante de um cenário global a cada dia pior. O atual estágio do capitalismo que nos levou a uma nova era geológica – o Antropoceno – que já tem nos exposto a tragédias por conta das mudanças climáticas, junto a desigualdade social, aos resultados perversos da herança colonial e os vírus da patriarcado e do racismo e xenofobia daí provenientes, em nosso país, são os alvos de sua arte. Assim devemos entender os títulos  de sua trilogia Subversivo (2022), Pervasivo (2022) e finalmente Corrosivo (2023).  

O leitor pode estar estranhando esse levantamento, mas me justifico pois em Corrosivo (2023) tudo isso está acumulado em ato, pois além de ser o final de uma trilogia é também um fechamento de ciclo. De origem marxista quando se trata de análise política e social, Gil Daltro conjuga em sua poesia as pautas acima mencionadas. Proveniente do Hardcore e a sua expressão musical agressiva, no rap ele desacelera os BPM’s para pesar na sujeira e na importante arte do sample como elementos musicais identificados ao boombap contemporâneo, seja produzindo ou selecionando suas parcerias internacionais e nacionais.

“Tribunal de rua tem a caveira como crença, te fode como doença, age baseado na sua marca de nascença, segurança pública higienista, fuzis e viaturas garantidas na rubrica, protege o status quo que divide essa cidade, perpetuando o ciclo vicioso da maldade”

Composto por 7 faixas, com uma intro e seis músicas, sendo a última um instrumental, vale aqui perceber uma relação semiótica com as capas, com a forma e o conteúdo apresentados nesta trilogia. Na capa do primeiro volume dos EP’s Subversivo traz uma figura um personagem, a segunda capa de Pervasivo visualizamos uma viatura pegando fogo e finalizando a trilogia Corrosivo traz uma outra figura em fuga em um ambiente urbano onde ele está a frente de uma multidão. As artes das capas são de autores distintos, com Julio Alves e Francisco Junior, Sófia Canário (@dl1nqt) e finalizando Mattenie, o que nos mostra que Gil Daltro está plenamente ciente da direção do projeto. 

Subverter, penetrar e corroer, são os verbos que iniciam a luta, avançam e buscam destruir o status quo que segue nos matando cotidianamente, nos adoecendo e nos levando a farmacologia ou “simplesmente” nos moendo no cotidiano. A intro “Telefonema” levantam um clima de suspense sonoro, que recebe o consequente complemento com a segunda faixa “Meio Amargo”, um boombap clássico onde o MC se “apresenta”, se diferenciando e passando a visão do que o ouvinte irá encontrar daí pra frente, a faixa traz o feat do grego Sayatan. 

Seguindo com ritmo e ideias pesadas, Gil Daltro convida um bondão do interior da Bahia, com Infoguerra, Aganju Uh Anti Influencer e o MC capixaba Loko, onde o tema principal é a guerra racial de alta intensidade (conceito do professor doutor em história Aganju). Esse é um dos momentos altos do EP pela variação de flow e pela coesão diferencial entre as líricas onde os MC’s variam sobre o mesmo tema, o supremacista branco e o seu “Tribunal de Rua”.

Abysmal

O produtor e beatmaker grego Abysmal mostra suas armas de modo elegantemente sujo e pesado, criando uma ambiência de suspense ao longo de todos os beats, com a aplicação de samples sombrios, timbres misteriosos, e as batidas cadenciando as ideias corrosivas ao longo do trampo. Em “Cronos” em uma homenagem ao clássico ao flow de Mano Brown do Racionais MC’s, Gil Daltro discorre sobre a correria dos nossos dias no atual estágio de um capitalismo da cognição e dentro de uma sociedade de controle. 

Os desafios do cotidiano de quem vive a rotina de trampo no horário comercial, estuda e ainda faz arte, em uma sociedade corrupta, brutalmente violenta, xenófoba, diante das falsidades sociais e das obrigações para se organizar diariamente. Ainda assim, diante de toda essas condições o artista baiano se mantém firme diante daquilo que acredita ser a função da arte e da cultura hip-hop.

Se em “Cronos” as batidas cadenciadas abriam espaço para uma reflexão poética sobre o tempo e a existência e seus problemas políticos e éticos. Agora com “Fio da Navalha” em um beat boombapzão bate cabeça, Gil Daltro dispara uma sequência de punchlines contra a indústria cultural e seus atores mais artificiais, as subcelebridades e os “artistas” que não passam de repetidores de fórmulas. Uma faixa que deveria ser ouvida em alto e bom som, de preferência batendo cabeça, um hit para esse que vos escreve!

Com “Roleta Russa”, o MC soteropolitano promove um storytelling sem um cenário fixo que não uma rua qualquer dentro de alguma periferia de alguma cidade nesse Brasil. Denunciando ao passar a visão sobre o quanto devemos hoje andar atentos diante de um cenário onde os números de homicídios ultrapassam números de guerras civis, espremidos que estamos entre uma polícia sanguinária e as guerras de facção, no caso de Salvador e de muitas cidades do nordeste e de outras regiões. 

O EP Corrosivo se encerra com um beat do Abysmal com toda cara de tema de trilha sonora de filmes policiais, o que nos remete mais uma vez a semiótica que pode ser analisada através dos 4 trabalhos em EP do Gil Daltro mas sobretudo nesta trilogia que se encerra com Corrosivo (2023). Deixando em aberto o caminho da luta, com a imagem do nosso personagem da capa vindo de encontro aos nossos olhos. Corrosivo é em se mesma a trilha sonora não apenas do personagem em questão, mas de todos nós que lutamos contra as injustiças e as artimanhas desse sistema em que vivemos, seguimos e Gil segue nos inspirando. 

Escutem: 

-Gil Daltro fecha sua trilogia de EPs combatendo o fascismo de modo Corrosivo (2023)

Por Danilo Cruz 

Matérias Relacionadas

Dead City Riot – Motor City Madness

Danilo
10 anos ago

Jack White: O Sweeney Todd do Lollapalooza

admin
10 anos ago

Iza Sabino e a invisibilização de mulheres no hip-hop (de novo!)

Redação Oganpzan
5 anos ago
Sair da versão mobile