Gigito lançou na última quarta-feira, 09 de agosto, o single Amanhã Eu Não Vou Trabalhar, dando uma prévia do que será seu novo álbum.
Quem nunca ouviu a expressão “O trabalho dignifica o homem!”? Comumente seu uso é feito para apertar o laço moral entre caráter e trabalho, buscando nos condicionar à compreensão do trabalho apenas como o mero desempenho de uma função em troca de salário, através da qual alcançamos a elevação moral: a dignidade. Assim, apenas uma ínfima parte da noção de trabalho nos é apresentada, impedindo que comparações sejam feitas e possamos analisar e concluir qual aspecto do trabalho consideramos melhor, e a qual queremos nos dedicar.
Essa moralização do trabalho visa colocar o ser humano numa rotina de martírio afim de produzir riqueza a terceiros, que fomentam essa moral, aplicando-a aos trabalhadores enquanto se esquivam dela. Para estes terceiros, a elevação moral está na prática da humildade, que é o que fazem, segundo seu ponto de vista, ao oferecer trabalho àqueles que precisam de um salário para sobreviver. Essa dinâmica coloca o trabalhador comum numa rotina tortuosa, sempre vista pelo seu lado positivo, pois seria muito pior caso estivesse desempregado. A dureza dessa realidade está nessa dualidade simplista onde há de um lado trabalho-salário e de outro desemprego-penúria. Dos males o menor.
“Amanhã Eu Não Vou Trabalhar” quebra a dualidade, perfura essa pretensa realidade desembocando numa outra trama possível, onde desempenhar um trabalho se harmoniza com realizar atividades que afirmem a existência. Ao menos essa perspectiva se apresenta a partir da completa negação da atual feita através da recusa de honrar o compromisso de ir trabalhar no dia seguinte.
Gigito domina a difícil habilidade da síntese poética, consegue dizer muito em poucas palavras, em versos pequenos e certeiros. Inova sempre ao conseguir unir a essência do punk rock com a forma do bluegrass (Para saber mais sobre bluegrass clique aqui). Os versos da seguinte estrofe corroboram essa minha afirmação:
Dia livre é só domingo e metade do sábado
Na semana eu me mato, suicídio proletário
Não pedi pra ser assim, sou um puto obrigado
E amanhã eu não vou trabalhar
Descrita em seus detalhes, a rotina do indivíduo dignificado pelo trabalho que leva uma vida de cinco dias e meio suicidado e 1 e meio livre, mas apenas para descansar o corpo para recomeçar a dar mais um giro na roda da labuta semanal. Ninguém escolhe essa sina, pois ser assim não é escolha, mas imposição de um sistema que coloca como segunda opção a indigência ou a morte. Mas uma terceira via se mostra possível, quando essa opressão suga a última gota de resignação gerando um sonoro Foda-se! que faz ruir a barragem responsável por segurar a torrente mista de frustração, indignação e raiva. Bem expressa através do refrão, quando Peter Marques faz sua participação dando ainda mais energia à recusa de cumprir o compromisso de trabalhar:
Vai se f**** compromisso desgraçado,
Vai pra p*** que pariu
Eu não quero nem saber se amanhã não é feriado
Amanhã eu não vou trabalhar
Extenuado o trabalhador só consegue ver seu dia livre como forma de descanso, fazer aquilo que é o completo oposto do que pra ele representa trabalhar. Contudo o ato de dar um grande Foda-se!, necessário para rebelar-se contra aquilo que o oprime está presente, mesmo que represente uma vitória curta sobre seu opressor. Esse ato terá ainda mais representatividade, será o encontro de alívio diante das aprovações de leis que retiram ainda mais direitos dos trabalhadores brasileiros. “Amanhã eu não vou trabalhar” reflete bem o seu tempo.
Quem não quer, mesmo que timidamente, agredir essa realidade que nos foi imposta por sínicos golpistas sangue-sugas? Tornaram ainda mais pesada a pedra de Sísifo, substituindo a expressão alienante “O trabalho dignifica o homem!” por outra ainda mais vil “Não pense em crise, trabalhe!”? Diante disso só repetindo o refrão mais uma vez:
Vai se f**** compromisso desgraçado,
Vai pra p*** que pariu
Eu não quero nem saber se amanhã não é feriado
Amanhã eu não vou trabalhar