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O George Clinton (ainda) raciocinava na época do Computer Games

george clinton

Primeiro disco solo do George Clinton, “Computer Games” mostra-se um solo fértil para os experimentos do Dr. Funkenstein.

Quando o Parliament-Funkadelic decretou seu fim em 1981, o reverendo George Clinton estava na merda. Ele não só fumou, cheirou e dropou boa parte de seus grandes lucros com o grupo durante a criação, apogeu e declínio dos grooves, como também se viu de calça curta para segurar a onda e superar vários problemas que apareceram durante os anos 80.

Teve de tudo, tretas judiciais envolvendo processos de ex companheiros de banda, prejuízos financeiros já que os discos recentes não venderam e até mesmo dívidas com traficantes – algo que até Anthony Kiedis relatou em sua autobiografia – quando Clinton produziu o segundo disco do Red Hot Chilli Peppers (”Freakey Styley”) em 1982.

Coloque tudo isso na ponta do lápis ou faça uma planilha no excel – você escolhe – e o resultado virá. Foi uma década difícil para Clinton. Mas o que fazer depois do fim do Parliament-Funkadelic?

Seria Clinton tão relevante musicalmente falando, dessa vez sem o apoio dos grandes músicos que já passaram pela Mothership Connection?

Creio que ele nem pensou nisso na época, mas tão logo o fim da era P-Funk foi decretado – para graças a Jah – voltar poucos anos depois, o Uncle Jam já imbicou seu carro na viela da carreira solo e aproveitou o clima das boates e da Dance Music travestida de Techno para lançar sua competente estreia, ”Computer Games”, trabalho liberado em 1982 via Capitol Records.

Infelizmente, esse foi o último disco de relevância comercial lançado por George Clinton e o primeiro de quatro LP’s lançados pela Capitol. Veja a cronologia da época:

  • “Computer Games” (1982)

  • “You Should’nt-nuf But Fish” (1983)

  • “Some Of My Best Jokes Are Friends” (1985)

  • “R&B Skeletons In The Closet” (1986)

Esses discos representam a queda do império criativo que foi construído à base de LSD durante os anos 70.

Os discos não são terríveis, porém perdem sua solidez em meio às dívidas de Clinton com traficantes. É um período que anuncia um prematuro fim para uma proposta com grande potencial criativo.

Track List:
”Get Dressed”
”Mans’s Best Friend/Loopzilla”
”Pot Sharing Tots”
”Computer Games”
”Atomic Dog”
”Free Alterations”
”One Fun At A Time”

 

George Clinton – Computer Games

Uma reunião das maiores personalidades do groove, o “Computer Games” reúne meliantes conhecidos. Nomes como Bootsy Collins, Bernie Worrell e Garry Shider, estavam trampando num som que conseguisse subverter as guitarras do Funkadelic e os arranjos de metais do Parliament, mas dessa vez pensando nas batidas das pistas de dança de Nova York.

O resultado é primoroso e sua relevância histórica é notória, principalmente pensando no trabalho que MC’s como o Redman, por exemplo, desenvolveram na golden era do Hip-Hop dos anos 90.

Essa abordagem criou uma estética que explanou o som do Pariliament-Funkadelic para diversas gerações, dentro de uma nova cultura.

Acredite meu caro, sem P-Funk, o Dr. Dre e o Bob Hutch (aka Cold187um) jamais teriam inventado o G-Funk.

Deu muito certo e foi esse lançamento que segurou as finanças do vocalista por um tempo. Mas é claro que conhecendo a lenda, é quase desnecessário dizer que todos os problemas citados acima retornaram no meio da mesma década e o problema atendia como “freebase”, o precursor do crack, a ruína de outros monstros da cultura Pop, como Richard Pryor e Sly Stone, por exemplo.

Dividindo o disco em duas abordagens bem claras, o swing surge latente desde o primeiro take, com “Get Dressed”. Com um riff de baixo que coloca a casa pra dançar em 10 segundos. Na sequência, a suíte “Man’s Best Friend/Loopzilla”. Clinton e Shider mostraram a mesma sinergia dos anos 70 pra emplacar hits radiofônicos do calibre de “Computer Games” – faixa que nomeou o disco – e as batidas cibernéticas da clássica “Atomic Dog”. Está tudo aqui papai. P-Funk é a casa do West Coast Hip-Hop.

O debutante solo do George Clinton mostra que apesar da tecnologia, uma festa continua uma festa. É o que o Bnegão sintetiza muito bem na letra de “Essa é Pra Tocar no Baile” dos Seletores de Frequência. “A diferença entre uma festa de bacana e uma festa bacana, não é mero detalhe.”

As texturas de guitarra em “Pot Sharing Tots” merecem um atenção especial. Se o meliante não chapasse tanto, poderíamos ter outras sequências pra esse projeto.

A “Atomic Dog” deve pagar a conta de luz até hoje. “Get Dressed” e ”Mans’s Best Friend/Loopzilla” mostram o molho da cozinha do Parliament-Funkadelic, contrastando com propostas onde a lírica disforme de George Clinton ganha nova fluidez dentro dessa articulação de grooves em beats, se aproveitando de uma psicodelia intrínseca ao intérprete e ao modus operandi do groove do Bootsy Collins, por exemplo. 

Outro ponto digno de nota, é que um das características vitais do groove do Parliament-Funkadelic foi mantida, que é o uso dos arranjos de metais nas tracks, um toque que dá um gás no swing.

Vale lembrar que a ensemble de Funk contou com arranjos para naipe feitos por nomes consagrados, como Fred Wesley, por exemplo, responsável por alguns dos melhores arranjos do James Brown, está presente nesse gravação, ao lado do Maceo Parker, Dennis Chambers e os quase mágicos sintetizadores de Bernie Worrell, outro nome bastante importante para o Hip-Hop. Seu timbre de sintetizadores e sinth bass foi sampleado por nomes como MF Doom e Madlib, por exemplo.

Esse disco é um dos projetos mais inventivos dos anos 80 por que consegue subverter uma proposta, sem diluir o seu conteúdo. É como se o George Clinton fizesse um sample de toda sua obra e o resultado criasse vida própria, como uma inteligência artificial movida à groove.

Senhora e senhores, isso é pioneirismo. O groove é ecológico. É agro, é Funk e o Funk tem que ser P-Funk.

 

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