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Gente Maldosa: a crueldade segundo Prince Áddamo

O reggaeman baiano Prince Áddamo tá com um trampo novo na praça dando ideia sobre essa Gente Maldosa que apenas atrasa o lado.

Existe na Bahia uma intensa produção musical dos mais variados gêneros jamaicanos. Existem bandas de ska, ragga, dub, grupos de soundsystem e claro, de reggae, gênero de maior popularidade da ilha caribenha terra natal de Bob Marley.

Prince Áddamo merece o devido destaque pelo fato de seu trabalho conter, além de originalidade, forte ímpeto crítico e ter um vínculo indissolúvel com a essência do reggae, seu alto teor de sacralidade.

Essa sacralidade se deve ao fato do reggae ter se tornado uma forma de transmitir a mensagem do rastafarianismo. Fundindo-se ao rastafarianismo o reggae também passa a ser um modo de vida, uma forma de cultivar a existência e construir a resistência contra a opressão dirigida aos negros fora de sua terra natal, o continente africano.

A música de Prince apresenta essas características, que marcam fortemente suas letras e sua sonoridade. Não existe uma dissociação entre a música que faz e sua pessoa, o reggae é parte integrante do músico, fazendo parte de sua constituição física e espiritual. Isso nutre seu trabalho de uma intensidade contagiante, daí vem a conexão que as composições de Prince estabelecem com as pessoas que as ouvem.

Em seu novo single, Gente Maldosa, percebemos o tom combativo da letra, a construção de uma resistência contra forças reativas, quase imperceptíveis, que nos moldam e nos colocam uns contra os outros pra que possam nos manipular confortavelmente de seus escritórios climatizados.

Essa gente maldosa de que nos fala Prince, pode ser seu pai, seu amigo, seu companheiro, seu professor, seu patrão, seu empresário, os donos de casas de show, ou muitas dessas figuras ao mesmo tempo, vai depender das vivências de cada um. Qualquer pessoa cujas ações e falas sirvam apenas para sugar sua energia produtiva, impedindo você de realizar sua existência.

Contudo analisando a letra, tenho pra mim que há um alvo específico, as figuras de poder dentro das relações de trabalho, juntamente com figuras da cena musical cuja visão não ultrapassa o próprio ego. Gente Maldosa se inicia, com o que veremos se tratar do refrão, tendo versos indicativos da atitude a ser tomada para evitar o assédio nocivo dessas figuras de língua ferina:

Gente maldosa, não quero prosa

Enquanto eles conversam, eu trabalho mais

Work, work, eu trabalho mais

Logo de cara nos deparamos com o tom combativo característico da música de Prince. Ele nos adianta ser necessário ignorar as falas maldosas, cujo único propósito é promover a inércia daqueles que se deixam influenciar pelo teor altamente tóxico do que é dito. Ignorar é o primeiro passo, que leva ao segundo, mais importante, realizar sua existência através da música, compondo novas músicas, buscando novos ambientes para levar seu som, criando agenciamentos que permitam à música encontrar aqueles que estão em busca dela e assim, estabelecer novas conexões. 

Contudo, esse processo de luta constante representado nessa dinâmica de intensificar o trabalho, acaba esbarrando em uma estrutura maior, sob domínio de grupos empresariais, cujos representantes, muitas vezes, sequer gostam de música. Esta, para eles, não passa de mais um produto de consumo que em nada difere de um sabonete ou um smartphone. A esses indivíduos interessa o mesmo que um empresário de qualquer outro ramo da economia: LUCRO.

E sem olhar pra trás eu vou em frente

Porque sei que a gente pode ir

Em um caminho estreito, é que se conhece de verdade

Quem quer ou não lhe ver sorrir

Essa estrutura cruel gera um circuito acessível a poucos, apenas aqueles artistas que fazem um som formatado, palatável ao gosto médio, voltados para pessoas interessadas em fazer da música apenas um pano de fundo, ser a música ambiente para outras atividades que são o real interesse de colar num evento musical. Em Gente Maldosa Prince dá a ideia de que não adianta falar mal, não adianta cruzar os braços e esperar a chegada do reconhecimento da genialidade de sua obra. O vil metal é necessário para nossa existência, temos que persegui-lo diariamente para suprir nossas necessidades materiais de sobrevivência.

Quem vive de lamentação, reclama tanto em vão

E eu não vejo produzindo nada

Contudo, não é necessário vender a alma ao diabo, tampouco se entregar ao ressentimento, forças reativas que apenas lhe jogam em devaneios torturantes, desgastantes, retirando sua energia, impedindo que seja força somatória da resistência. Em Salvador vemos inúmeros músicos batalhando a cada semana para consolidar uma cena, cativar um público, tendo a paciência e a persistência de verdadeiros guerreiros, dispostos a criar e não apenas em reproduzir fórmulas consagradas mas pertencentes a outros.

Prince Áddamo está entre eles e nos mostra que não é preciso mimetizar a música de Bob Marley para fazer reggae, pode-se fazer algo tão original e intenso como fora a obra do maior ícone do gênero. Gente Maldosa é mais uma prova disso, ouça. 


Gente Maldosa: a crueldade segundo Prince Áddamo

Por Carlim

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