Em comemoração aos 10 anos do disco A Vida é Simples, conversamos com o MC e beatmaker Gelleia para saber um pouco mais sobre sua caminhada!
Certamente devemos repensar a vida após ouvirmos o disco de estreia do Gelleia, ao descobrirmos que ele fez parte do Primeira Audição e do coletivo Bossa Beats. Mais especificamente, deveríamos repensar a nossa conduta como pessoas que se dizem parte da cultura hip-hop. MC e beatmaker, o trabalho do artista solo ou em coletivo, compõem a história da nossa cultura com uma qualidade ímpar. Mas porque tão poucas pessoas o conhecem?
Dez anos depois nos foi dado o privilégio de descobrir este universo pouco explorado, acessado até então apenas por uns poucos sortudos, que ou estiveram juntos, ou descobriram como eu, por estar em contato com pessoas/artistas que viveram aquele momento. Em que medida, não somos nós mesmos que ao invés de buscarmos a simplicidade, adentramos alegremente ao simplório, ao redutor, àquilo que nos é empurrado goela abaixo e ficamos reativos apenas reclamando das coisas?
Gelleia tem razão, somos nós que complicamos a vida, pois ela é simples. Em tempos de internet e acesso à informação, nos rendemos desavergonhadamente aos conteúdos, debates e opiniões mais rasas, ao mais medíocre com uma rapidez assustadora. Nos comprazemos a este estado de coisas e fingimos lutar contra ao mesmo tempo que servimos, as desculpas são infinitas.
Saber um pouco mais, conhecer um pouco mais de trabalhos como “A Vida é Simples”, dar a ver e pensar um pouco mais sobre este artista, não muda nada, mais barra por alguns minutos um fluxo incessante do mais do mesmo. O rap nacional, seu público, artistas e mídias possuem um espaço amplo de manobra, há sempre, todos os dias a possibilidade de horizontalizar e preencher esse espaço com outros nomes. Mas muitos se curvam em incensar aquilo que dará o retorno garantido, em bloquear aquilo que sentem como ameaça, em prestigiar apenas o que lhe chega.
Esse movimento empobrece a história e asfixia o presente, colocando-nos em xeque diante de um futuro simplório. Conhecer os nomes da nossa história, buscar outros artistas que atualmente produzem fora da curva poderia nos abrir outras possibilidades de futuro para a cultura hip-hop e para a música rap. Conheçam um pouco mais da caminhada do Gelleia, de sua simplicidade que enriquece a história do rap nacional e que com certeza pode lhe abrir outros portais, se permita!
Oganpazan – Salve Gelleia, satisfação trocar essa ideia contigo mano, e eu queria começar esse papo lhe perguntando: A vida é simples mesmo mano? Cê permanece pensando assim?
Gelleia – Salve meu mano, satisfação imensa a minha em ter a oportunidade de falar sobre esse disco,mesmo depois de tantos anos. A Vida é muito simples sim,a gente que complica.
Com certeza sigo pensando da mesma forma.
Oganpazan – Meu mano, nesse disco que é um emblema de elegância, você dixava ideias éticas e políticas sempre em uma chave de positividade. Fala um pouco da composição desse trabalho!
Gelleia – Obrigado pelas palavras mano. Esse trabalho na verdade traz meio que um resumo da minha caminhada na vida. É fruto de muitas experiencias vividas em casa e na rua e de muito ensinamento adquirido através do tempo.
Quanto as composições mano, a grande maioria surgiu em um período complicado, pesado e difícil da minha vida e toda a dificuldade, todo aquele “veneno” sempre acabava virando combustível e inspiração no processo criativo.
Oganpazan – Em 2012 você já vinha de uma caminhada com a turma do Bossa Beats e com o Primeira Audição. Conta pra gente como você conheceu essa rapaziada e como se deu o processo de formação do coletivo e do grupo.
Gelleia – O primeiro que eu conheci foi o Rato (Fritz), eu devia ter uns 16 anos, isso foi em 1996. A gente montou um grupo chamado M.D.I, junto com o Edgard que era o DJ.
Na sequência eu conheci o Glauber (Omig one) através do Rato e pouco tempo depois ele entrou no grupo também.
Na virada ali do ano 2000 eu conheci o Mascote, ele entrou no grupo que mudou o nome para Primeira Audição. Depois os caras do Ritmistas da Sessão começaram a colar com a gente, conhecemos o Calmão (Tranquis),que produz pa carai e criamos o Bossa Beats.
Oganpazan – Eu tenho escutado bastante esse disco, assim como os trampos dos grupos Primeira Audição e do Ritmistas da Sessão atravessando a cidade, eles são junto com o seu um alívio redutor da rapidez de nossas vidas nas metrópoles. Essa pegada era desejada, o que você esperava com esse trabalho?
Gelleia – Como eu disse, o processo sempre se deu de forma natural, a gente se conectou através de uma identidade musical que era muito parecida e isso envolvia muito Jazz,Bossa Nova e Samba. Não acho que era a pegada desejada, na real, essa era a nossa pegada mesmo.
Oganpazan – Há no disco uma faixa mais política com “A Cidade”, mas eu diria que de modo mais geral o que há é um disco que expressa temas éticos, como o cuidado, o amor, a amizade, a necessidade de desacelerar, de busca de uma simplicidade e que de certo modo constituem uma micropolítica; Essa pegada vai na direção contrária ao que o rap nacional sempre apresentou como linha hegemônica, como você vê essa questão?
Gelleia – Eu sempre tive uma influencia muito forte do Rap desde pequeno, ouvia muito Sistema Negro, GOG, Consciencia Humana, mas também curtia bastante os Doctors mcs e o Ataliba e a Firma por exemplo, que já tinham uma outra pegada.
No meu entendimento eu sempre acreditei que o Rap se manifestava e poderia se manifestar de formas diferentes e dentro dessas possibilidades eu me vejo como uma das dessas vertentes e que bom meu mano que podemos curtir dentro do mesmo estilo musical, variadas formas de passar a mensagem e se conectar com quem gosta.
Oganpazan – Os beats e as participações do disco são do núcleo duro do Bossa Beats e do Primeira Audição em sua maioria, como se deu essa seleção? Como você escolheu os beats e as participações de MC’s e DJ’s para esse trabalho?
Gelleia – Mano, na real eu dei a maior sorte de ter ao meu redor muito cara bom de batida.
Veja, o Calmao por exemplo, o cara é um monstro, tem um talento fantástico pra fazer batida. O Dj Soares é monstro também, o beat da Ir além fala por si só, puta batida loka mano!!
Aí eu conheço os caras da Bahia, o Jorge (Dr. Drumah) e o Eduardo Santoz, mano, pelo amor de Deus, chegava cada pancada pra eu ouvir, que foi difícil escolher qual ia pro disco. Os dee jays eu me lembro de ter conhecido o Sleep lá no longínquo tempo da Central Acústica, quando ele se apresentou com o grupo dele, o Criado Mudo. O maluco é liso, risca demais!!!
Dj Phat também muito foda, gente boa pra caramba, humildade total. Rolou uma interação boa e foi natural a participação dele também. E o Dj William, sang bom demais, foi o primeiro Dj do Primeira Audição e não tinha nem como ele não estar no meu disco. Salve monstrão!!!!
Oganpazan – Uma coisa que me chamou bastante atenção foi a inserção de beats sem rimas durante o disco, de onde você tirou essa ideia?
Gelleia – Cara, muita influencia do Rap dos Estados Unidos dos anos 90. Pode reparar, todo disco tinham essas “Skits” e eu sempre pirei nisso. É algo que fazia minha cabeça desde muleque.
Oganpazan – Qual foi a importância do samba, da bossa nova e do samba jazz para a construção da lírica desse trabalho?
Gelleia – A importância foi total, é justamente a mistura de todas essas influencias que pavimentou a estrada pra este trabalho poder surgir. Eu era criança e sempre tinha festa em casa, mano ,era surreal a parada. Muita gente, muito samba e os nego véio ensinando as parada. Isso eu vou levar comigo pra sempre. A vida é simples tio!!!
Oganpazan – Esse ano A Vida é Simples completa 10 anos de nascimento, como foi a vida do Gelleia nestes últimos 10 anos, o que você veio fazendo neste tempo, o que mudou e o que permaneceu em você e na sua vida?
Gelleia – Passou rápido demais mano, o tempo voa literalmente. Em 2017 a gente lançou o segundo disco do Primeira Audiçao, eu me casei, me tornei pai do Malik, hoje eu trabalho bastante e procuro cuidar da minha família da melhor maneira possível.
Acho que o que mudou foi o ritmo, as prioridades e a maneira como o meu tempo é dividido atualmente. O que permaneceu é a ligação com a música e dessa vez como digo na música Ir Além,” muito mais calado, muito mais tranquilo.”
Oganpazan – O que você tem ouvido hoje em dia de coisas novas da música?
Gelleia – Mano, eu sou muito ligado em música antiga, em descobrir coisas dos anos 70, que é uma década que me influencia bastante. Na real, eu fico nessa busca e acabo conhecendo pouca coisa nova, mas conheci uns caras chamados “Coops”, que fazem um puta Rap bem loko.
No Brasil eu curto bastante o som do “Ingles” um mano de São Jose dos Campos, letrista foda!!!
Oganpazan – Quais as suas principais influências e deixa aos nossos leitores algumas dicas de discos, livros ou filmes?
Gelleia – Samba de raiz, partido alto, Jazz ( muito jazz), Samba Rock, Samba Jazz, Reggae Roots, Dub, Lounge Music.
Ouçam o disco do John Legend, Wake Up!! É um disco pancada e tem muita participação de peso. Assistam um filme que tem na Netflix chamado “Fratura”, foda,foda,foda!!!
Oganpazan – Agradeço demais o papo meu mano, pra finalizar gostaria de lhe perguntar se podemos esperar novos trabalhos seus e abrir espaço para que caso não tenhamos feito uma pergunta que você gostaria de responder, o espaço está aí!
Gelleia – Eu é que agradeço irmão, muito, mas muito obrigado mesmo pelo espaço e pelo papo. Obrigado de coração mano!!! Cara, no momento, sem nenhuma previsão para novo trabalho.
Abraço forte pai!!!!
Leia a resenha que fizemos do álbum A Vida é Simples (2012) do Geleia AQUI
-Gelleia 10 anos depois e A vida continua simples! Entrevista
Por Danilo Cruz