Gasolina trás dois registros inflamáveis e mostra todo energia irradiada pela sonoridade selvagem da Carmem Blues.
No Brasil a situação fica difícil a cada dia. A escalada do fascismo bolsonarista é uma realidade e só agrava os efeitos desastrosos que o covid 19 causa em nosso país. Tempos extremos exigem sonoridades extremas, certamente por isso Carmem Blues se afasta das raízes bluseiras tão bem arraigadas em Tapes Sessions (2018), primeiro trampo da banda, pra elaborar uma sonoridade mais pesada, estridente e inflamável, como podemos constatar no compacto Gasolina, recém lançado.
Ouçam Tape Sessions para efeito de comparação entre a sonoridade elaborada em cada trabalho da banda.
A gasolina, nestes tempos de bolsonarismo, rivaliza com o dólar diariamente pra estabelecer novas marcas de recordes de alta. Não dá pra usar a gasolina como matéria prima dos molotov por esse motivo, será preciso apelar pros líquidos inflamáveis mais acessíveis como o álcool 96. Porém a gasolina é uma excelente metáfora para a necessidade de se preparar pro combate que evite sermos lançados de volta aos anos de chumbo.
O compacto é composto por duas faixas, Cheiro de Gasolina e My Own. Cheiro de Gasolina reflete um ambiente de manifestação, há a calmaria, quando as pessoas ainda estão se reunido, formando a massa manifestante. Aos poucos a coisa vai ganhando corpo, vai se agitando, ficando tensa, até que acontece a explosão em confrontos e a luta se estabelece.
O desenvolvimento dessa imagem ocorre através da forma como a sonoridade da música é estruturada. Inicialmente notas esparsas emitidas pela guitarra, tendo ao fundo um andamento lento, a melodia vocal entra e imprime um pouco mais de expressividade à música, que vai ganhando intensidade quando a guitarra passa aos cortes secos e uso de efeitos, enquanto a letra descreve um cenário de confronto e de repente a bateria anuncia uma explosão e o cheiro de gasolina contamina todo ambiente.
O refrão faz vir a minha mente aquela fala monumental do Tenente Coronel Kilgore em Apocalipse Now “É napalm, filho. Nada mais no mundo cheira desta forma. Adoro o cheiro do napalm pela manhã”
Assim como o napalm na guerra do Vietnã, a gasolina no contexto expresso pela letra de Cheiro de gasolina, apresenta-se como metáfora perfeita da situação descrita. O cheiro da gasolina representa o confronto, indo além, representando a luta empreendida pelos manifestantes, uma vez que o molotov é a arma do manifestante por excelência. Criada pela resistência finlandesa para conter os avanços do poderoso Exército Vermelho no início da Segunda Guerra Mundial. Nesse sentido, o coketel molotov representa a luta do oprimido contra o opressor, sempre.
My Own segue uma linha mais próxima ao hardrock, mas sem deixar o peso já presente em sua antecessora. Essa confluência entre peso e dinâmica remetem em alguma medida ao blues característico de Tapes Sessions, mas garantindo autonomia com relação ao trabalho antecessor.
Carmem Blues é uma banda carioca sedimentada no blues sem deixar o estabelecimento de links com vertentes do rock temperadas por distorções e de caráter visceral, como o grunge e o hardrock. A vocalista e guitarrista base Carmem Cunha está a frente da banda que leva seu nome e conta ainda com o guitarrista solo Kadu Mota, o baixista Luiz Gustavo no baixo e Christian Dias na bateria. Embora assuma as baquetas no Carmem Blues, Chistian é um excelente guitarrista cujo desempenho neste instrumento pode ser testemunhado no power trio Astrovenga. Inclusive, já fizemos matéria sobre a Astroventa aqui no Oganpazan, confira clicando aqui e aqui.
Gasolina, mais uma parceria da Carmem Blues com o selo Abraxás, teve produção de Vicente Barroso (Auramental) e foi gravado no home estúdio do Christian Dias.