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Gal & Caetano Velloso 1967 – Domingo Completa 50 Anos

Gal & Caetano Velloso estreavam juntos com o LP Domingo lançado em 1967. Esse ano completa 50 anos como um importante registro bossanovista!

Uma boa parte da minha geração cresceu no boom da internet e consequentemente fomos alimentados pelos pesquisadores de música e os colecionadores de vinis que promoveram a volta de diversos discos à ordem do dia. E nesses dias de descobrimento, extasiados trocávamos informações, arquivos, gravávamos cdr’s uns pros outros, descobrindo grandes clássicos da nossa música. Os descobrimentos caminhavam em várias direções musicais, mas na minha turma o rock nacional era a pauta do dia. Principalmente as expressões do rock progressivo, psicodélico e os cruzamentos que a mpb fez com o rock. Sendo assim, muitos dos discos da Gal do final dos anos sessenta e inicio dos 70 viraram nossa resposta ufanista à Janis Joplin e Grace Slick. No entanto, poucos de nós atentaram ao começo bossa novista quando Gal ainda era conhecida como Maria da Graça ou apenas Gracinha. Nos apegávamos sobretudo às expressões tropicalistas de nossos conterrâneos.

Esse ano Gal Costa completa 50 anos de carreira, ao tomarmos como ponto de partida Domingo (1967), disco cheio de estreia que a cantora divide com Caetano Veloso. Interessante notar como aqui ela já despontava como a voz das composições de Caetano, antes mesmo de ser a voz da Tropicália. Curioso também notar, como esse caminho de reverência a bossa nova iria ser abandonado logo a seguir, com o disco manifesto do movimento Tropicalista (1967) e apenas um ano depois Gal já seria conhecida e poucos anos depois, resistiria como a maior representante em território nacional do movimento.

Dois anos antes desse lançamento (Domingo 1967) e um ano depois de conhecer Caetano, Maria da Graça, lançava seu primeiro Compacto (1965). Uma delicia ouvir retroativamente essas duas canções: Eu Vim da Bahia (Gilberto Gil) e Sim, Foi Você (Caetano Veloso). E perceber como a voz emitida num tom cristalino e singular ainda iria se transformar muito ao longo dos anos. Duas composições e uma execução que já revelavam a enorme influência de João Gilberto entre os doces bárbaros, aqui por enquanto, apenas doces e um tanto melancólicos, o barbarismo vinha logo a seguir. E por falar em João Gilberto, Gal conta que ao conhecer Caetano, talvez o traço distintivo maior para a amizade instantânea e o reconhecimento recíproco dos dois foi exatamente a pergunta feita por Caê depois que ela cantou pra ele. Qual o cantor que você mais gosta? João Gilberto, respondeu de pronto Gracinha.  

Caetano por sua vez já tinha também lançado em 1965 seu primeiro compacto pela RCA Victor, com duas canções inéditas: Samba em Paz e Cavaleiro as duas de autoria do mesmo. Começando os inúmeros registros de sua devoção Joãogilbertiana. Porém, esses registros e composições da dupla não são meras obras do engajamento dos baianos à estética bossa novista. Antes, talvez devêssemos aprecia-las como uma espécie de prestação de contas, sem a qual, as invenções que revolucionariam a música popular brasileira não teriam vindo a luz. Logo após a gravação desses dois compactos em 1966, num texto presente no livro Alegria Alegria, Caetano escreve: “Só a retomada da linha evolutiva de João Gilberto pode nos dar uma organicidade para selecionar e ter um julgamento de criação.” e mais: “depois da euforia desenvolvimentista (quando todos os mitos do nacionalismo nos habitaram) e das esperanças reformistas (quando chegamos a acreditar que realizaríamos a libertação do Brasil na calma e na paz), vemo-nos acamados numa viela: fala por nós, no mundo, um país que escolheu ser dominado (…)”.

A tomar as palavras de Caetano, os registros aqui tratados e o que se veria a seguir, nota-se que em Domingo (1967) algumas características artísticas estavam em plena construção. Caetano ainda marcando a grafia Velloso, e a Gal, antes Maria da Graça, aqui ainda não tinha sido batizada como Gal Costa. Fica claro o sentido do processo estético do qual esse disco é uma importante marca. Os baianos preparam o terreno com esse debut, retomando os ensinamentos de João Gilberto, para alguns meses à frente, revolucionar a música brasileira, assim como seu mestre tinha feito 10 anos antes. 

Dentro desse contexto, o disco é de uma beleza ímpar, envelheceu muito bem e marca diversas outras estreias muito importantes para a música brasileira. Aqui podemos ouvir os belos primeiros arranjos de Francis Hime e Dori Caymmi que apesar de já prolífica carreira, estreia também como produtor do disco. Roberto Menescal também é arranjador de mão cheia que trouxe ao disco suas qualidades, presentes na canção “Domingo”, composição do Caetano.

Composta por canções na sua maioria de autoria do próprio Caetano Veloso, encontramos ainda o início de uma linda parceira entre Gilberto Gil e Caetano com o Torquato Neto. Além de trazer a linda “Candeia” de Edu Lobo e “Maria Joana” de Sidney Miller. Um time de craques compõe esse documento histórico dos então, pré-tropicalistas Caetano e Gal.

Como já ressaltado, o tom geral do disco se engaja na Bossa nova, porém em “Quem me Dera” (Caetano Veloso), já podemos ouvir agogôs em ritmo de ijexá. Gal brilha com sua voz e emissão puras como um cristal, nos duetos com Caetano como em “Coração Vagabundo” – maior sucesso do disco – ou em “Domingo”. Brilha também solo como no lindo e comedido sambinha do Sidney Miller, “Maria Joana”. 

Seja pela técnica, seja pela beleza, aqui Gal já começava a ser aclamada como a maior cantora brasileira por muitos setores da crítica, inclusive por seu mestre João Gilberto, que se apaixonou, literalmente pela baiana. Caetano retomava o fio da revolução efetuada pela bossa nova e despontava como um compositor em franca ascensão, que em alguns meses revolucionaria completamente o modo de se fazer música no país. 

Os corações vagabundos aqui, estavam na busca de guardar o mundo em si, coisa que começaram a fazer em Domingo (1967) conquistando autonomia expressiva através da Bossa nova. Passando a ser conhecidos no Brasil pelo eixo Rio São Paulo.

Em seguida assumindo a revolução da música pop mundial, misturando-a às nossas expressões mais populares. Introduzindo a guitarra elétrica na música brasileira, utilizando os avanços das vanguardas musicais e conquistando literalmente o mundo. E assim se passaram 50 anos, até que recentemente Caetano Veloso ao passear por um mosteiro no Japão se bate de frente com um monge, que canta pra ele Coração Vagabundo em sinal de reconhecimento.

Acho que não é preciso dizer mais nada né?

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