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Fusão Ancestral: o encontro de dois universos sonoros

Fusão Ancestral, mais novo álbum de Arthur Navarro, une Oriente e Ocidente através das particularidades sonoros de cada um desses “universos”.

Fusão Ancestral
Capa do álbum ‘Fusão Ancestral’, ilustração e Design Gráfico por Enzo Gratz.

 ‘Fusão Ancestral’ chegou às plataformas digitais no último sábado, 25 de setembro. O álbum, resultado da pareceria entre Arthur Navarro e Kiranpal Singh, trás as experiências compartilhadas entre estes dois músicos e compositores. Conforme nos falou Arthur Navarro, em entrevista que você confere logo abaixo, o interesse pela cultura indiana, em particular a música nasceu espontaneamente, quase um chamado, imediatamente atendido por ele.

Outra participação importante é a de Dhiego Valadares, com quem Arthur já havia trabalhado anteriormente. Diego assumiu as percussões, contribuindo para  o enriquecimento sonoro do álbum. Desde o seu primeiro álbum Polyphonic Omnipresenca, lançado em 2018, Arthur revela os resultados de suas pesquisas dentro do campo musical indiano.

Pode-se dizer que os elementos orientais são predominantes em sua música, o que coloca uma perspectiva nova, levando-se em conta o modo como os componentes ocidentais são usados de modo complementar. Geralmente ocorre o contrário, e nisto reside um dos pontos mais interessantes do trabalho de Arthur.

Todo processo de produção do álbum foi realizado durante a pandemia, portanto feito totalmente de modo remoto. Dado interessante está no fato de parte do álbum ter sido gravado no Instituto Abbey Road, em Londres. Instituto no qual Arthur se especializou como engenheiro de some produção musical. A outra parte foi realizado no Brasil, entre a casa do compositor em Vitório e um estúdio na Barra do Jucu, no Espírito Santo.

Carlim (Oganpazan): Bom Arthur, já no seu primeiro lançamento, o álbum Polyphonic Omnipresence, você mergulha nas infinita gama de possibilidades sonoras presentes na música indiana. O que motivou essa busca na música indiana por elementos e inspiração para suas composições? 

Arthur Navarro por Victória Dessaune.

Arthur Navarro: Olá Carlim, primeiramente gostaria de agradecer a oportunidade de participar dessa entrevista com você, e sou grato pelo espaço no Oganpazan para falar sobre meu trabalho e divulgá-lo. Voltando à pergunta, a cultura indiana, sua música, arquitetura, literatura e yoga há muito me fascinam. A inspiração para criar músicas influenciadas por esse universo oriental foi muito natural. A música indiana sempre fez um sentido fora do comum pra mim, tanto de forma melódica ou rítmica, algo que não é consciente, sabe. Eu ouço e apenas sinto que tem algo muito profundo ali, e isso ressona em mim de uma forma muito aprazível. É uma conexão muito forte para além do plano racional, sabe. Esse mergulho na música indiana se deu comigo por volta de 2008 quando adquiri uma sitar velha, inspirado por audições de Ravi Shankar, Vilayat Khan e, claro, os Beatles. Queria muito sentir na prática o experimento e a brisa de sonoridade completamente diferente das que estava acostumado com instrumentos ocidentais. De lá pra cá essa paixão só aumentou. No percurso acabei conhecendo músicos indianos quando passei uma temporada em Londres, os quais foram indicados e apresentados a mim por Youth (Martin Glover) e Renato Roversi, ambos da gravadora Suriya Records, que lançaram meu primeiro álbum. Kiranpal Singh, maestro do santoor, participou de duas faixas de meu álbum, e essa parceria me levou a gravar dois álbuns dele no Abbey Road Institute, “100 Strings – Indian Ragas Full Circle, Vol. 1” (2018) e o “Vol. 2” que sairá em breve pela gravadora britânica Suriya Records.

2. Carlim (Oganpazan): Pelos títulos que você dá às suas músicas, parece que seu interesse está em fazer dos sons um meio de transcender à materialidade. Claro, a trama sonora urdida por você reforça essa ideia. Existe essa busca? 

Arthur Navarro: Acredito que existe essa busca sim, porém não de forma consciente, sabe. O que busco no momento, principalmente com o novo álbum Fusão Ancestral, é unir em termos sonoros, a transcendência da música indiana – a melodia dos ragas e ritmos de diferentes talas -, com o universo percussivo do congo capixaba e a energia envolvente da psicodelia. Em termos de ideias, de letras, a narrativa desse novo som é sobre fazer viagem pelas esferas sutis do pensamento, apresentando aos ouvintes uma série de questionamentos acerca de nossas origens. Devido às vivências, pesquisas e composições junto a Kiranpal Singh (maestro do santos indiano) e Dhiego Valadares (percussionista de congo), a influência das culturas do hinduísmo e do congo capixaba estão intrínsecas e impressas em cada nota e palavra no álbum “Fusão Ancestral”.

3. Carlim (Oganpazan): O John Coltrane em sua última grande “peregrinação” musical antes de sua morte, explorou profundamente a música indiana, levando-o a criar um estilo que recebeu o rótulo de “Spiritual Jazz”. Você de alguma forma se vincula a essa tradição? Quais são suas influências musicais diretas?

Arthur Navarro: É mesmo! O John Coltrane fez um caminho bem interessante ao oriente, de fato. O álbum “OM” é dele é bem surpreendente. Mais do que o próprio John, quem me influenciou bastante foi a Alice Coltrane. Já ouvi muito os álbuns dela “Monastic Trio” e o “Radha-Krsna Nama Sankirtana”. Fica difícil pra eu dizer que sou vinculado a essa tradição, mas acredito que de alguma forma meu trabalho pode ser uma pequena flor desta árvore que cresce com influências orientais. Talvez um “Spiritual Folk-Rock”? (Risos). As minhas influências diretas são bem variadas, vão desde os clássicos Pink Floyd, Beatles, Linda Perhacs, Caetano Veloso e Beach Boys aos contemporâneos Boogarins, Laure Briard, Tame Impala, Novelty Island e Flyte. Ah, uma grande influência também é o falecido maestro Jaceguay Lins, original do estado do Pernambuco que construiu carreira no RJ e aqui em Vitória (ES). Ele fez uma pesquisa sonora muito interessante unindo música erudita orquestral com congo capixaba. Definitivamente o trabalho dele no álbum “Melodiário” é uma grande influência para o “Fusão Ancestral”.

Kiranpal Singh por Nacho Stax

4. Carlim (Oganpazan): Em ‘Fusão Ancestral’, você estreitou sua parceria com Kiranpal Singh, que já havia realizado uma participação no seu álbum de estréia. O que isso representa pra você em termos de criação e vivência através da música?

Arthur Navarro: Sim, com certeza nossos encontros virtuais e telefonemas sobre a criação do “Fusão Ancestral” proporcionaram um estreitamento e intimidade forte entre nós. Eu o conheci em Londres em 2018 e pudemos trabalhar juntos em algumas ocasiões, como mencionei anteriormente. No entanto, essa vivência de criação do “Fusão Ancestral” representa algo muito profundo para mim, tanto em termos de realização pessoal – devido a busca do conhecimento e ao aprendizado que tive junto a Kiranpal sobre as teorias e intenções da música indiana -, e também em termos musicais pelos novos olhares que essa experiência me fez lançar sobre o próprio ato de fazer música e seus propósitos, que me fez buscar utilizá-la como uma dimensão aliada à questões filosóficas e existenciais que acho pertinentes, que neste caso se deram por meio de canções que fazem questionamentos e contam histórias para incitar, humildemente, uma busca por nossas origens como humanidade e assim contribuir com a busca por informações para preencher a lacuna de nosso passado como espécie.

5. Carlim (Oganpazan): Você escolheu a faixa ‘Jongo Mandala’ para gravar um clipe e assim promover o lançamento do álbum. Por que essa a escolha da música para esse propósito e como foi a construção do clipe?

Arthur Navarro: A escolha da música “Jongo Mandala” se deu pelo fato dela trazer em si um elo entre meu trabalho anterior, por ser instrumental, e principalmente por abrir portas para essa nova aventura, apresentando para as pessoas a união proposta neste álbum, entre a música indiana, o congo capixaba e a psicodelia por meio do folk, mpb e rock. Com isso pensamos (eu e Gustavo Senna, o editor do videoclipe) que seria interessante proporcionar a experiência de introdução ao universo do álbum também no âmbito visual, e surgiu a ideia do videoclipe trazer imagens dos locais em que o álbum foi concebido, que foram em Vitória e Barra do Jucu (no estado do Espírito Santo), Londres, e também por meio de imagens da Índia, cultura que tem forte influência nesse álbum. Para isso contamos com equipes de filmagens nesses locais para fazerem as imagens, e também utilizamos banco de imagens. Unimos as atmosferas de cada lugar junto a efeitos visuais psicodélicos propostos por Gustavo Senna e o resultado pode ser conferido no vídeo de “Jongo Mandala”.

6. Carlim (Oganpazan): Além do álbum e do clipe, foi feito um documentário sobre o processo de criação de ‘Fusão Ancestral’, de que maneira álbum e documentário se complementam? O que podemos esperar dessas duas dimensões dessa sua experiência composicional?

Arthur Navarro: Eu diria que o documentário é uma espécie de introdução para o universo do álbum por apresentar um pouco sobre a história dos participantes e conceito do álbum por meio de entrevistas comigo, Kiranpal Singh e Dhiego Valadares. Essa complementação também se faz interessante por mostrar os bastidores das gravações do álbum “Fusão Ancestral” com imagens de estúdio em Vitória (Atlantis Music & Sound), Barra do Jucu (Samba Soul) e Londres (Abbey Road Institute). O documentário foi dirigido por um grande amigo de longa data, Gustavo Senna, e foi editado pelo meu irmão, Diego Navarro. Logo todo o processo de construção desse trabalho foi bem fluido e prazeroso. Torço pra que essa vibração seja captada por quem assistir.

7. Carlim (Oganpazan): Quais suas expectativas para o lançamento neste sábado 25 de setembro?

Arthur Navarro: Posso ser sincero, não tenho muitas expectativas (risos). Apenas desejo que as pessoas que se conectem, se divirtam e aproveitem essa janela musical pra paisagem peculiar proposta no álbum.

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