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Funkero chega muito forte com Poesia Marginal Pt. 2, aliás porque ninguém fala?

Funkero chega com disco forte em influência dos anos 90 em Poesia Marginal Pt. 2 (2019), que parece que foi pouco comentado, mas vale muito!

Carioca do bairro do Catarina, o rapper Funkero carrega consigo um estilo todo próprio de agredir com suas rimas, sendo hoje talvez um dos rappers que ao abrirem a boca são inconfundíveis. Com dois discos na carreira e um EP, além da carreira no Cartel Mc’s, ele chegou com um disco muito importante para os dias atuais e com uma relevância que durará! 

O começo desse disco me trouxe até aqui, as quatro primeiras músicas me seguraram na audição repetida do disco e me obrigaram a escrever. Os quatro primeiros momentos de Poesia Marginal Pt. 2 (2019) é talvez um dos começos mais fortes de discos lançados nesse ano. Uma sequência verdadeiramente arrebatadora, expressando uma força que termina por definir nossa percepção de todo o disco. Foi um golpe baixo – falemos a verdade – contra nós que nos formamos ali pelos anos 90 e que tivemos no crossover rock e rap a base da construção de nosso caráter, a nossa educação sentimental.

As três primeiras faixas operam dentro desse registro com um nível magistral, e vai nos guiando na base da cacetada, na percepção do que vem a seguir. Nesse novo trabalho, Funkero – rapper que despensa apresentações – traça um perfil do caos politico, cognitivo e ético em que vivemos atualmente, ao nível do globo. Apegando-se ao  nosso contexto, ele consegue alcançar a universalidade almejada por toda obra de arte. Um disco que funciona como um esporro, como um vômito, reação fisiológica de um espírito sadio, diante de tanta merda.

A primeira porrada é “Desordem e Regresso” que já começa nos situando adequandamente no momento em que vivemos, com todas suas regressões, com as falsas polarizações, com a emergência de um pensamento fascista. O neo colonialismo que veio de fora e encontrou em nosso país as terras ferteis de uma elite escravagista e burra.

Em seguida outra marretada, “A Burguesia Fede” com participação do Erik Scratch, que mostra o quanto nossa elite e até mesmo a nossa pequena classe média é escrota. Demonstrando como vivemos sob o julgo de uma caricatura de elite, afinal o termo definiria os melhores, os mais capazes, o que a classe burguesa infelizmente não consegue ser.

Em “Black Mirror” o mc carioca vai na intenção da atuais formas de cognição que se mostram cada vez mais doentes por excesso de informações fakes e conectividade total, produzindo zumbis do pensamento. Corpos envergados e cada vez mais caretas e burros com relação a nossa realidade, terra planistas emergindo da era da informação é um sinal do fim.

A utilização do sample de “War Pigs“, consegue nos mostrar o fato que estamos em guerra, mas agora, a luta é por controle total. Quem realmente domina, não está mais interessado no exterminio de fato senão no direcionamento da nossa percepção e na aceitação de narrativas que contam um mundo diferente do que vivemos na realidade.

Diante desse quadro, a morte parece para muitos uma solução e em “Deus Abençõe a Morte” encontramos uma das melhores levadas do disco. Como no mito de Ícaro, o Funkero segue com suas rimas se aproximando perigosamente do sol, e sobrevive. E a citação da morte há 10.000 anos atrás, é apenas a constatação Raul Seixiana de que o Mc em termos de politica está a anos a frente de uma boa parte do rap carioca que inclusive militou pelo impeachment e ou apoiou nosso atual presidente.

É estranho que seja o Funkero quem em termos de posição política renove  o RJ com as proposições mais incisivas sobre o impeachment ocorrido há três anos atrás. Foi do RJ que saiu uma das peças mais nefastas do Golpe, a cypher feita por alguns mcs cariocas como Maomé e Buddy Poke entre outros. E a estranheza vem não de alguma dúvida sobre a capacidade do mc, mas de sempre esperarmos mais da juventude.

Funkero, nesse novo disco lançado pela 1Kilo, se ancora em boa parte, numa sonoridade que nos remete a era de ouro do rap/rock carioca, os anos 90. Mas não é só. Vai ao Trap com propriedade e críticas afiadas, fala da pista e do amor, mas não esquece certa veia angustiada, e sempre, sempre, bate firme em temas fundamentais para quem está afim de ouvir a verdade.  

Em “Porque a Gente é Assim” e em “Só Você“,  são pausas, ou descansos sadios para espairecer, onde o mano rima num primeiro momento sobre orgia e loucura, drogadição que faz bem pra quem gosta (redução de danos é fundamental) e depois sobre o amor. “Selva Urbana” retoma a vibe crítica do disco e é uma continuação que dá prosseguimento a noção de decadência que temos como o prato do dia em nosso país, mas também no mundo.

Entre o virtual e o real Funkero consegue atualizar o seu universo mental, seus compromissos políticos e éticos, seus afetos com bastante sucesso. Interessante notar como as linhas são sempre retas, sem firulas técnicas, o que não significa ausência das mesmas, o lance é que aqui ela – a técnica- está subjugada aos sentimentos e ideias, a força da mensagem é mais importante.

Há em todas as faixas uma crítica as ilusões contemporâneas de toda ordem, em favor das experiências reais. Um espécie de grito que se apoia em diversas referências temporais, de Raul Seixas ao Legião Urbana, mas também a Criolo, Racionais Mc’s, Tim Maia, clássicos da nossa música.

Uma das melhores faixas do disco, é o feat com Gasper e Vandal exatamente por dar alguns passos atrás e situar o poeta no contexto de onde vem. E para essa missão ele foi atrás de duas cabeças caras da real “Criminologia“.  RJ, Goiás e Bahia, chegando pesado pra mostrar que favela real não tem dois papos não, é filosofia pragmática, vão voltar com armas de brincadeira pro play.

Funkero segue e na faixa seguinte propoem um atualização com peças mais novas: Pelé MilFlows, DoisP, Chino, Mamut, Orelha e MZ , puxando um bonde de novinhos que chegam na cena e homenageam São Gonçalo e Nitéroi. O coroa consegue mostrar nessa faixa outras visões sobre a vida na periferia, do Catarina, pro mundo como inspiração de luta.

O disco fecha com uma critica que vai de encontro a nossa burguesia cristã/neo pentecostal –  numa clara citação ao Raul Seixas, atualizada – que tem na falsa consciência de que suas ações não estão sendo monitoradas, uma certeza de impunidade. “Paranóia” também e obviamente se centra naquela já mencionada acima, noção de que vivemos em uma sociedade totalmente monitorada.

Funkero fez um disco que sem sombre de dúvidas espanta, porque cospe somente verdades, com uma sonoridade agressiva do ínicio ao fim, excelentes participações e produção de primeira. Com toda certeza também, é um disco que será ouvido e entendido porque quem está buscando revolta, ideias certeiras, um som que inspire para os dias de luta em que vivemos, o resto que vá beber lean, e fazer dancinhas alegres! Passar bem…

 

-Funkero chega muito forte com Poesia Marginal Pt. 2, aliás porque ninguém fala?

Por Danilo Cruz

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